Assédio
sexual
Pedro J.
Bondaczuk
O assédio sexual no trabalho ainda é muito mais
comum do que se pensa, a despeito das muitas ações empreendidas pelos vários
movimentos de defesa dos direitos das mulheres pelo mundo afora, na tentativa
de acabar com esse intolerável abuso.
Trata-se de crime, mas que até há pouco tempo sequer
era levado a sério por nenhuma autoridade, de nenhum país. Os assediadores, via
de regra, quando (ou se) acusados, simplesmente negavam a coação, e isso
bastava.
Alegavam que o seu
comportamento era o normal de qualquer pessoa sadia, no jogo de
conquista e sedução de parceiros do sexo oposto. E "convenciam".
Aliás, casos dessa natureza raramente chegavam sequer às delegacias de polícia,
quanto mais aos tribunais. E quando chegavam, eram tratados em tom até de
galhofa. Raramente seguiam seu curso.
Muitas mulheres vêm, há tempos, passando por esse
intolerável tipo de constrangimento, na maioria das vezes sem que tenham a
coragem de reagir. Trabalhadoras honestas e aplicadas têm sido freqüentemente
"forçadas" a ceder aos apelos eróticos de chefes, de gerentes e de
patrões, para conservar os empregos ou, simplesmente, para aspirar a promoções
futuras a que façam jus por sua responsabilidade, produtividade, e assiduidade.
O sexo, nesses casos, tem sido usado como objeto de barganha e, pior, de
coação, quando o critério único que deveria ser adotado, para progredir dentro
de uma empresa, é o da competência.
Algumas vítimas de assédio "entregam os
pontos". Simplesmente cedem às exigências dos superiores, por ignorância
da lei e por não vislumbrarem nenhuma outra alternativa. Seus casos terminam
por aí e caem logo no esquecimento. A maioria desses episódios sequer chega ao
conhecimento público e não aparece em nenhuma estatística. É prontamente
abafada e esquecida.
Há mulheres que resistem, que tentam lutar com seus
próprios recursos, mas sem procurar as autoridades para formalizar denúncias.
Agem dessa maneira por constrangimento, por temor de escândalo, por
desconhecimento da lei ou somente por vergonha. E acabam perdendo.
Aceitam, passivamente, as injustas demissões com as
quais são "punidas", por não terem cedido às pressões e às investidas
de seus superiores hierárquicos. Ou, na melhor das hipóteses, contentam-se com
um rebaixamento de cargo, desde que transferidas das seções, ou das
repartições, ou dos locais em que os assediadores trabalham, para se verem
livres do assédio.
Aumenta, todavia, o número daquelas que decidem
lutar até o fim por seus direitos e sua dignidade e que recorrem à Justiça, exigindo exemplar punição
dos infratores, quando não milionárias indenizações. E vêm tendo sucesso em seu
intento. Recorrem à imprensa, quando necessário, arrolam testemunhas, apelam a
todas as instâncias possíveis e conquistam o imprescindível apoio da opinião
pública.
Insistentes campanhas nos veículos de comunicação e
o aumento das denúncias de assédio sexual têm levado as autoridades
judiciárias, em vários países, a agirem com maior rigor, pondo fim, ou pelo
menos reduzindo a quantidade de casos desse comportamento covarde e traiçoeiro.
E, obviamente, criminoso.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o assunto ganhou
relevância e visibilidade a partir de 1991, com as corajosas acusações públicas
feitas pela secretária Anita Hill, contra o juiz da Suprema Corte
norte-americana Clarence Thomas. A atenção despertada por esse conflito levou
mais e mais mulheres a criarem coragem e relatar casos passados e presentes, de
que têm sido vítimas passivas. Demonstraram não somente maior resolução para falar,
como também conquistaram um meio mais favorável para relatar suas denúncias.
Houve, nesse país, até um certo exagero nessa
questão. "Cantadas" normais,
que não envolviam qualquer espécie de coação, ou de ameaça, ou de chantagem,
nem mesmo velada, que poderiam ser respondidas com um simples "não",
passaram a ser encaradas como "crime". Foram caracterizadas,
indevidamente, como assédio sexual, principalmente por aquelas que se sentiam
ofendidas e injuriadas, e nunca envaidecidas, pela mera corte inocente de
colegas de trabalho apaixonados (ou pelo menos interessados nelas).
Chegou-se ao cúmulo de, em 1998, um garotinho de
seis anos ser expulso de uma escola primária, somente porque beijou uma
coleguinha da mesma idade, que não gostou do beijo. Os pais reclamaram e o
menininho foi punido exemplarmente, como "assediador sexual!"
Esse tipo de coação, muito antigo e bastante
disseminado por todo o mundo, ocorre ainda com constrangedora freqüência em
todos os lugares em que pessoas de sexo oposto compartilham do trabalho, sejam
fábricas, escritórios, repartições públicas ou residências (no caso das
domésticas), etc.
Estudo da Organização Internacional do Trabalho,
envolvendo 23 países industrializados, revela, por exemplo, que de 15% a 30%
das mulheres pesquisadas já foram assediadas sexualmente.
Uma, em cada doze delas, teve de abandonar seu
emprego para fugir desse assédio. A pesquisa não mostra, no entanto, quantos
dos infratores foram punidos e com quais punições. Pouquíssimos, provavelmente.
Cerca de 1.400 domésticas filipinas fugiram de seus
patrões kuwaitianos, em 1991, e procuraram refúgio na embaixada do seu país,
alegando terem sido abusadas. Não se tomou, no entanto, nenhuma providência a
respeito, e o episódio acabou sendo "convenientemente" abafado, a bem
da diplomacia. As moças foram recambiadas para o seu país de origem e não se
falou mais nisso. Caso parecido foi relatado na Jordânia, com o mesmo tipo de
providência. Ou seja, nenhuma.
Assédio sexual, envolvendo pessoas humildes, sem
recursos para a contratação de bons advogados que movam processo contra os que
se valem desse tipo de coação, ocorrem por toda a parte, embora não haja
estatísticas confiáveis a respeito. Raras vítimas trazem seus casos à baila, na
maioria das vezes para evitar escândalos ou para preservar o emprego.
Um estudo sobre domésticas estrangeiras, que
trabalhavam na Grã-Bretanha, por exemplo, relata sobre trabalhadoras que
deixaram as residências em que trabalhavam, por falta de pagamento. O relatório
ressalta que elas não receberam os salários somente "por haverem repelido
tentativas de assédio sexual dos patrões".
Mais de 65% delas tiveram os respectivos passaportes
confiscados, ficando impedidas, dessa forma, de retornar aos seus países de
origem. E mais de 30% denunciaram que, mesmo repelindo as propostas dos
assediadores, acabaram sofrendo abusos sexuais, como estupros e carícias
íntimas não consentidas. Não se sabe, todavia, de nenhum desses infratores que
tivesse sido punido.
Casos como este, em geral envolvendo mulheres
procedentes do Leste europeu e de países do Terceiro Mundo (inclusive do
Brasil), são extremamente comuns em toda a Europa Ocidental, Estados Unidos e
Japão. Sequer aparecem nas estatísticas, já que nem mesmo chegam ao
conhecimento das autoridades. Muitas dessas domésticas estão em situação
irregular, são clandestinas, o que as deixa muito mais expostas ainda a todo o
tipo de chantagem. Inclusive a sexual.
No Brasil, o Projeto de Lei 61/99, aprovado pelo
Congresso Nacional, capitula o assédio sexual como crime. Seu teor é o
seguinte:
"Dispõe sobre o crime de assédio sexual e dá
outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º - O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 216A:
"ASSÉDIO
SEXUAL":
Art. 216A -
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função.
Pena: detenção, de
um ano a dois anos.
Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem cometer o crime:
I -
prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade;
II - com abuso
ou violação de dever inerente a ofício ou ministério".
Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
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