Monday, October 20, 2014

Emissoras prometem mudanças em março

Pedro J. Bondaczuk

A partir da próxima semana, diversas emissoras de televisão prometem mudanças em suas programações, dando início, assim, efetivamente, ao “ano letivo” do setor. Não se sabe por quais cargas d’água os programadores cismaram que no período de férias escolares não requer nenhuma atenção. Já a partir do início de janeiro retiram, do fundo do baú, os velhos e surrados enlatados, mostrados exaustivamente e que acabam sendo repetidos todos os anos. É a isso que chamam de “Festival de Férias” ou algo parecido.

A Rede Globo é especialista nisso. A maior parte dos filmes que foram exibidos por ela nesse período foi mostrada tantas vezes que quase todo o mundo já conhece (até de trás para a frente) cada enredo. Assim não dá”  Tradicionalmente, e não se sabe o por quê disso, os lançamentos são reservados para o mês de março. E pelo que as diversas emissoras estão anunciando, a programação, de nova, terá apenas o nome. Alguns programas serão mostrados com outros títulos. Mas os esquemas continuarão sempre os mesmos. Os tão batidos e repetitivos shows, seriados repletos de violência e de ideologismos, fazendo a apologia do herói americano e colocando um pouco mais de lenha na cansativa fogueira da “guerra fria” e uma ou outra produção aceitável, tendente a ser retirada meses depois, sob a alegação de falta de audiência.

Pelo menos em duas áreas, porém, as emissoras não terão que inovar no corrente ano, por contarem com um material que por si só é o espetáculo: na jornalística e na esportiva. Bastará que trabalhem com competência e criatividade para a conquista de índices expressivos de sintonia dos telespectadores. Na primeira, teremos as eleições, e das mais importantes para a vida institucional do País. Todavia, o tema que já deveria estar nas telas, sendo debatido pela sociedade e veiculado exaustivamente pelos meios de comunicação, anda, estranhamente, esquecido. Parece que há um certo interesse de determinados grupos para que o público não se esclareça a seu respeito e continue fazendo as confusões que faz. Referimo-nos à escolha da Assembléia Constituinte, que deverá ser eleita em novembro próximo.

Nenhum canal teve a visão de promover qualquer espécie de discussão em torno do assunto. Ninguém trouxe ao vídeo, e portanto aos lares de todos os brasileiros, o pensamento das lideranças das mais variadas correntes de opinião sobre como esses segmentos desejam que seja a nossa próxima Carta Magna. Nenhuma emissora deu sequer espaço, a não ser em algum pé de matéria fria, para os vários debates que já se desenrolam em torno do tema. Estranho isso, não é mesmo? Estranho e inquietante. Pelo que parece, o País vai ter outra Constituição elitista, que não vai levar em conta a realidade nacional e só vai servir de detonadora de novas crises institucionais no futuro.

A segunda área de farto noticiário para as emissoras neste ano será a esportiva, com a disputa da Copa do Mundo de Futebol no México. Nessa, ao contrário do que se verifica na jornalística, a movimentação é das mais intensas. Afinal, o esporte predileto do País, paixão maior de 135 milhões de brasileiros, hoje em dia é um negócio multimilionário, envolvendo inúmeros setores: desde os próprios atletas profissionais, as principais vedetes desse show de emoções, a empresas de turismo, agências de publicidade, companhias de aviação, e assim por diante. Por ser um bom negócio, o assunto Copa do Mundo sempre tem quem queira patrocinar e por isso não faltam programas envolvendo a nossa Seleção.

Entretanto, se a cobertura do Mundial do México for feita da mesma forma como as atividades de treinamento dos 25 craques de Telê Santana estão sendo mostradas, coitado do torcedor. Há gente fazxendo o possível e o impossível só para aparecer. Há repórteres esquecendo-se que seu papel é captar e transmitir, com o maior rigor e fidelidade possíveis a informação e não se transformarem na própria notícia. Há comentaristas que julgam que o torcedor brasileiro é burro em matéria futebolística, elaborando suas análises em cima do que o saudoso Nelson Rodrigues classificava de “óbvio ululante”. Se na fase de treinos a coisa está dessa maneira, o crítico fica imaginando com seus botões como será na hora do vamos ver.

É verdade que a guerra pela audiência, nesse setor, é das mais acirradas entre as várias emissoras. Afinal, esse é o “filet mignom” de 1986 e ninguém deseja ficar para trás, sob o risco de ver comprometido seu faturamento publicitário no ano. Mas é bom que as emissoras se lembrem que o telespectador é caprichoso. Apega-se a detalhes, às vezes muito sutis, para eleger seus preferidos. O caminho mais lógico e coerente a seguir para a conquista desse público é dar-lhe um máximo de informação, precisa, objetiva e bem editada, sem nenhum vedetismo por parte dos profissionais encarregados desse trabalho. O desportista não está preocupado sobre os dotes histriônicos deste ou daquele repórter, narrador ou comentarista. Quer é saber das condições físicas e técnicas de um Zico, de um Careca, de um Falcão ou de um Casagrande. Está curioso em esclarecer-se como estão se comportando os novatos, como Müller, Silas, Elzo e Júlio César. O resto é dispensável. Como o são, também, vários programas que há anos vêm chateando o telespectador que investiu na compra de um receptor e que às vezes se arrepende amargamente por não ter depositado esse dinheiro numa caderneta de poupança.


(Comentário publicado na página 22, Arte e Variedades, do Correio Popular, em 28 de fevereiro de 1986).

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