Eleição na ABL que foi
uma barbada!
Pedro
J. Bondaczuk
A chegada de Ferreira
Gullar à Academia Brasileira de Letras – cuja eleição se deu em 9 de outubro de
2014 – não causou nenhuma surpresa no complexo mundo literário. Ele era, desde
o lançamento de sua candidatura, favorito, favoritíssimo à cadeira de número 37
– cujo último ocupante foi o poeta Ivan Junqueira - que disputava. Com todo o
respeito aos seus três concorrentes – José William Vavruk, José Roberto Guedes
de Oliveira e Ademir Barbosa Junior – eles não tinham a mais remota chance de
vencer. Era barbada! E não deu outra. Gullar foi eleito com 36 dos 37 votos
válidos. Só não obteve unanimidade porque alguém votou em branco. Foi uma
lavada.
Aliás, minto quando
afirmo que sua eleição não causou nenhuma surpresa. Surpreendeu, sim, e muitos,
que não estão bem informados sobre o que ocorre na casa fundada por Machado de
Assis. Vários escritores com os quais comentei essa eleição mostraram-se
surpresos, atônitos até, mas porque achavam que Ferreira Gullar já fosse
acadêmico há vários anos, pelo menos há algumas décadas. Pois é, não era. Agora
é! Creio que ninguém que tenha um mínimo conhecimento de Literatura e tenha
lido qualquer coisa desse escritor contesta o merecimento e a justiça da
escolha. Ferreira Gullar tem uma obra notável, tanto em quantidade, quanto, e
principalmente, em qualidade. E, sobretudo, eclética;
Embora nove em dez
leitores tenham-no em mente como poeta, ele escreveu, e publicou, livros em
praticamente todos os gêneros. Ademais, é um dos escritores brasileiros mais
premiados. Para que vocês tenham uma idéia do seu prestígio no mundo literário,
basta dizer que, em 2002, foi indicado, por nove professores de português dos
Estados Unidos, do Brasil e de Portugal, para o Prêmio Nobel de Literatura. Não
ganhou! Pior para os jurados da Academia Sueca, responsáveis pela escolha do
premiado, que passaram a si próprios um atestado de desinformação e de falta de
gosto literário. Mas prêmios nunca lhe faltaram, a contar desde um dos
primeiros, o do concurso de poesias promovido pelo Jornal das Letras, de 1950,
até à maior premiação que há em língua portuguesa, o “Camões”, que ganhou em
2010.
Em 1966, por exemplo,
foi reconhecido com vários prêmios de teatro, entre os quais o Moliére e o
Saci, pela peça “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Aliás, essa
produção dramática é considerada obra-prima teatral, primor da moderna dramaturgia
brasileira. Pouca gente se lembra disso. Pudera! Já faz tanto tempo! Além do
mais, o brasileiro, não raro, confirma a todo o momento sua fama de povo
desmemoriado. Prêmios, todavia, nunca faltaram a Ferreira Gullar. Destaco o
“Jabuti” de 2007, de melhor livro de ficção do ano, no caso “Resmungos”,
editado pela Imprensa Oficial paulista, reunindo crônicas que ele publicou no
jornal “Folha de S. Paulo” em 2005. Mesmo fora da Literatura, teve seus méritos
reconhecidos. Tanto que foi considerado, pela revista “Época”, um dos cem
brasileiros mais influentes do ano de 2009.
Fiz um levantamento
informal de sua bibliografia, que provavelmente está incompleto, e constatei
que Ferreira Gullar publicou pelo menos 18 livros de poesia, foi inserido em
cinco antologias, editou cinco volumes de contos e crônicas, duas peças de
teatro, uma obra de memórias, outra de biografia, além de catorze de ensaios;
Isso sem contar a infinidade de textos publicados em jornais e revistas de todo
o País. Além disso, colaborou com a Rede Globo em três mini-séries: “Araponga”,
em 1990/1991, “Dona Flor e seus dois maridos”, em 1998 e “Irmãos Coragem”, em
1995. Ufa! Mas não terminou. Nosso ilustre personagem, mostrando que é mesmo
homem dos “sete instrumentos”,
participou do filme “Os herdeiros”, de Davi Martins.
Como não eleger um
sujeito desses, com tamanho currículo, para a Academia Brasileira de Letras?!!!
Não havia como! Tenho a intuição que, se Machado de Assis estivesse vivo,
votaria nele, sem pestanejar. E Ferreira Gullar só não foi eleito antes porque
não quis. Nos últimos vinte anos, vinha resistindo, teimosamente, aos
insistentes apelos de amigos e admiradores para que se candidatasse. Agora,
porém, aos 84 anos (completados em 10 de setembro de 2014), resolveu ceder e deu
no que deu. Só não seria eleito se desse um súbito ataque de burrice nos
acadêmicos aptos a votar. Como não ocorreu isso... foi eleito.
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