Saturday, October 25, 2014

Incompreensível reconciliação


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, usou, desde o início, quando marcou o compromisso em sua agenda de visitas à Europa, o pretexto de “reconciliação” com a Alemanha para justificar a controvertida cerimônia em que participará, hoje, durante dez minutos, num cemitério militar alemão ocidental.

Na oportunidade, colocará, na companhia do chanceler germânico, Helmut Kohl, uma coroa de flores num túmulo de uma das milhões de vítimas militares da Segunda Guerra Mundial. Até aí, tudo bem.

Acontece que, nesse cemitério acanhado, da pequenina cidade de Bitburg, estão sepultados os corpos de pelo menos 49 ex-oficiais da temível e execrada SS nazista, a menina dos olhos do ex-ditador Adolf Hitler, encarregada de executar o serviço sujo, de repressão à população civil, desse regime de tão trágica lembrança para a humanidade.

Uma coisa que os observadores não entenderam é esse pretexto usado, de reconciliação. Com quem? Com o povo alemão não pode ser, pois com a moderna Alemanha Ocidental, fruto da visão de estadistas do porte de um Konrad Adenauer, nem os EUA, e muito menos a comunidade mundial, têm qualquer espécie de dívida a cobrar.

Os rancores e ressentimentos existentes são contra um determinado regime que brotou, como terrível erva venenosa, no seio de uma civilização tão pujante, que já forneceu gênios e santos, como um Albert Einstein e um Albert Schweitzer, este último um dos exemplos mais notáveis de solidariedade humana através da História, tendo dedicado seis décadas de sua vida à assistência gratuita e espontânea de leprosos, na perdida localidade africana de Lambaréne.

Reconciliar-se com a moderna Alemanha Ocidental é um sofisma de Reagan, já que, desde 1954, quando do aparecimento desse modelar país, não há nada que possa desabonar tanto o seu governo, quanto o seu povo. Nem é contra o regime de Bonn, ou contra a população atual de alemães ocidentais que, tanto a comunidade judia mundial, quanto as pessoas de bom-senso e espírito de justiça, se voltam. Portanto, não há motivo algum que justifique uma reconciliação.

O que o presidente norte-americano fará, simbolicamente, isto sim, será um resgate da memória nazista, justificando, tacitamente, seus horrendos atos (os quais nos recusamos a reportar, tal a sua bestialidade e insânia), reconhecendo-os como indesejáveis, mas normais, atos de guerra.

Trucidar anciãos indefesos e crianças recém-nascidas pode ser classificado como tal? Buscar anular todo um povo, cremando os seus restos mortais e expropriando os seus bens, seus nomes, sua posição social e até sua lembrança pode ter essa conotação?

Pois foi isso que 49 dos homenageados de hoje, pelo líder de um dos países que ajudaram a livrar a humanidade desse indizível flagelo, fizeram. E, reconciliar-se com o nazismo é admiti-lo em pé de igualdade com os povos defensores dos anseios de liberdade.

Que soldados dos EUA tenham visitado o cemitério de Bitburg, por todos esses anos, conforme Reagan e Kohl argumentam, é aceitável e compreensível. Esse, sim, pode ser classificado como um ato de perdão da parte ofendida à ofensora, composta de criminosos insensatos. Mas que um presidente norte-americano, que representa não a sua pessoa, mas a pátria da democracia, faça o mesmo., é injustificável e inadmissível.

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 5 de maio de 1985).


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