Tuesday, October 07, 2014

Tecnicamente, é ato terrorista


Pedro J. Bondaczuk


A derrubada do Airbus A-300 da Iran Air, por parte de dois mísseis “Standard”, disparados pelo cruzador norte-americano “USS Vincenne”, que redundou na morte de 290 civis, ocorrida, anteontem, no Estreito de Ormuz, no perigoso e tenso Golfo Pérsico, tem agravantes e atenuantes para os responsáveis pelos disparos.

Entre estas últimas, pode ser citado o fato de que a belonave agressora estava travando combate com lanchas velozes iranianas. Ora, a própria tensão determinada pela situação de se estar envolvido em uma batalha distorce as decisões. Acresça-se a isso o fato do piloto da aeronave abatida ter se recusado a dar a sua identificação, e por sete vezes. Mas são as únicas coisas que podem ser citadas a favor do capitão do navio.

Já as agravantes são inúmeras. A primeira diz respeito ao óbvio, ao tipo de aeronave que o responsável pelo ataque alegou que poderia ser e o que realmente era. Um Airbus é tão diferente de um F-14 como uma girafa de um elefante.

Não há sequer como um leigo possa confundir os dois aparelhos. Quanto mais um profissional experimentado, como se presume que seja um comandante de cruzador da mais poderosa Marinha do mundo, obviamente a dos Estados Unidos.

Ademais, o jato de passageiros estava voando nos estritos limites da República Islâmica. Mesmo que estivesse fora de rota, portanto, estava dentro do seu país. Como o piloto do avião poderia supor que seria atacado em tais circunstâncias?

Se havia alguém que deveria se identificar, este era o intruso, o invasor do território iraniano, o “USS Vincenne” que, além de tudo, praticava um ato hostil contra o país cujas fronteiras estavam sendo violadas.

Embora as investigações ainda não tenham começado, tentando esclarecer o incidente, fica claro que o que pode ter acontecido é o comandante do navio, irritado com o ataque que o barco estava sofrendo por parte de lanchas do Irã, ter disparado os mísseis contra o Airbus num momento de irreflexão, mas ciente da natureza do alvo.

Afinal, na altura que o avião estava e com a velocidade que ele desenvolvia, não seria necessário, numa manhã clara e ensolarada, sequer um radar para fazer a sua identificação. Caso a aeronave abatida fosse de caráter militar, ainda se compreenderia a atitude, embora ela continuasse a ser injustificável. Mas ela era civil.

E se houvesse norte-americanos entre os passageiros? Além disso, vão indenizar as famílias das vítimas? E a empresa aérea terá que arcar sozinha com os prejuízos? Outra coisa que se espera é uma manifestação da Iata, a entidade da aviação civil de âmbito internacional.

Afinal, quando um avião é seqüestrado, não tem faltado um pronunciamento dela. Uma omissão, agora, seria incompreensível e imperdoável. O ato de anteontem, portanto, foi mais do que “uma tragédia humana”, como o classificou o presidente norte-americano, Ronald Reagan, ontem. Tecnicamente, foi um ato de terrorismo.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 5 de julho de 1988).


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