As
viúvas da Índia e mortes por dote
Pedro J. Bondaczuk
Entre as práticas mais arraigadas, historicamente,
na Índia, de violência velada, causada pela discriminação à mulher, e negada pelas autoridades, está a da
perseguição às viúvas. Em famílias supersticiosas (e estas são em imensa
quantidade, num contingente populacional de um bilhão de habitantes, o segundo
maior do mundo), a maioria vivendo em estado de absoluta miséria, ignorância e
atraso cultural, os parentes dos maridos mortos atribuem a elas os falecimentos
em questão, quaisquer que tenham sido as verdadeiras causas.
E, a menos que tenham alguma propriedade em seu
nome, o que é muito raro, essas pessoas são tratadas de forma desdenhosa e
cruel, na maioria das vezes expulsas da própria casa, tendo, não raro, que
mendigar para poder sobreviver. Não são
poucas, ressalte-se, as que passam por essa terrível e absurda experiência,
tida por parte considerável dos indianos como "coisa normal".
Conforme estatísticas do Banco Mundial, datadas de 1995,
65% das mulheres indianas, maiores de 60 anos, são viúvas. A cifra aumenta para
80% para as maiores de 70. Numa idade, portanto, em que as possibilidades de
reiniciar a vida são virtualmente nulas, esse procedimento cruel e desumano
equivale, na prática, a uma condenação à morte para essas mulheres.
Até tempos recentes, a expectativa era a de que as
viúvas se lançassem nas piras fúnebres onde os corpos dos maridos eram
cremados, tradição conhecida como "sati". O costume foi oficialmente
proscrito há dezenas de anos, mas se sabe de pelo menos um caso desse tipo
ocorrido em 1987. Milhares de outras ocorrências como essa são insinuadas, mas
sem comprovação. Sempre que o assunto é levantado, é enfaticamente negado, pois
o tema é "tabu" na Índia.
Outro fenômeno
de violência contra a mulher na sociedade indiana é o conhecido como
"morte por dote". Trata-se de prática bastante comum, em que as
jovens indianas casadas, cujos presentes não satisfazem à ganância da família
do marido, são assassinadas, em alegados "acidentes de cozinha", ou
atormentadas até que venham a cometer suicídio.
As autoridades fazem vistas grossas a esses
homicídios, alegando "falta de provas". Claro que os criminosos fazem
de tudo para não deixar rastros dos seus crimes. Na maioria dos casos, as
coisas são arranjadas de tal maneira, que as mortes são, de fato, atribuídas a
infelizes "acidentes".
Subitamente, as recém-casadas, cujos dotes são
considerados inferiores àquilo que as famílias dos respectivos maridos acham
que deveriam ser, sofrem quedas "acidentais" fatais, ou sérias
queimaduras de óleo ou água fervendo, ou fulminantes intoxicações por produtos
químicos ou alimentos deteriorados, ou outros "acidentes" de cozinha,
dos quais, por mais que tentem, não
conseguem escapar.
De acordo com
a pesquisadora indiana Usha Nayyar, na Índia, pelo menos 7.300 mulheres foram
mortas, apenas no ano de 1995, por seus parentes, por conseguirem dotes
inadequados, que são, aliás, oficialmente proibidos. Destes casos, virtualmente
nenhum dos criminosos foi punido, contando, portanto, com o beneplácito da
polícia, com uma informal, mas autêntica, "licença para matar".
Do livro “Guerra dos Sexos”,
Pedro J. Bondaczuk, 1999 – Inédito
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