Sunday, October 19, 2014

Eleição na ABL que foi uma barbada!

Pedro J. Bondaczuk

A chegada de Ferreira Gullar à Academia Brasileira de Letras – cuja eleição se deu em 9 de outubro de 2014 – não causou nenhuma surpresa no complexo mundo literário. Ele era, desde o lançamento de sua candidatura, favorito, favoritíssimo à cadeira de número 37 – cujo último ocupante foi o poeta Ivan Junqueira - que disputava. Com todo o respeito aos seus três concorrentes – José William Vavruk, José Roberto Guedes de Oliveira e Ademir Barbosa Junior – eles não tinham a mais remota chance de vencer. Era barbada! E não deu outra. Gullar foi eleito com 36 dos 37 votos válidos. Só não obteve unanimidade porque alguém votou em branco. Foi uma lavada.

Aliás, minto quando afirmo que sua eleição não causou nenhuma surpresa. Surpreendeu, sim, e muitos, que não estão bem informados sobre o que ocorre na casa fundada por Machado de Assis. Vários escritores com os quais comentei essa eleição mostraram-se surpresos, atônitos até, mas porque achavam que Ferreira Gullar já fosse acadêmico há vários anos, pelo menos há algumas décadas. Pois é, não era. Agora é! Creio que ninguém que tenha um mínimo conhecimento de Literatura e tenha lido qualquer coisa desse escritor contesta o merecimento e a justiça da escolha. Ferreira Gullar tem uma obra notável, tanto em quantidade, quanto, e principalmente, em qualidade. E, sobretudo, eclética;

Embora nove em dez leitores tenham-no em mente como poeta, ele escreveu, e publicou, livros em praticamente todos os gêneros. Ademais, é um dos escritores brasileiros mais premiados. Para que vocês tenham uma idéia do seu prestígio no mundo literário, basta dizer que, em 2002, foi indicado, por nove professores de português dos Estados Unidos, do Brasil e de Portugal, para o Prêmio Nobel de Literatura. Não ganhou! Pior para os jurados da Academia Sueca, responsáveis pela escolha do premiado, que passaram a si próprios um atestado de desinformação e de falta de gosto literário. Mas prêmios nunca lhe faltaram, a contar desde um dos primeiros, o do concurso de poesias promovido pelo Jornal das Letras, de 1950, até à maior premiação que há em língua portuguesa, o “Camões”, que ganhou em 2010.

Em 1966, por exemplo, foi reconhecido com vários prêmios de teatro, entre os quais o Moliére e o Saci, pela peça “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Aliás, essa produção dramática é considerada obra-prima teatral, primor da moderna dramaturgia brasileira. Pouca gente se lembra disso. Pudera! Já faz tanto tempo! Além do mais, o brasileiro, não raro, confirma a todo o momento sua fama de povo desmemoriado. Prêmios, todavia, nunca faltaram a Ferreira Gullar. Destaco o “Jabuti” de 2007, de melhor livro de ficção do ano, no caso “Resmungos”, editado pela Imprensa Oficial paulista, reunindo crônicas que ele publicou no jornal “Folha de S. Paulo” em 2005. Mesmo fora da Literatura, teve seus méritos reconhecidos. Tanto que foi considerado, pela revista “Época”, um dos cem brasileiros mais influentes do ano de 2009.

Fiz um levantamento informal de sua bibliografia, que provavelmente está incompleto, e constatei que Ferreira Gullar publicou pelo menos 18 livros de poesia, foi inserido em cinco antologias, editou cinco volumes de contos e crônicas, duas peças de teatro, uma obra de memórias, outra de biografia, além de catorze de ensaios; Isso sem contar a infinidade de textos publicados em jornais e revistas de todo o País. Além disso, colaborou com a Rede Globo em três mini-séries: “Araponga”, em 1990/1991, “Dona Flor e seus dois maridos”, em 1998 e “Irmãos Coragem”, em 1995. Ufa! Mas não terminou. Nosso ilustre personagem, mostrando que é mesmo homem dos “sete instrumentos”,  participou do filme “Os herdeiros”, de Davi Martins.

Como não eleger um sujeito desses, com tamanho currículo, para a Academia Brasileira de Letras?!!! Não havia como! Tenho a intuição que, se Machado de Assis estivesse vivo, votaria nele, sem pestanejar. E Ferreira Gullar só não foi eleito antes porque não quis. Nos últimos vinte anos, vinha resistindo, teimosamente, aos insistentes apelos de amigos e admiradores para que se candidatasse. Agora, porém, aos 84 anos (completados em 10 de setembro de 2014), resolveu ceder e deu no que deu. Só não seria eleito se desse um súbito ataque de burrice nos acadêmicos aptos a votar. Como não ocorreu isso...   foi eleito.


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