Europeus temem retaliações
Pedro J.
Bondaczuk
O Irã parece, mesmo, ter uma influência fundamental na
carreira política do presidente norte-americano Ronald Reagan e,
principalmente, na imagem que ele vai deixar para a posteridade de suas duas
gestões consecutivas na Casa Branca.
Em 1980, foi graças a esse país
(e à sua Revolução Islâmica) que ele conseguiu derrotar Jimmy Carter, por uma
diferença avassaladora de votos. Soube explorar, e muito bem, do ponto de vista
político, a ocupação da embaixada dos Estados Unidos em Teerã e,
principalmente, os inúmeros erros do seu antecessor democrata na gestão daquela
crise. Depois, foi só colher os frutos.
Como por uma enorme ironia, ou
uma imensa peça pregada pelos aiatolás, os reféns norte-americanos apenas ganharam
a sua liberdade (após 444 dias de cativeiro) quando o ex-governador da
Califórnia, escorado num prestígio quase sem precedentes junto ao eleitorado,
tomou posse, em 20 de janeiro de 1981. Foi um revés muito duro para Carter.
Ao longo de todo o primeiro
mandato de Reagan, os Estados Unidos deixaram o Irã em paz. É verdade que
conservaram um embargo (de armas e econômico) a esse país e mantiveram o
congelamento dos seus bens, na certeza de que isso e mais o rancor árabe contra
os persas seriam suficientes para derrubar a teocracia iraniana. E quase foram
mesmo.
A República Islâmica passou por
maus bocados, por alguns anos de intensos apuros, com um terço de seu
território ocupado pelo inimigo, com suas Forças Armadas desmanteladas e com a
oposição interna agindo com dureza, cometendo atentados sucessivos e
sangrentos, que tingiram a cúpula do governo, matando vários líderes mais
chegados a Khomeini desde a primeira hora do novo regime.
Mas os analistas ocidentais se
enganaram no tocante à soma de apoio que o velho aiatolá contava no país.
Subestimaram o seu carisma e aquilo que ele representa para a população
iraniana mais humilde, que sempre viu nele uma espécie de mensageiro de Alá.
De derrotados previamente nos
prognósticos (as guerras só se vencem nos campos de batalha) os persas
mostraram uma notável reação no plano bélico. Não só recuperaram uma parcela
enorme de seu território, como reverteram o quadro da guerra, passando de
invadidos a invasores.
A ligação de Reagan com esse país
voltaria a ser conhecida apenas em 1986, quando, na verdade, secretamente, um
ano antes, o seu governo já estava rearmando o Irã, com o qual os Estados
Unidos sequer têm relações diplomáticas.
Os motivos desse rearmamento (os
reais e não os oficiosos) dificilmente serão do conhecimento da opinião
pública. Será mais um dos tantos mistérios para os historiadores do futuro
desvendar. O fato é que o mesmo Irã, que serviu aos propósitos de Reagan
durante a campanha presidencial de 1980, para que ele derrotasse Carter, pode
ser agora a causa do sepultamento de suas pretensões de passar para a
posteridade como estadista, e não como mero administrador. Pode custar-lhe,
até, (no que não acreditamos, mas que não deixa de ser uma possibilidade, posto
que remota) uma vexatória cassação.
Agora, a Casa Branca quer
consertar as bobagens cometidas com uma outra: uma intervenção militar no Golfo
Pérsico, sem essa ou mais aquela, a pretexto de proteger a navegação na região.
Pretende, como se vê, colocar a tranca na porta depois desta haver sido solenemente
arrombada. Quer dar segurança a uma área onde, em apenas três anos, 240 navios
(de todos os tipos e tonelagens) foram alvos de bombas iranianas e/ou
iraquianas.
O interessante é que o presidente
norte-americano resolveu agir assim somente depois de ter uma embarcação do seu
país atacada. Mas, para tornar a coisa ainda mais surrealista, pretende
retaliar não contra quem fez esse ataque, o Iraque, mas contra quem até não faz
muito seu próprio governo armou: o Irã. E, para isso, pressiona os europeus
para que o acompanhem nessa aventura.
É evidente que a Europa não vai
cair nessa. E nem poderia. O continente conta com três potências navais:
Itália, Grã-Bretanha e França. As duas primeiras estão às voltas com eleições e
a França as terá no ano que vem. Não iriam, portanto, arriscar tudo ou nada
nessa roleta iraniana. Vai daí...
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 9
de junho de 1987).
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