Monday, October 06, 2014

Crescimento e justiça social


Pedro J. Bondaczuk


Os dados preliminares referentes ao primeiro semestre de 1993, divulgados nos últimos dias pela imprensa, confirmam o crescimento das atividades econômicas em importantes setores do País, como a indústria automobilística e a construção civil, entre outros.

Para uns, trata-se da retomada do crescimento e do fim da longa crise que nos assola há mais de uma década. Para outros, não passa de um fenômeno transitório, que deverá ser neutralizado pela escalada da inflação. O ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, garante que “nós estamos saindo rigorosamente da profunda depressão”.

De qualquer forma, com euforia ou sem ela, é inegável que a situação em 1993 é muito mais favorável do que a dos dois últimos anos, em especial, a de 1992, quando o País atingiu, de fato, “o fundo do poço”. A despeito das altas taxas inflacionárias, os dados disponíveis sobre vendas, investimentos, emprego e lucro são, senão entusiasmantes, pelo menos positivos.

Cabe, agora – à sociedade e ao governo – recorrer à virtude da perseverança. Ao Poder Público compete cumprir o programa apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, de saneamento das contas governamentais, tendo como palavra chave a “austeridade” nos gastos e a “racionalidade” administrativa.

Aos agentes econômicos, por seu turno, resta a tarefa de confiar, de trabalhar e de cumprir com suas obrigações fiscais. Os dois pólos não podem perder de vista o caos social existente no País, agravado pela passagem do “furacão Collor” pelo poder.

O País não pode reincidir no erro do período do regime militar, quando se dizia que antes de se dividir o bolo, seria necessário esperar que ele crescesse. Ele, de fato, cresceu, mas a divisão foi leonina para setores minoritários privilegiados, em detrimento da maioria.

Hoje, para usar uma comparação tão a gosto do ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e atualmente assessor do ministro Fernando Henrique Cardoso, Edmar Bacha, convivem, num mesmo território, uma próspera Bélgica e uma miserável Índia.

O País requer um novo pacto social, já consagrado na atual Constituição, mas jamais posto em prática, que tenha por pressuposto básico a justiça social. Para isso, é preciso, além de vontade política, perseverança por parte das elites pensantes e dos que detêm o poder de decisão.

Aliás, a esse propósito, o escritor francês Víctor Hugo, que também foi político (chegando a ser senador), tem uma citação modelar: “Todo o segredo dos grandes corações está nesta palavra: ‘perseverar’. A constância diz que espécie de homem há dentro de nós, qual é a nossa personalidade, a dimensão da nossa coragem. Os constantes são sublimes. Quem é apenas bravo tem só um assomo, quem é apenas valente tem só um temperamento, quem é apenas corajoso tem só uma virtude; o tenaz, porém, tem a grandeza”.

É inconcebível que um país com o potencial do Brasil, a décima economia do mundo conforme dados recentes do Fundo Monetário Internacional, tenha 34,2 milhões de indigentes e mais de 500 mil meninas entre 10 e 14 anos prostituídas, na maioria das vezes vendidas por suas famílias, em decorrência da terrível miséria que se abate sobre a esmagadora maioria dos brasileiros e que leva de roldão, entre outras coisas, a dignidade dessas pessoas.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de junho de 1993).


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