Discriminação
social
Pedro J.
Bondaczuk
Uma das formas mais cruéis, e no entanto mais
comuns, de violação dos direitos humanos das mulheres, é a discriminação social
a que elas ainda são submetidas pelo mundo afora. Esse tipo de
"agressão", fruto exclusivo do "machismo" e de arraigado
preconceito, é extremamente perverso, pois além de comprometer o presente,
arruina o futuro de quem é sua vítima, mantendo-a sob perpétua sujeição por
toda a vida.
São raríssimas as pessoas que conseguem escapar
dessa poderosa armadilha, principalmente se tiveram a infelicidade de nascer em
países atrasados e carentes, mergulhados na miséria e na ignorância. Relatório
recente, divulgado pelo Banco Mundial, revela que dos mais pobres do mundo, 70%
ainda são mulheres! E a situação não dá mostras de reversão, pelo contrário.
Nos últimos 20 anos, o número de pessoas do sexo
feminino, vivendo em extrema pobreza, cresceu 50%, em todo o Planeta, enquanto
a taxa para os homens foi de 30%. Como se vê, o abismo alarga-se cada vez mais,
a despeito de todos os esforços para a redução das desigualdades econômicas, sociais
e culturais entre os sexos.
É certo que da segunda metade do século XX em
diante, as mulheres obtiveram miraculosas conquistas, sequer sonhadas apenas
cem anos atrás por suas passivas e obedientes avós. Passaram a freqüentar
maciçamente as escolas, ascenderam às universidades, tomaram de assalto os
laboratórios de pesquisa, as redações de jornais, os meios de comunicação em
geral, onde, em muitos países (inclusive no Brasil), já chegam a se constituir
em maioria.
Hoje são médicas, astronautas e engenheiras.
Comandam navios, pilotam aviões e fazem coisas inacreditáveis. São atletas bem
sucedidas, que nada ficam a dever aos homens. Tratam-se de vitórias nada desprezíveis, convenhamos. Mas
ainda se constituem em gotas d'água, em um oceano de desigualdades.
As mulheres conquistaram, desde o início do século
passado, o direito de votar e de serem votadas. E foram à luta, ganhando espaço
crescente no mercado de trabalho. Hoje, principalmente nos países de maior
desenvolvimento econômico e social, ocupam, cada vez mais, posições de destaque
e de poder, como empresárias, profissionais liberais, políticas, etc. Mas ainda
estão anos-luz de distância da sonhada igualdade de direitos e de
oportunidades.
Na I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada
na Cidade do México, em 1975, a maioria dos delegados oficiais, presentes ao
encontro, era constituída (estranhamente) de homens. Vinte anos depois, em
Pequim, isso mudou radicalmente. E nada mais lógico e coerente do que essa
mudança. Foi, sem dúvida, outro imenso avanço, num prazo relativamente curto de
tempo. Afinal, ninguém conhece melhor os problemas que afetam as mulheres do
que elas próprias.
Mas ainda há muito, muitíssimo a ser feito, na busca
da igualdade de direitos e de deveres. Serão necessárias, pelo menos, de duas a
três gerações (isso caso não ocorram retrocessos, o que não é de se duvidar),
para essa realidade, finalmente, se impor e se consolidar.
As mulheres conquistaram o direito de voto, nos
Estados Unidos, em 26 de agosto de 1920. Em outros países, da Europa e da
América Latina, isso demorou um pouco mais. Já está muito distante o tempo em
que as chamadas "sufraguetes" desafiavam pais, irmãos, maridos e
principalmente a polícia, para reivindicar, nas ruas, a possibilidade de eleger
seus governantes, ridicularizadas pela imprensa, reprimidas pelas autoridades e
censuradas pelas chamadas "pessoas de bem".
Todavia raras, raríssimas ainda são aquelas que hoje
conseguem chegar ao poder, através das urnas, embora em quase todo o mundo o
número de eleitoras seja, invariavelmente, maior do que o de eleitores.
Os norte-americanos jamais elegeram uma mulher para
a presidência. O mesmo ocorre no Brasil, na Argentina, no Uruguai, no Chile,
etc., etc., etc. Mesmo o número de governadoras, prefeitas, deputadas,
senadoras ou vereadoras é muitíssimo aquém do imenso potencial de voto
feminino. Nas Cortes Supremas, então, nem se fala. São absolutas exceções à
regra.
Um informe do Unicef concluiu, recentemente, que as
mulheres vão precisar de mais 160 anos (no mínimo) para conseguir igualdade
política com os homens, nos Parlamentos dos vários países democráticos. Talvez
precisem até de muito mais tempo.
Alguns dados esparsos tendem a ilustrar melhor as
dimensões dessa imensa discriminação social a que elas ainda estão expostas.
Não se ignora, é óbvio, que aqui, ali e acolá haja progressos, que devem ser,
justamente, comemorados. Mas tudo o que já se fez até hoje é ínfimo diante do
que resta a ser feito.
Por exemplo, na Índia, que teve em Indira Gandhi uma
de suas figuras históricas de proa (morreu assassinada por seus guarda-costas
da seita "sikh", em 31 de outubro de 1984), quarenta por cento das
mulheres (algo em torno de 400 milhões de pessoas!) ainda são analfabetas. Em
conseqüência, sessenta milhões delas vivem abaixo da linha da pobreza.
A menos que se empreenda um espetacular e inédito
programa de alfabetização em massa, esse enorme contingente (que equivale a
mais de três vezes a população total do Brasil), está condenado a jamais sair
dessa condição humilhante, de miséria e de ignorância. E não se trata de caso
único no mundo.
A proporção de escolarização, em âmbito mundial,
evoluiu muito, nos últimos quarenta anos, o que dá uma certa esperança, num
futuro não muito distante. Hoje, é de 85 meninas para 100 meninos. Em 1960, era
de 65 para 100. Contudo, de um bilhão de pessoas no Planeta, vivendo na pobreza
absoluta, 700 milhões são mulheres! E dois em cada três indivíduos analfabetos
no mundo são do sexo feminino!
Do livro “Guerra dos Sexos”, Pedro
J. Bondaczuk, 1999, Inédito.
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