Thursday, October 02, 2014

Grupo informal que fez história

Pedro J. Bondaczuk

O Grupo Bloomsbury, do qual Virgínia Woolf participou desde quando tinha 23 anos de idade, em 1905, até seu suicídio, em 1941 e que foi uma espécie de co-fundadora, gera polêmicas até hoje, 69 anos após sua extinção (deixou de existir em 1945). Enquanto existiu, contudo, fez história, Gera infinitas controvérsias ainda hoje. Imaginem na época em que estava no auge! Foi um sopro de rebeldia não apenas contra os cânones artísticos da Inglaterra entre as duas guerras, mas, sobretudo, da moral, dos costumes e do comportamento social desse país. E olhem que na ocasião não havia a internet (sequer se sonhava com o computador), a televisão era um “brinquedinho” (a partir de 1937) que ninguém levava a sério e o rádio não abria espaço para a cultura.

O curioso é que o tal Grupo Bloomsbury, que durou quatro décadas, não foi, sequer, nenhuma instituição formal, dessas que têm estatuto, diretoria, eleições freqüentes e coisas do gênero. Surgiu quase que espontaneamente, congregando não somente escritores (e nem sequer só artistas), mas pessoas de várias atividades profissionais, como economistas, psiquiatras, jornalistas etc.etc.etc. e vai por aí afora. A idéia surgiu quase que por acaso, quando Thoby Stephens, irmão mais velho de Virgínia, decidiu reunir, todas as quintas-feiras, os amigos na nova casa das irmãs, no número 46 da Gordon Square, no bairro londrino de Bloomsbury. A princípio, o número de participantes era pequeno, mas foi aumentando, aumentando e aumentando, até congregar a nata da intelectualidade inglesa da época.

Nesse círculo informal, além de Virgínia e da irmã Vanessa, incluíam-se escritores como Saxon Sidney-Turner, D. H. Lawrence (célebre pelo seu livro “O amante de Lady Chaterly”, proibido por muitos anos na Inglaterra por ser considerado pornográfico e imoral, o que nunca foi), e Lytton Strachey (que se tornaria um dos maiores biógrafos de Sigmund Freud), entre tantos outros. Essas reuniões semanais eram freqüentadas pelo jornalista Leonard Woolf, que se tornaria marido da nossa personagem. Contavam, ainda, com a presença dos pintores Mark Gertler  Duncan Grant e Roger Fry. Eram freqüentadas, também, pelos críticos literários Clive Bell (que se tornaria cunhado de Virgínia ao se casar com Vanessa) e Desmond McCarthy. Enfim, esse círculo incluía, ainda, o economista John Maynard Keynes e o filósofo e ativista político Bertrand Russell. Isso para citar, apenas, algumas das figuras mais célebres que integravam o grupo.

Vários membros do Cambridge Apostles, por exemplo, participavam dos encontros. A morte prematura do criador desse círculo informal, Thoby Stephens, ocorrida em 20 de novembro de 1906, aos 26 anos de idade, vítima de uma febre tifóide que contraiu numa viagem que fez à Grécia, poderia ter posto fim a esses encontros. Não pôs. Outro evento que poderia dissolver o grupo foi o casamento de Vanessa com Clive Bell, em 7 de fevereiro de 1907. Não dissolveu. Entrava ano, saía ano, e as reuniões das quintas-feiras se mantinham e ganhavam novas adesões. Ampliaram-se. Por questão de espaço físico, ganharam duas bases. Uma era o salão original da casa de Vanessa. Outra, a residência para onde Virgínia e o irmão Adrian se mudaram, após o casamento da irmã, no número 29 da Fitzroy Square, igualmente localizada no bairro Bloomsbury.

Nos primeiros anos dessas reuniões, o grupo era uma espécie de “Clube do Bolinha”, apesar dos seus integrantes apregoarem idéias renovadoras e “modernas”, livres de qualquer espécie de preconceito. As duas únicas mulheres eram as donas das casas onde se davam as conversas, em geral em linguagem crua, não raro chula, em que tudo era abordado, sem que houvesse temas tabus: Virgínia e Vanessa. A então futura escritora era grata pelo que considerava “privilégio”. Sua participação no grupo não se limitava a observar as discussões. Participava, ativamente, delas, expondo idéias, criticando e sendo criticada, mas sendo ouvida e acatada. Entendia que essa participação era essencial para que pudesse se livrar da sua educação sumamente moralista e discriminatória.

Muitos dos participantes eram homossexuais notórios e assumidos, mas ninguém se importava com isso. Não, pelo menos, ali. Mas na sociedade... Era um Deus nos acuda! Era um escândalo só! No verão de 1909, outra mulher viria a se juntar ao grupo. E ela não tinha nada, absolutamente nada de convencional. Pelo contrário, contrariava todos os estereótipos femininos em voga, tanto na aparência, “exótica”, para dizer o mínimo, quanto nas idéias e comportamentos. Refiro-me a Lady Ottoline Morell, aristocrata, riquíssima e que era uma espécie de Mecenas das artes, financiando diversas artistas. Sua casa, em Bedford Square, logo tornou-se a terceira base do Grupo Bloomsbury, em cujas reuniões chegou a contar com a presença do futuro e mítico primeiro-ministro britânico, Winston Churchill.

O que, nesse grupo, chocava tanto a sociedade pós-vitoriana inglesa? Tudo! As roupas, a linguagem, o comportamento, principalmente sexual, e a apologia de alguns de seus membros do sexo livre, hetero ou homossexual. Claro que essa não era a ênfase dos participantes, mas era o aspecto que a imprensa, notadamente a sensacionalista, priorizava e se apegava em suas matérias. O jornalista e historiador Euler França Belém, enfatiza, em seu excelente ensaio “Virgínia Woolf tentou ‘curar’ sua loucura pelo suicídio – publicado na revista eletrônica Bula (WWW.revistabula.com) – a propósito: “Henry James, amigo do pai de Virgínia, não gostou do Grupo de Bloomsbury, que achava de baixo nível. Rebelde, o grupo usava roupas esdrúxulas e falava palavrão. Vanessa, pintora (...) também participava das reuniões e era adepta do ‘sexo livre’. Ela própria era chifrada por Clive Bell e chifrava o marido. Nenhum dos dois, porém, gostava das chifradas. O liberalismo, na prática, é uma piada”. Afinal, salvo exceções, na prática a teoria sempre é outra, não é fato?


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