Como construir a liberdade
Pedro J.
Bondaczuk
A palavra que João Paulo II mais ouviu, ontem, no Chile,
depois de “liberdade”, certamente foi “tirano”, em alusão ao presidente desse
país, Augusto Pinochet, pronunciada em coro, nas várias partes por onde ele
passou, pelas mais variadas e heterogêneas concentrações humanas, num desabafo
coletivo.
Houve momentos em que, quando se
reunia com cerca de 800 mil pessoas (a maioria faveladas) no parque “A
Bandeira”, na Zona Sul de Santiago, certamente ele chegou a temer pelo pior.
Manifestantes exaltados, não contentes em mostrar suas faixas e cartazes,
rústicos, crus, com a linguagem áspera de uma realidade amarga, passaram a
agredir a polícia com pedras, garrafas e outros objetos, como que numa fúria
que parecia incontrolável.
Liberdade, para não se tornar
somente uma palavra, mas um conceito vivo e duradouro, é algo que não se
conquista com a violência. Que não se exerce suprimindo ou ofendendo direitos
alheios. Que não resplandece senão num clima de justiça e de respeito a normas
consentidas por todos.
Muitos já morreram, cegamente,
por ela, nos cerca de 100 séculos de civilização. E foram sepultados sem que
soubessem que a bandeira que empunhavam e pela qual ofereceram o bem mais
precioso que possuíam, era uma farsa. Defenderam e deram seu sangue por tiranos
mesquinhos e rancorosos, que desprezaram olimpicamente o seu sacrifício.
O conceito de liberdade, como o
de democracia, precisa ser definido com bastante clareza, pois está sujeito a
distorções e manipulações as mais vis que se possam conceber. Para os povos do
Leste europeu, por exemplo, os regimes policialescos que os subjugam, ensinam
que esses Estados em que vivem é que são “democráticos”. Que eles são “livres”
à medida em que servem a uma entidade abstrata, mero conceito, composta por sua
vez por homens, contraditórios e corruptos como todos somos em certa medida, se
transformando em meras engrenagens de máquina diabólica que os tritura, abrindo
mão da principal característica desse ser inteligente, classificado na escala
animal como “Homo Sapiens”, que é o seu livre arbítrio.
Os ditadores, por seu turno, têm
os seus próprios enfoques de liberdade. Para Pinochet, por exemplo, ela não
falta aos chilenos, quando todos sabem que a coisa não é bem assim. Que toda
vez que algum semelhante é preso, torturado e assassinado por causa daquilo que
pensa, todos nós o somos um pouco. E ele também se prejudica com isso.
Não é necessário ser nenhum
filósofo e nem cientista político para concluir que ser livre não é agir dessa
maneira. Que o sistema de governo chileno não é sequer um grotesco arremedo de
um Estado de Direito, este sim, quando autêntico, e quando suas engrenagens funcionam para
“servir” o homem, não para ser “servido” por ele, cria condições para o estabelecimento
de autêntica “liberdade”.
Poucas vezes João Paulo II,
acostumado com a visão da miséria, do desespero e da injustiça social, sentiu
tamanha angústia numa multidão, como certamente teve a oportunidade de
experimentar, ontem, no Chile. Mas agiu com extrema sensatez ao aconselhar os
desesperados.
Não pregou, como muitos fariam, a
sublevação, a explosão do ódio, o desabafo violento à opressão. Recomendou
prudência e negociação. Passou, sutilmente, a mensagem que a liberdade se
constrói com a participação de todos, inclusive dos tiranos.
Rancores e ressentimentos geram
atos cegos e irracionais. Estes, por sua vez, levam as pessoas a praticar
justiça com as próprias mãos, que nada mais é do que a vingança, a antiga
“dívida de sangue”. E ela é exatamente o extremo oposto do Direito, sem o qual
nenhuma sociedade pode prosperar e sobreviver.
“Colaborem na construção de um
mundo mais justo e fraterno, baseado na verdade, sustentado e preenchido na
caridade e., finalmente, sob os auspícios da liberdade”. Este é o único caminho
– que não é nada fácil, por sinal – para se acabar de vez com as tiranias. Caso
contrário, só haverá a substituição de uma opressão por outra, apenas com um
“rótulo” diferente e nada mais.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 3
de abril de 1987).
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