Espancamentos domésticos
Pedro J. Bondaczuk
As
mulheres conquistaram, ao longo do recém findo século XX, em várias partes do
mundo, legítimos direitos que, por razões várias, sempre, e invariavelmente, em
qualquer tempo ou lugar, foram (e em vastas regiões da Terra continuam sendo)
desrespeitados. Derrubaram barreiras, superaram preconceitos, ocuparam espaços
e desbravaram o caminho da igualdade, da liberdade e da responsabilidade para
as gerações futuras. Trata-se, na verdade, não somente de uma expressiva
vitória feminina, mas de toda a humanidade.
E
o que elas tanto se empenham em conquistar? Desejam o que a mais simples das
lógicas indica que, desde o início da trajetória do ser humano na Terra deveria
ser automático e natural: a posição de parceiras, em absoluto pé de igualdade
com os homens. Exigem que seus direitos, consagrados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que a quase totalidade dos países que
integram a organização se comprometeram a acatar e a defender, sejam
respeitados.
Não
é, no entanto, o que acontece, mesmo nas sociedades consideradas mais
avançadas, nos aspectos social, jurídico, econômico, cultural, etc., que
integram o seleto rol do que se convencionou chamar de "Primeiro
Mundo". O que dizer, então, de Estados que pararam no tempo, atrasados em
todos os sentidos, alguns ainda vivendo virtualmente na Idade da Pedra, no que
diz respeito aos direitos humanos?
Mais
de dois terços das mulheres do mundo continuam sendo tratadas como subalternas,
como seres inferiores, como "propriedades masculinas", vítimas de
toda a sorte de abusos, de discriminações, de agressões, de humilhações etc.,
sem que as autoridades competentes movam uma só palha para pôr fim a essa
barbárie. Em 1999, escrevi um livro sobre esse conflito, para mim absurdo e
irracional, em que a minoria da humanidade (no caso, o homem), sempre subjugou,
espezinhou e em muitos casos, transformou em uma espécie de “objeto” a maioria
(as mulheres). Intitulei-o “Guerra dos sexos”. Por razões várias, que não cabe
aqui abordar, não consegui interessar nenhuma editora no sentido de sua
publicação.
Como
considero esse estudo relevante, e não somente pela atualidade do tema, mas
também pelo seu teor polêmico, propus-me a reproduzir aqui, neste espaço
voltado à Literatura, ao longo das próximas semanas, esse livro, com uma ou outra
adaptação. Espero, com isso, estar dando modesta contribuição para que se faça
justiça e se estabeleça a lógica. Ou seja, que o relacionamento entre gêneros
seja o que o mais comezinho bom senso indica que deva e que deveria ser sempre,
mas que nunca foi: o de parceria, em irrestrito pé de igualdade. Os problemas
existentes ainda são muitos, muitíssimos, sendo que um dos mais graves, comuns
e recorrentes é o que se refere a espancamentos domésticos. Reflitamos.
Ao
contrário do que diz a letra de uma popular música "funk", de que
"tapinha de amor" não dói, ele dói sim, e muito. Até porque, quem ama
não agride, nem por ações e nem por palavras, e muito menos explora, mutila e
mata sua parceira. Esse comportamento odioso, de agressão e de continuado desrespeito
masculino em relação à sua parceira, prevalece no mundo todo. Em alguns países
verifica-se, até, considerável aumento dos casos de agressão, que via de regra
permanecem impunes.
Muitas
autoridades consideram esses episódios meramente como "assuntos de
família", e não como graves delitos, passivos de punição aos agressores, e
por isso, evitam de interferir, a menos que a vítima de espancamento venha a
falecer. Daí a carência de estatísticas a respeito, em especial dos países
islâmicos, asiáticos e da América Latina.
Mulheres
têm sido condicionadas, ao longo da história – mesmo nestes tempos de
globalização, em que têm cada vez mais acesso a todo o tipo de informação –
desde meninas, à sujeição e à absoluta obediência ao homem, seja pai, irmão, namorado
ou marido. São tratadas como subalternas, eternas crianças, sem vontade,
responsabilidade e tirocínio para distinguir o bem do mal. Por medo, ou
condicionamento, ou outra razão qualquer, sujeitam-se a essa situação absurda e
até condicionam as filhas para agirem dessa forma.
Trata-se
de questão até cultural, de arraigada mentalidade de dominação do suposto
"sexo forte" sobre o alegado "sexo frágil", que precisa ser
mudada, e logo, mediante amplas e repetitivas campanhas de conscientização,
além da aprovação de leis muito mais duras e severas do que as atuais, e que,
sobretudo, sejam rigorosamente cumpridas pelas autoridades, além de uma reação
enérgica e sistemática por parte das vítimas.
Todavia,
em vastas partes do mundo essa idéia de sujeição é, não somente mantida, como
muitas vezes ampliada. Em 1995, por
exemplo, os países islâmicos (cuja população somada gira ao redor de 900
milhões de pessoas), divulgaram a doutrina da "Eqüidade Relativa". Ou
seja, rejeitando a noção da igualdade de direito entre os sexos.
A
tese em questão, inclusive, foi apresentada oficialmente, em conjunto pelas
delegações muçulmanas, na "IV Conferência Mundial sobre a Mulher",
organizada pela Organização das Nações Unidas, realizada de 4 a 15 de setembro
daquele ano, em Pequim, na China. Na Índia, a palavra em sânscrito para
"marido" significa "dono". Mesmo quem não admite essa
postura, a adota na prática, tanto nos países considerados potências, em termos
políticos, econômicos, militares, sociais e culturais, quanto nos Estados
atrasados e miseráveis da África e da Ásia, que integram o que se convencionou
chamar de Quarto Mundo (nestes, evidentemente, em grau e intensidade
infinitamente maiores).
A
então deputada federal Iara Bernardi, do PT de São Paulo, observou, com muita
propriedade, em artigo publicado no Correio Popular: "A mulher, no Brasil,
continua a ser vista como uma extensão ou uma propriedade masculina, o que
confere ao homem o pretenso direito de dispor de sua liberdade, de seu corpo e
de sua vida". Essa idéia de dominação e de sujeição é que precisa ser
combatida e substituída pela de parceria e cooperação, em estrito pé de
igualdade.
(Do meu livro, inédito, "GUERRA DOS SEXOS").
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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