Grupo informal que fez
história
Pedro
J. Bondaczuk
O Grupo Bloomsbury, do
qual Virgínia Woolf participou desde quando tinha 23 anos de idade, em 1905,
até seu suicídio, em 1941 e que foi uma espécie de co-fundadora, gera polêmicas
até hoje, 69 anos após sua extinção (deixou de existir em 1945). Enquanto
existiu, contudo, fez história, Gera infinitas controvérsias ainda hoje.
Imaginem na época em que estava no auge! Foi um sopro de rebeldia não apenas
contra os cânones artísticos da Inglaterra entre as duas guerras, mas,
sobretudo, da moral, dos costumes e do comportamento social desse país. E olhem
que na ocasião não havia a internet (sequer se sonhava com o computador), a
televisão era um “brinquedinho” (a partir de 1937) que ninguém levava a sério e
o rádio não abria espaço para a cultura.
O curioso é que o tal
Grupo Bloomsbury, que durou quatro décadas, não foi, sequer, nenhuma
instituição formal, dessas que têm estatuto, diretoria, eleições freqüentes e
coisas do gênero. Surgiu quase que espontaneamente, congregando não somente
escritores (e nem sequer só artistas), mas pessoas de várias atividades
profissionais, como economistas, psiquiatras, jornalistas etc.etc.etc. e vai
por aí afora. A idéia surgiu quase que por acaso, quando Thoby Stephens, irmão
mais velho de Virgínia, decidiu reunir, todas as quintas-feiras, os amigos na
nova casa das irmãs, no número 46 da Gordon Square, no bairro londrino de
Bloomsbury. A princípio, o número de participantes era pequeno, mas foi
aumentando, aumentando e aumentando, até congregar a nata da intelectualidade
inglesa da época.
Nesse círculo informal,
além de Virgínia e da irmã Vanessa, incluíam-se escritores como Saxon
Sidney-Turner, D. H. Lawrence (célebre pelo seu livro “O amante de Lady
Chaterly”, proibido por muitos anos na Inglaterra por ser considerado
pornográfico e imoral, o que nunca foi), e Lytton Strachey (que se tornaria um
dos maiores biógrafos de Sigmund Freud), entre tantos outros. Essas reuniões
semanais eram freqüentadas pelo jornalista Leonard Woolf, que se tornaria
marido da nossa personagem. Contavam, ainda, com a presença dos pintores Mark
Gertler Duncan Grant e Roger Fry. Eram
freqüentadas, também, pelos críticos literários Clive Bell (que se tornaria
cunhado de Virgínia ao se casar com Vanessa) e Desmond McCarthy. Enfim, esse
círculo incluía, ainda, o economista John Maynard Keynes e o filósofo e
ativista político Bertrand Russell. Isso para citar, apenas, algumas das
figuras mais célebres que integravam o grupo.
Vários membros do
Cambridge Apostles, por exemplo, participavam dos encontros. A morte prematura
do criador desse círculo informal, Thoby Stephens, ocorrida em 20 de novembro
de 1906, aos 26 anos de idade, vítima de uma febre tifóide que contraiu numa
viagem que fez à Grécia, poderia ter posto fim a esses encontros. Não pôs.
Outro evento que poderia dissolver o grupo foi o casamento de Vanessa com Clive
Bell, em 7 de fevereiro de 1907. Não dissolveu. Entrava ano, saía ano, e as
reuniões das quintas-feiras se mantinham e ganhavam novas adesões.
Ampliaram-se. Por questão de espaço físico, ganharam duas bases. Uma era o
salão original da casa de Vanessa. Outra, a residência para onde Virgínia e o
irmão Adrian se mudaram, após o casamento da irmã, no número 29 da Fitzroy
Square, igualmente localizada no bairro Bloomsbury.
Nos primeiros anos
dessas reuniões, o grupo era uma espécie de “Clube do Bolinha”, apesar dos seus
integrantes apregoarem idéias renovadoras e “modernas”, livres de qualquer
espécie de preconceito. As duas únicas mulheres eram as donas das casas onde se
davam as conversas, em geral em linguagem crua, não raro chula, em que tudo era
abordado, sem que houvesse temas tabus: Virgínia e Vanessa. A então futura
escritora era grata pelo que considerava “privilégio”. Sua participação no
grupo não se limitava a observar as discussões. Participava, ativamente, delas,
expondo idéias, criticando e sendo criticada, mas sendo ouvida e acatada.
Entendia que essa participação era essencial para que pudesse se livrar da sua
educação sumamente moralista e discriminatória.
Muitos dos
participantes eram homossexuais notórios e assumidos, mas ninguém se importava
com isso. Não, pelo menos, ali. Mas na sociedade... Era um Deus nos acuda! Era
um escândalo só! No verão de 1909, outra mulher viria a se juntar ao grupo. E
ela não tinha nada, absolutamente nada de convencional. Pelo contrário,
contrariava todos os estereótipos femininos em voga, tanto na aparência,
“exótica”, para dizer o mínimo, quanto nas idéias e comportamentos. Refiro-me a
Lady Ottoline Morell, aristocrata, riquíssima e que era uma espécie de Mecenas
das artes, financiando diversas artistas. Sua casa, em Bedford Square, logo
tornou-se a terceira base do Grupo Bloomsbury, em cujas reuniões chegou a
contar com a presença do futuro e mítico primeiro-ministro britânico, Winston
Churchill.
O que, nesse grupo,
chocava tanto a sociedade pós-vitoriana inglesa? Tudo! As roupas, a linguagem,
o comportamento, principalmente sexual, e a apologia de alguns de seus membros
do sexo livre, hetero ou homossexual. Claro que essa não era a ênfase dos
participantes, mas era o aspecto que a imprensa, notadamente a sensacionalista,
priorizava e se apegava em suas matérias. O jornalista e historiador Euler
França Belém, enfatiza, em seu excelente ensaio “Virgínia Woolf tentou ‘curar’
sua loucura pelo suicídio – publicado na revista eletrônica Bula (WWW.revistabula.com)
– a propósito: “Henry James, amigo do pai de Virgínia, não gostou do Grupo de
Bloomsbury, que achava de baixo nível. Rebelde, o grupo usava roupas esdrúxulas
e falava palavrão. Vanessa, pintora (...) também participava das reuniões e era
adepta do ‘sexo livre’. Ela própria era chifrada por Clive Bell e chifrava o
marido. Nenhum dos dois, porém, gostava das chifradas. O liberalismo, na
prática, é uma piada”. Afinal, salvo exceções, na prática a teoria sempre é
outra, não é fato?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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