Tese peruana ganha corpo nos
EUA
Pedro J. Bondaczuk
A
tese expressa pelo presidente peruano, Alan Garcia Perez, a propósito do
pagamento do serviço da dívida externa dos países do Terceiro Mundo,
manifestada em julho do ano passado, quando da sua posse na presidência, começa
a ganhar corpo em áreas antes insuspeitadas. Na ocasião em que o jovem
governante afirmou que o seu país pagaria juros somente até o montante de 10%
das exportações do Peru, muita gente torceu o nariz. Alguns disseram que no
correr do seu mandato ele perderia parte da sua "valentia" e que se
submeteria docilmente ao sistema vigente.
Citaram,
para reforçar essa previsão, o caso de Raul Alfonsin, na Argentina, que durante
a campanha presidencial disse cobras e lagartos do Fundo Monetário
Internacional, mas que, depois de pouco tempo, renegociou o débito externo do
seu país, exatamente pelo figurino que disse que não adotaria. Outros, ainda,
foram a extremos maiores, tachando o jovem presidente peruano de radical,
alienado e outros termos.
Agora,
a sua idéia começa a ganhar corpo e no lugar mais insuspeitado do mundo: o
Congresso dos Estados Unidos. Um comitê do Legislativo norte-americano, num
estudo lúcido e objetivo do endividamento do Terceiro Mundo, apontou as
distorções existentes nessa questão, muitas já comentadas por nós em diversos
artigos, sugerindo alternativas.
Uma
delas é justamente aquela, tão ridicularizada por muitos críticos, "mais
realistas do que o rei", feita em julho do ano passado por Alan Garcia. A
diferença entre uma e outra proposta está nos porcentuais. O presidente peruano
(que aliás não propôs, mas avisou que iria fazer) disse que pagaria juros
somente até o montante de 10% das exportações do seu país. O comitê do
Congresso norte-americano sugere que essa taxa seja de 25%. No mais, é tudo
igual.
É
evidente que os parlamentares dos Estados Unidos estão preocupados com essa
questão exclusivamente por um motivo interno. Afinal, neste ano ocorrem
eleições para a renovação das duas casas legislativas norte-americanas. E esses
políticos, experimentados como são, pesam suas possibilidades e procuram
defender teses que beneficiem categorias que estejam sendo prejudicadas pelo
atual sistema.
O
leitor pode estar perguntando qual a relação entre a dívida externa do Terceiro
Mundo e o cidadão médio, aquele que compõe a chamada "maioria
silenciosa" do país. Acontece que as taxas de juros, cobradas dos
endividados subdesenvolvidos, são exatamente as mesmas que se cobram dos
agricultores e operários dos Estados Unidos em operações de financiamentos e de
empréstimos.
Outro
ponto a destacar é que o dinheiro emprestado pelos bancos comerciais não lhes
pertence, mas é também originado de empréstimos. Ou provém de poupadores,
geralmente da classe trabalhadora, ou são petrodólares investidos pelos árabes.
E a diferença entre o juro que eles pagaram e os que cobram dos devedores é
muito elástica, engordando somente os seus próprios lucros.
Se
os endividados, asfixiados por essa ganância, não tiverem condições de saldar
seus compromissos, dá para o leitor imaginar o corre-corre que pode acontecer.
E não é nenhuma tarefa de gênio identificar quem será o principal perdedor.
O
que é bom, nisso tudo, é que finalmente se consegue ouvir alguma voz de
racionalidade em meio a uma situação extremamente perigosa e que vem sendo
subestimada pelos meios políticos, financeiros e pelos centros de decisão. Nos
Estados Unidos, o Congresso reflete muito bem o que pensa a sociedade. Muito
mais do que aqui. E se parlamentares estão chegando a essa conclusão, é porque
a população norte-americana está entendendo a gravidade do risco a que toda a
economia mundial está exposta com a manutenção do "status quo".
Em
termos práticos, esse estudo não representa coisa alguma. Mas só o fato de ter
sido elaborado e, mais, de ter chegado às conclusões que chegou, significa que
ao menos já está dando para se ver (embora com extrema palidez) uma diminuta
"luz no final do túnel". A agonia do Terceiro Mundo, quem sabe, pode
estar chegando ao fim.
(Artigo
publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 10 de maio de
1986)
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