Crimes
de honra
Pedro J. Bondaczuk
Uma das práticas mais absurdas, arraigadas nos
costumes de praticamente todos os povos, são os chamados "crimes de
honra". Ou seja, aqueles praticados por maridos contra esposas sob a
alegação de traição, ou seja, de adultério. Oficialmente, raros governos
ocidentais admitem o procedimento. Mas na prática, inúmeros tribunais e corpos
de jurados absolvem, sistematicamente, os homens que matam suas parceiras por
esse deslize.
Há sociedades em que esse procedimento, inclusive, é
cobrado. E quem não se submete a tão estúpida e criminosa prática, é segregado
na sociedade. Mesmo em países social, econômica e culturalmente avançados, são
comuns os chistes e anedotas envolvendo supostos "cornos". Essa
designação, para a maioria dos homens, é sumamente ofensiva, muito mais do que
a de "assassino".
O novo Código Penal iraniano, por exemplo, que
entrou em vigor em 1996, totalmente baseado na Sharia (lei muçulmana), permite
ao marido traído que surpreender a mulher em flagrante delito, matar o casal
adúltero sem intromissão da lei. Contudo, não reconhece o mesmo direito à
mulher numa situação semelhante. Em todos os países islâmicos de legislação
semelhante isso é válido. E nos que a lei não admite explicitamente esses assassinatos,
as autoridades costumam fazer "vistas grossas", sob a alegação de se
tratar de "assunto de família", e não da alçada da justiça.
Em alguns países latino-americanos, a lei ainda
perdoa o assassinato de uma mulher por seu marido, se ela for flagrada no ato
de adultério. Em outros, embora formalmente considere esse tipo de homicídio
como o crime gravíssimo, que de fato é, a maioria dos júris absolve os
homicidas ou, quando não, os juizes atribuem sentenças extremamente brandas,
quase simbólicas, que não condizem em absoluto com a gravidade e a perversidade
do delito.
No Brasil, embora as coisas tenham mudado muito
nesse aspecto, graças às pressões das entidades feministas, posto que
veladamente, a defesa do homicida ainda recorre a esse argumento. A
discriminação legal começa, muitas vezes, na lavratura do flagrante, que acaba
relaxado, principalmente quando o crime envolve pessoas não muito conhecidas e
não há, portanto, nenhuma espécie de cobrança por parte da imprensa ou de
entidades defensoras dos direitos humanos.
Recorrendo à chamada "Lei Fleury", os
assassinos respondem ao processo em liberdade, por serem réus primários. No
Estado de São Paulo, em 1994, foram assassinadas, por exemplo, 450 mulheres.
Desse número de homicídios, apenas um dos assassinos teve sua prisão preventiva
decretada. E alguns júris, senão a maioria, contrariando os princípios mais
elementares do Direito, ainda absolvem homens que matam suas companheiras e
alegam, em juízo, a absurda "legítima defesa da honra".
A leniência da lei e decisões desastradas da Justiça
criam um clima nefasto de impunidade e, como conseqüência natural, os casos de
mortes de mulheres, por razões na maior parte das vezes absolutamente banais,
multiplicam-se, de forma assustadora. Recente estudo, divulgado fartamente pela
imprensa, constata que o homicídio já é a maior causa de morte de pessoas do
sexo feminino, na faixa etária dos 15 aos 30 anos, na cidade de São Paulo.
Supera derrames cerebrais e outros problemas
cardiovasculares como principais causas de óbitos. E a grande maioria dessas
mortes tem como autores maridos, namorados e companheiros, comprovando que o
lar pode ser um lugar muito mais perigoso do que as ruas para as mulheres
paulistanas. Em outras cidades, mesmo não havendo estudo a respeito, essa
realidade não é muito diferente.
(Do livro “Guerra dos Sexos”, Pedro J. Bondaczuk,
1999. Inédito).
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