Tecnicamente, é ato terrorista
Pedro J.
Bondaczuk
A derrubada do Airbus A-300 da Iran Air, por parte de dois
mísseis “Standard”, disparados pelo cruzador norte-americano “USS Vincenne”,
que redundou na morte de 290 civis, ocorrida, anteontem, no Estreito de Ormuz,
no perigoso e tenso Golfo Pérsico, tem agravantes e atenuantes para os
responsáveis pelos disparos.
Entre estas últimas, pode ser
citado o fato de que a belonave agressora estava travando combate com lanchas
velozes iranianas. Ora, a própria tensão determinada pela situação de se estar
envolvido em uma batalha distorce as decisões. Acresça-se a isso o fato do
piloto da aeronave abatida ter se recusado a dar a sua identificação, e por
sete vezes. Mas são as únicas coisas que podem ser citadas a favor do capitão
do navio.
Já as agravantes são inúmeras. A
primeira diz respeito ao óbvio, ao tipo de aeronave que o responsável pelo
ataque alegou que poderia ser e o que realmente era. Um Airbus é tão diferente
de um F-14 como uma girafa de um elefante.
Não há sequer como um leigo possa
confundir os dois aparelhos. Quanto mais um profissional experimentado, como se
presume que seja um comandante de cruzador da mais poderosa Marinha do mundo,
obviamente a dos Estados Unidos.
Ademais, o jato de passageiros
estava voando nos estritos limites da República Islâmica. Mesmo que estivesse
fora de rota, portanto, estava dentro do seu país. Como o piloto do avião
poderia supor que seria atacado em tais circunstâncias?
Se havia alguém que deveria se
identificar, este era o intruso, o invasor do território iraniano, o “USS
Vincenne” que, além de tudo, praticava um ato hostil contra o país cujas
fronteiras estavam sendo violadas.
Embora as investigações ainda não
tenham começado, tentando esclarecer o incidente, fica claro que o que pode ter
acontecido é o comandante do navio, irritado com o ataque que o barco estava
sofrendo por parte de lanchas do Irã, ter disparado os mísseis contra o Airbus
num momento de irreflexão, mas ciente da natureza do alvo.
Afinal, na altura que o avião
estava e com a velocidade que ele desenvolvia, não seria necessário, numa manhã
clara e ensolarada, sequer um radar para fazer a sua identificação. Caso a
aeronave abatida fosse de caráter militar, ainda se compreenderia a atitude,
embora ela continuasse a ser injustificável. Mas ela era civil.
E se houvesse norte-americanos
entre os passageiros? Além disso, vão indenizar as famílias das vítimas? E a
empresa aérea terá que arcar sozinha com os prejuízos? Outra coisa que se
espera é uma manifestação da Iata, a entidade da aviação civil de âmbito
internacional.
Afinal, quando um avião é
seqüestrado, não tem faltado um pronunciamento dela. Uma omissão, agora, seria
incompreensível e imperdoável. O ato de anteontem, portanto, foi mais do que
“uma tragédia humana”, como o classificou o presidente norte-americano, Ronald
Reagan, ontem. Tecnicamente, foi um ato de terrorismo.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 5
de julho de 1988).
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