Sombras na América Latina
Pedro J. Bondaczuk
O assunto referente à miséria no Terceiro Mundo,
embora sempre desagradável (devemos admitir), precisa ser trazido à baila toda
a vez que se possa, para que se cobre uma solução de quem de direito para a questão.
O problema, como se verifica facilmente, não está restrito à falta mundial de
recursos, mas se prende ao egoísmo, à falta de solidariedade, à ausência de um
sentido social de vasta parcela da humanidade. E isto é ruim. Mostra que a
passagem dos séculos imprimiu somente um ligeiro verniz civilizatório no homem.
Em sua essência, ele continua mais fera do que nunca, apegado a coisas sem
importância, como a procura do consumismo desregrado, um poder escorregadio e
uma prosperidade ilusória, em detrimento de valores mais elevados e
permanentes.
Mal são resolvidos alguns conflitos insensatos, em
que seres humanos são manipulados à sua revelia, para satisfazer ambições
hegemônicas de maníacos mergulhados em sua cega paranóia, como guerras
localizadas e revoluções messiânicas, outros são fomentados ou ao menos
esboçados. Bilhões e mais bilhões de dólares continuam a ser despejados nesse
"saco sem fundo" que é o comércio e a produção de armas. Os
poderosos, como se observa, não estão preocupados em salvar vidas, mas em
suprimi-las. Mesmo que aqueles que se vêem condenados sejam inocentes crianças.
Embora o que se esteja sacrificando seja o tão propalado "futuro".
Para nós, da América Latina, embora o assunto
incomode de fato, é mais oportuno do que nunca mencionar e comentar o alerta
feito ontem, na Cidade do México, pelo consultor do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), Francisco Rojas, de que se algo não for feito, cem
milhões de crianças em todo o mundo estarão condenadas à morte, a maioria por desnutrição,
nos próximos dez anos. E por que nós? Porque parcela considerável desse
contingente "sem esperanças" é da nossa região, uma das que mais
andaram para trás no correr da década passada.
Pouca, pouquíssima coisa se fez para deter essa
degradação. Enquanto discutimos "o sexo dos anjos", enquanto nos
perdemos em lengas-lengas políticas inúteis, meras fofocas de comadres, a morte
segue ceifando o nosso futuro. As populações latino-americanas aumentam o seu
estado de miserabilidade, sob as vistas complacentes de toda a comunidade
internacional, que nada, ou pouquíssimo faz para impedir essa tragédia. E não é
por desconhecimento. Relatórios sobre o problema são divulgados quase que
diariamente. Na maior parte das vezes, no entanto, passam despercebidos.
Afinal, é a famosa história da pimenta, que nos olhos dos outros, não arde nem
um pouquinho. Ou será que arde, pelo menos neste caso?
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 28 de março de 1990)
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