Sunday, October 19, 2014

Bandidos são perdedores


Pedro J. Bondaczuk


O que ocorreu em 10 de dezembro passado, no enterro do assaltante e seqüestrador Leonardo Pareja, assassinado um dia antes por um grupo de presos do Centro Penitenciário Agroindustrial de Goiás (Cepaigo), se repetiu, anteontem, em Campinas, no velório de Jonas Arthur Gomes, o "Capeta" (guardadas as devidas proporções).

Até bandeira brasileira sobre o caixão foi colocada, como se o morto fosse um herói. Não era, evidentemente. As famílias das vítimas que fez que o digam. Há quem atribua à imprensa esse fenômeno de transformar bandido em herói. Os órgãos de comunicação, todavia, limitam-se a informar sobre os crimes praticados por essas pessoas.

Nenhum jornal, revista, rádio ou televisão (por mais sensacionalistas que sejam), comete a irresponsabilidade de exaltar os "feitos" de homicidas, assaltantes ou seqüestradores. Pelo contrário. O que há é uma freqüente campanha pela segurança e uma exigência para que essa gente perigosa seja tirada das ruas.

A mitificação de bandidos tem outras causas, psicológicas e sociais. No velório do "Capeta", por exemplo, pôde-se observar que a maioria dos que o "louvavam" era constituída por adolescentes, contestadores pela própria natureza, que invertem valores como uma forma de rebeldia em relação aos adultos.

A transformação de marginais em heróis não é um fenômeno novo ou restrito a Campinas --- que mitificou, entre outros, Luís Carlos do Vale e Hidemax Rita. Em São Paulo, figuras como Sete Dedos, Meneghetti e o Bandido da Luz Vermelha dominaram a fantasia de muita gente.

No Rio, Cara de Cavalo, Tião Medonho, Lúcio Flávio e mais recentemente Escadinha e Uê, foram (ou estão para ser) inclusive personagens de filmes. No Exterior, podem ser mencionados desde o lendário Robin Hood a Jesse James, Bonnie e Clyde, Calamity Jones, Al Capone e Caryll Chessman, o "Bandido da Luz Vermelha" original, executado em 1959, após permanecer por quase 11 anos no "corredor da morte" de uma prisão norte-americana.

As pessoas sem muita estrutura psicológica e inadaptadas socialmente precisam de ídolos, numa época carente de merecedores de idolatria. Ninguém idolatra políticos, salvo raras exceções. Jogadores de futebol, mitificados num passado recente, têm desencantado admiradores, pelo seu "mercantilismo" ou pela conduta às vezes irresponsável fora ou dentro dos gramados. Hoje são raros os que demonstram amor a uma determinada camisa.

Falta, por exemplo, um Pelé, que no Brasil jogou somente no Santos. Ou um Zico, cuja trajetória está toda ligada ao Flamengo. Não dá mais tempo para o torcedor transformar algum "craque" em ídolo. Quando menos espera, ele passa a jogar pelo time que é o maior adversário do seu.

O risco em transformar bandidos em heróis é o da imitação. Muito adolescente tem ultrapassado os limites da mera rebeldia, descambando para a marginalidade, apenas por se espelhar em exemplos de criminosos. E enveredam num caminho sem retorno. Exemplo? Leonardo Pareja e Capeta.


(Artigo publicado no caderno Cidades do Correio Popular em 20 de março de 1997)




Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: