País de poetas
Pedro
J. Bondaczuk
O Brasil é um país de
poetas. Não quero dizer com isso que não tenhamos escritores magistrais em
todos os outros gêneros literários. Temos, e muitos, e geniais, e merecedores
de perpetuidade de suas obras e vidas no âmbito da Literatura mundial. Pena que
sejam pouco conhecidos – salvo uma ou outra exceção – além fronteiras, em
centros culturais de maior tradição (e projeção), notadamente na Europa e nos
Estados Unidos. Tanto que, desde 1901, quando foi instituído, o Prêmio Nobel de
Literatura jamais foi atribuído a algum brasileiro. Considero isso mais do que
injustiça. É, no mínimo, uma baita heresia, mega sacanagem, para não dizer,
contundente falta de conhecimento sobre nossos geniais homens de letra.
Suponho, no entanto,
que se algum dia algum escritor tupiniquim vier a receber esse cada vez mais
midiático reconhecimento internacional, este será um poeta. O País favorece que
eles surjam em profusão. E surgem mesmo, em todas as épocas e em todos os
lugares. Surgem nas mansões e nos barracos das favelas. Surgem nos mangues e
nos igarapés. Surgem nos Pampas e nas estepes. Brotam da terra como plantas. O
próprio Brasil (a despeito de suas carências, problemas e vulnerabilidades) é
um sublime poema, sobretudo por suas belezas naturais. Sua natureza é
exuberante, sublime, deslumbrante, apaixonante!!
A simples relação
somente dos poetas conhecidos ascende a algumas centenas. E muitos dos,
digamos, “obscuros”, são excepcionais e deslumbram, tão logo tomemos
conhecimento de suas obras. Na minha deliciosa faina diária na busca por textos
marcantes, topo, a todo o momento, com poemas de extraordinária beleza e
sabedoria de poetas que sequer sabia que existiam. Se eu tivesse que escolher –
já não digo o “melhor”, mas os dez melhores – brasileiros do gênero, não
conseguiria. Se ampliasse essa relação para 50 nomes, ainda assim permaneceria
em idêntico impasse. O mesmo se daria se a lista fosse ampliada para cem, para
quinhentos, para mil ases da arte de poetar. Vocês acham que estou exagerando?
Não, não estou! Tentem relacionar os poetas que merecem “imortalidade” e logo
notarão que se esqueceram deste, daquele e daquele outro. Ou seja, de dezenas,
de centenas, de milhares de nomes.
A Revista Bula encarou,
recentemente, este desafio. Pediu a 50 convidados, todos “experts” em
Literatura – escritores, críticos literários, jornalistas e professores – que
escolhessem os poemas mais significativos de autores brasileiros em todos os
tempos. Ou seja, foi uma tarefa muito mais complicada ainda do que a de
relacionar somente poetas. O universo de composições com essas características
chega quase a beirar o infinito. A revista impôs regras claras e específicas
aos ilustres e doutos convidados. Ou seja, dificultou ainda mais a tarefa,
embora possa parecer aos desavisados que tenha facilitado.
A proposta da “Bula”
foi a seguinte: “Cada participante poderia indicar entre um e dez poemas.
Nenhum autor poderia ser citado mais de uma vez. Quarenta poemas foram
indicados, mas, destes, apenas 24 tiveram mais de três citações. São eles: ‘A
Máquina do Mundo’, ‘Procura da Poesia’, ‘Áporo’ e ‘Flor e a Náusea’, de Carlos
Drummond de Andrade; ‘O Cão Sem Plumas’, ‘Tecendo a Manhã’ e ‘Uma Faca Só
Lâmina’, de João Cabral de Melo Neto; ‘Invenção de Orfeu’, de Jorge de Lima; ‘O
Inferno de Wall Street’, de Sousândrade; ‘Marília de Dirceu’, de Tomás Antônio
Gonzaga; ‘Cobra Norato’, de Raul Bopp; ‘O Romanceiro da Inconfidência’, de
Cecília Meireles; ‘Vozes d’África’, de Castro Alves; ‘Vou-me Embora pra
Pasárgada’ e ‘O Cacto’, de Manuel Bandeira; ‘Poema Sujo’ e ‘Uma Fotografia
Aérea’, de Ferreira Gullar; ‘Via Láctea’ e ‘De Volta do Baile’, de Olavo Bilac;
‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias; ‘As Cismas do Destino’ e ‘Versos
Íntimos’, de Augusto dos Anjos; ‘As Pombas’, de Raimundo Correia; ‘Soneto da
Fidelidade’ de Vinícius de Moraes”.
A totalidade dos poemas indicados faz jus a
figurar nesse seletíssimo ranking, sem a menor dúvida. O que chama a atenção,
todavia, é a não citação de obras paras lá de marcantes, de Drummond, de
Bandeira, de Cecília Meirelles, de Castro Alves etc.etc.etc. A relação peca não
pelo que incluiu, mas pelo que foi omitido. E, heresia das heresias Mário
Quintana sequer ter sido mencionado Ora, ora, ora....Nem Cruz e Souza. Ora,
ora, ora... Nem Homero Homem. Ora, ora, ora... Nem Paulo Setúbal. Ora, ora,
ora... Nem Paulo Bonfim. Ora, ora, ora. Nem Nélida Piñon. Ora, ora, ora... Nem
Hilda Hilst. Ora, ora, ora... Nem Adélia Prado. Ora, ora, ora... Nem Flora
Figueiredo. Ora, ora, ora... E posso desfiar dezenas, centenas, quiçá milhares
de poetas e poetisas que merecem figurar em toda e qualquer lista dos melhores
e não com uma ou duas composições, mas com dezenas delas, que não foram
relacionados nesse levantamento.
Fique claro que não
estou criticando e muito menos contestando a iniciativa da revista Bula, mas
aplaudindo-a de forma entusiástica e apaixonada. Só faço restrição ao título
dessa “eleição informal”. Falta, nele, uma palavrinha que é imprescindível e
que se for colocada, tornará essa relação útil e, sobretudo, justa, ainda que
incompleta. Em vez de serem os “Dez poemas mais significativos de autores
brasileiros em todos os tempos”, a esse título se deve acrescentar a expressão
“alguns dos...” Querem saber quais são os “top 10” escolhidos pelos ilustres
“jurados”. São os seguintes, sem respeitar nenhuma ordem específica: “A máquina
do mundo” (Carlos Drummond de Andrade), “Vou me embora pra Pasárgada” (Manuel
Bandeira), “Soneto da fidelidade” (Vinícius de Moraes), “Via Láctea” (Olavo
Bilac), “O cão sem plumas” (João Cabral de Melo Neto), “Canção do exílio”
(Gonçalves Dias), “As cismas do destino” (Augusto dos Anjos), “As pombas”
(Raimundo Correia), “Invenção de Orfeu” (Jorge de Lima), e “Poema sujo” (de
Ferreira Gullar, que em 9 de outubro de 2014 foi eleito, com 37 dos 38 votos
dos acadêmicos, para a Academia Brasileira de Letras), cujo poema partilho com
vocês:
Poema Sujo
“turvo
turvo
a
turva
mão
do sopro
contra
o muro
escuro
menos
menos
menos
que escuro
menos
que mole e duro
menos
que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais
que escuro:
claro
como
água? como pluma?
claro
mais que claro claro: coisa alguma
e
tudo
(ou
quase)
um
bicho que o universo fabrica
e
vem sonhando desde as entranhas
azul
era
o gato
azul
era
o galo
azul
o
cavalo
azul
teu
cu
tua
gengiva igual a tua bocetinha
que
parecia sorrir entre as folhas de
banana
entre os cheiros de flor
e
bosta de porco aberta como
uma
boca do corpo
(não
como a tua boca de palavras) como uma
entrada
para
eu
não sabia tu
não
sabias
fazer
girar a vida
com
seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos
em ti
bela
bela
mais
que bela
mas
como era o nome dela?
Não
era Helena nem Vera
nem
Nara nem Gabriela
nem
Tereza nem Maria
Seu
nome seu nome era…
Perdeu-se
na carne fria
perdeu
na confusão de tanta noite e tanto dia”
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