Incompreensível reconciliação
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente norte-americano, Ronald Reagan, usou, desde o
início, quando marcou o compromisso em sua agenda de visitas à Europa, o
pretexto de “reconciliação” com a Alemanha para justificar a controvertida
cerimônia em que participará, hoje, durante dez minutos, num cemitério militar
alemão ocidental.
Na oportunidade, colocará, na
companhia do chanceler germânico, Helmut Kohl, uma coroa de flores num túmulo
de uma das milhões de vítimas militares da Segunda Guerra Mundial. Até aí, tudo
bem.
Acontece que, nesse cemitério
acanhado, da pequenina cidade de Bitburg, estão sepultados os corpos de pelo
menos 49 ex-oficiais da temível e execrada SS nazista, a menina dos olhos do
ex-ditador Adolf Hitler, encarregada de executar o serviço sujo, de repressão à
população civil, desse regime de tão trágica lembrança para a humanidade.
Uma coisa que os observadores não
entenderam é esse pretexto usado, de reconciliação. Com quem? Com o povo alemão não
pode ser, pois com a moderna Alemanha Ocidental, fruto da visão de estadistas
do porte de um Konrad Adenauer, nem os EUA, e muito menos a comunidade mundial,
têm qualquer espécie de dívida a cobrar.
Os rancores e ressentimentos
existentes são contra um determinado regime que brotou, como terrível erva
venenosa, no seio de uma civilização tão pujante, que já forneceu gênios e
santos, como um Albert Einstein e um Albert Schweitzer, este último um dos
exemplos mais notáveis de solidariedade humana através da História, tendo dedicado
seis décadas de sua vida à assistência gratuita e espontânea de leprosos, na
perdida localidade africana de Lambaréne.
Reconciliar-se com a moderna
Alemanha Ocidental é um sofisma de Reagan, já que, desde 1954, quando do
aparecimento desse modelar país, não há nada que possa desabonar tanto o seu
governo, quanto o seu povo. Nem é contra o regime de Bonn, ou contra a
população atual de alemães ocidentais que, tanto a comunidade judia mundial,
quanto as pessoas de bom-senso e espírito de justiça, se voltam. Portanto, não
há motivo algum que justifique uma reconciliação.
O que o presidente
norte-americano fará, simbolicamente, isto sim, será um resgate da memória
nazista, justificando, tacitamente, seus horrendos atos (os quais nos recusamos
a reportar, tal a sua bestialidade e insânia), reconhecendo-os como
indesejáveis, mas normais, atos de guerra.
Trucidar anciãos indefesos e
crianças recém-nascidas pode ser classificado como tal? Buscar anular todo um
povo, cremando os seus restos mortais e expropriando os seus bens, seus nomes,
sua posição social e até sua lembrança pode ter essa conotação?
Pois foi isso que 49 dos
homenageados de hoje, pelo líder de um dos países que ajudaram a livrar a
humanidade desse indizível flagelo, fizeram. E, reconciliar-se com o nazismo é
admiti-lo em pé de igualdade com os povos defensores dos anseios de liberdade.
Que soldados dos EUA tenham
visitado o cemitério de Bitburg, por todos esses anos, conforme Reagan e Kohl
argumentam, é aceitável e compreensível. Esse, sim, pode ser classificado como
um ato de perdão da parte ofendida à ofensora, composta de criminosos
insensatos. Mas que um presidente norte-americano, que representa não a sua
pessoa, mas a pátria da democracia, faça o mesmo., é injustificável e
inadmissível.
(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 5
de maio de 1985).
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