Nunca entendi...
Pedro
J. Bondaczuk
Dia desses postei, em
minha página no Facebook, a seguinte reflexão, extraída de uma de minhas
crônicas redigida, se não me falha a memória, em 2010: “Desde criança (e já me
encaminho celeremente para sete décadas e dois anos de vida), nunca consegui
entender o obsessivo apego das pessoas por isso que rotulam de ‘riquezas’”.
Jamais, nenhum anjo, ou qualquer outro ser superior que eventualmente exista,
apareceu-me em sonhos, ou durante a vigília, para me exibir algum documento de
partilha do Planeta, em que sejam outorgadas extensas áreas de terra a determinadas
pessoas e sua descendência, em detrimento da maioria. Os bens da Terra, todos
eles, houvesse um mínimo de lógica no comportamento humano que justificasse sua
classificação como ‘animal racional’, deveriam ser patrimônios comuns.
Pertenceriam a todos os homens, indiscriminadamente. Claro que não são. Jamais
serão! E quem defende essa tese, a lógica das lógicas, recebe inúmeros rótulos
e epítetos, todos, claro, pejorativos. É estereotipado, considerado
‘comunista’, perseguido, encarcerado, não raro torturado e morto ou tido e
havido como ‘alienado’, ou louco (que é praticamente a mesma coisa) e segregado
do convívio geral. É uma inversão brutal e catastrófica de valores. Ou seja, o
são é tido por demente e vice-versa”.
Detesto escrever sobre
este assunto. E não se trata de temor de represália dos poderosos (até porque
sou pequeno demais para que eles se importem comigo), ou de ser ridicularizado.
A razão desse incômodo é que me sinto envergonhado de fazer parte de uma
espécie tão cruel e predatória, como a do chamado Homo Sapiens (que Edgar Morin
caracterizou muito bem ao denominá-lo de “Homo Demens”). Não que me considere
melhor do que quem quer que seja. Não sou. É possível, até, que seja, em muitos
aspectos, pior. Apenas não entendo essa obsessão por juntar o “mais do que
suficiente” para uma vida segura e confortável, em detrimento de bilhões (não,
não me enganei, são bilhões mesmo os que vegetam no limiar da miséria, sem a
mais remota esperança de ascensão). Essa minha vergonha não se trata de inveja
da riqueza alheia. Embora não possa ser classificado como “rico” (que não sou),
tenho pelo menos o suficiente para viver com relativo conforto e dignidade.
Já me disseram, um dia, que “se me preocupo
tanto com a concentração de riquezas em tão poucas mãos, por que não distribuo
o que tenho com quem não tem?”. Bem, em primeiro lugar, minhas posses não são
superiores às minhas necessidades. Mal e mal “empatam” com elas. Em segundo
afirmo que farei isso, mas apenas se “todos” (principalmente os que têm em
excesso) também fizerem. Mas... ainda assim, não tenho excedentes a distribuir.
O que mais me choca e intriga é o fato de serem exatamente as pessoas mais
prejudicadas com a péssima distribuição
de renda (e aqui me refiro à riqueza mundial e não a de um país específico) as
que mais defendem o “status quo”, não raro recorrendo até mesmo a extrema
violência para defendê-lo. Aliás, são as mesmas que sustentam ditadores e
ditaduras, tiranos e tiranias, vilões e vilanias, permitindo que se perpetuem
no poder.
O que defendo é
sumamente utópico e irrealizável. Essa impossibilidade, porém, não se deve a
nenhuma suposta barreira lógica. Vai além dela. Prende-se à natureza humana.
Não defendo nenhuma “revolução” – que ao fim e ao cabo, invariavelmente acaba
se corrompendo e repondo as coisas da mesma forma que eram antes que ela fosse
feita, quando não as piorando – e muito menos o confisco de bens e riquezas dos
que os têm. É aí que consiste a impossibilidade da solução com que sonho.
Defendo que os que possuem muito além do razoável caiam em si, se convençam,
espontaneamente, de que esse excesso não lhes trará tanta vantagem quanto acham
– apenas contribuirá para que o mundo permaneça tenso, violento e atrasado –,
que não lhes “comprará” a imortalidade, pois certamente irão morrer, como
todos, algum dia, e que dividam com os que nada têm esse indecente excedente.
Afinal, defendo a democracia (porém não seu arremedo) às últimas conseqüências.
Não sou cientista
político e nem economista, embora tenha noções pelo menos primárias dessas
disciplinas. Sou simples escritor, e dos menores e mais inexpressivos. E
incorrigível sonhador. Ademais recebi educação rigorosamente cartesiana e, por
isso, raciocino com estrita lógica. E essa não está presente, óbvio, na absurda
concentração de renda, que aumenta mais e mais, da atualidade. Claro que esse
súbito lampejo de racionalidade, e envolvendo tanta gente, jamais irá
acontecer!!!! Contraria a natureza humana, caracterizada pelo egoísmo e pela
adoração fanática do próprio umbigo. Pelo contrário, a tendência é que ocorra
concentração de renda mundial cada vez maior, com a conseqüente ampliação do
universo dos necessitados, despossuídos, pobres, miseráveis e/ou indigentes.
Para quem acha que
estou exagerando, trago à baila uma notícia que circulou, na semana passada, em
diversos portais noticiosos da internet e que poucas pessoas deram a devida
atenção. Refiro-me a um levantamento, datado de 2013, intitulado “Relatório da
riqueza global”, feito pelo banco “Credit Suisse” que concluiu que menos de 1%
da população mundial detém 41% de todos os bens, fungíveis e infungíveis, do
Planeta. Exagerei no que escrevi? Ora, ora, ora... O estudo envolveu somente
adultos, já que crianças, na prática, enquanto não chegam à maioridade, não são
proprietárias legais de nada. Seus tutores é que são.
O universo pesquisado,
portanto, foi de 3,2 bilhões de pessoas. Destas, 32 milhões são milionárias.
Parece muito aos desavisados, não é mesmo? Parece... Mas não é. Representa,
simplesmente, 1% da população adulta mundial. Se você acha isso certo (posição
que, embora não concorde com ela, a respeito), é muito mais utopista do que eu.
Se acha que o mundo vai melhorar com tamanha concentração de riquezas em tão
poucas mãos e entende que pode, um dia, alcançar essa condição (com a qual,
provavelmente, sonha), continue sonhando. Mas não reclame da violência, da
corrupção, das epidemias, das guerras, das arbitrariedades e injustiças e de
tudo o que ameaça a atual civilização (civilização?) e, principalmente, a sobrevivência
da espécie humana.
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