Wednesday, October 01, 2014

Manobra para desviar atenção


Pedro J. Bondaczuk


A população norte-americana, que desde quinta-feira tem saído às ruas de várias cidades do país para protestar contra o envio de tropas para Honduras, bem como os políticos que se opõem à medida e ponderável parte da opinião pública, argumentam, para fundamentar sua atitude, com a possibilidade de ser criado um novo Vietnã na América Central, bem no quintal dos Estados Unidos.

Exageros a parte, ficou claro, no entanto, que o presidente Ronald Reagan usou, mais uma vez, os sandinistas para desviar as atenções gerais de algo que ele não quer que adquira repercussão em demasia. É que o escândalo “Irã-contras” ganha, a partir desta semana, foros de dramaticidade, com o julgamento, por parte de um grande júri federal, de suas principais personagens.

Desta feita, não tenham dúvidas, o tenente-coronel Oliver North não vai poder usar seus dotes de ator e, em arroubos de demagogia, conquistar a opinião pública, posando de herói nacional, como fez em julho do ano passado, quando prestou depoimentos perante as comissões mistas do Congresso que investigavam o caso.

Agora ele, o ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional, John Poindexter; o general reformado da Força Aérea, Richard Secord e o comerciante de armas, Albert Hakim, vão responder a processo criminal, com possibilidades de pegarem longas penas de prisão em caso de serem condenados. 

É claro que seus respectivos advogados de defesa os orientaram para que livrassem a própria pele e não protegessem ninguém. O presidente Reagan permanecerá a salvo, mais uma vez, já que os réus disseram, sob juramento, durante o inquérito, que o mandatário não tinha nada a ver com os delitos.

Se mudarem agora o que afirmaram anteriormente, estarão cometendo novo crime: o de perjúrio. E, com certeza, não irão se atrever a se arriscar tanto. Todavia, uma outra figura muito importante no momento, por ter chances reais de vir a ser o novo ocupante da Casa Branca a partir do próximo ano, o vice-presidente George Bush, vai estar na berlinda.

Toda a bateria de acusações estará voltada contra ele. Os democratas, por outro lado, que não conseguem se definir sobre um candidato para as eleições de novembro próximo, vão fazer o possível e o impossível para envolver o nome mais em evidência, no momento, dos republicanos, no escândalo.

Irão mover céus e terra para encontrar o mínimo deslize do oponente, para mostrar à opinião pública porque ele não deve ser eleito. Reagan, portanto, tinha que criar uma nova manchete nos órgãos de comunicação do mundo todo. E nada melhor para isso do que a surrada crise centro-americana. Só que desta vez, com o presidente em final de mandato, o tiro pode sair pela culatra. É aguardar para ver.  

(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 20 de março de 1988)


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