Monday, October 13, 2014

Beleza maculada

Pedro J. Bondaczuk

A natureza cria o belo e o bom para o deleite de quem sabe apreciar essas virtudes. O homem, todavia, se excede no usufruto desses bens naturais e macula, corrompe e destrói a ambos e não raro sequer sabe por que age dessa maneira. Seria por instinto? Seria por ignorância? Seria por desvio de conduta? Ou por doença mental?  Pode ser por alguma dessas causas ou por todas elas simultaneamente. Ou até por nenhuma. Vá se saber! Nada me causa maior asco e revolta do que testemunhar, por exemplo, a maculação da beleza por parte de quem não só não sabe apreciá-la e valorizá-la, mas, de quebra, age com vandalismo e fúria contra ela e sem nenhuma razão.

Considero, por exemplo, o pior dos crimes que possam ser cometidos a exploração sexual de crianças. O pedófilo e o estuprador (de meninas e de meninos) cometem os que, para mim, são delitos sem perdão. Aliás, os próprios marginais, presos por outras violações às leis como furtos, roubos e homicídios, abominam essa conduta. Os delinqüentes têm um código de honra próprio. E os pedófilos e estupradores têm vida curta quando caem em presídios e cadeias. Não defendo, óbvio, esse comportamento. Mas sou a favor de que esses tarados e sociopatas sejam segregados da sociedade e se possível preventivamente, antes que cometam delitos.

Afinal, eles roubam a inocência de quem pouco ou nada conhece ainda do mundo. Marcam, de maneira chocante (e para sempre), determinadas vidas.  Traumatizam famílias e sociedade. São erros da natureza. Melhor seria se nem ao menos nascessem. Por causa deles, os apreciadores da genuína beleza, da sublime, frágil, mas viva, que sabem lhe dar valor e a venerá-la e respeitá-la, acabam, de certa maneira, penalizados por tabela.

Não há cena que me comova mais profundamente do que apreciar crianças, notadamente menininhas na faixa dos quatro aos oito anos de idade, brincando. É a beleza conceitual que trago na alma ganhando vida, cor, sons e movimentos. Ao vê-las, recordo-me, comovido e saudoso, da infância das minhas filhas. Ocorre que, se me demorar muito nessa apreciação, corro o risco de ser mal interpretado e até de ser punido pelo que não fiz e jamais, em circunstância alguma, faria. Posso ser rotulado, e facilmente, por exemplo, de pedófilo, embora jamais me passe pela cabeça a mínima conotação sexual ao apreciar crianças brincando. Só de imaginar uma coisa dessas, ou seja, que alguém possa ter esse tipo de pensamento, já me causa asco, revolta e horror. Tenho, pois, que me embevecer com cenas tão belas furtivamente.

E as pessoas estão erradas de maliciar quem se embevece com esse inocente cenário de crianças brincando? Claro que não! São tantos os casos de perversão sexual que ocorrem no cotidiano, que prevenir sempre se torna a conduta mais prudente e menos traumática.

Outra coisa que gosto muito de apreciar é a beleza feminina em todo o seu encanto e esplendor. Os olhos de uma mulher bonita, a perfeição das formas, o brilho do olhar, o sorriso etc. são cenas que gosto de ver, embora não tenha palavras para descrever sua grandeza e poesia. E essa apreciação não tem nada, absolutamente nada a ver com desejo sexual. É um prazer exclusivamente estético. É colírio para os olhos e acalanto para o coração.

Experimente, porém, fixar o olhar, demoradamente, digamos por quinze minutos ou mais, numa bela mulher, mesmo sem o mais remoto desejo erótico. Será imediatamente mal interpretado. Dependendo da sua idade e da sua aparência, aquilo que o alvo do seu enlevo poderia e deveria considerar um elogio e uma homenagem, será, com certeza, interpretado como abuso e violação de privacidade e recebido com revolta e repulsa. E não se pode condenar quem age assim, tendo em conta os vários tarados que perambulam por todos os lugares, verdadeiros monstros, que semeiam pânico e atrocidades por onde passam.         
 
Será que o homem, algum dia, conseguirá extirpar o mal da sua mente e, por conseqüência, do mundo? Somente se (ou quando) conseguir sucesso nesse empreendimento, o dito “Homo Sapiens“ fará jus a essa designação. Enquanto isso... A vida da grande maioria das pessoas é, convenhamos, rotineira e vazia, por causa da personalidade, educação, oportunidades (no caso, falta delas) e, principalmente, circunstâncias de cada uma. Os valores e objetivos, geralmente, são ilusórios e pequenos. Dois terços da humanidade, infelizmente, vivem na miséria e têm diante dos olhos cenários cinzentos, paupérrimos, feios, horrendos, para que o um terço restante se regale e viva com conforto e até desregramento. Nem por isso as pessoas punidas pelas circunstâncias precisam abrir mão da beleza. Não precisam e não devem fazer isso. Afinal, o mais puro e encantador lírio brota, também, nos mais infectos pântanos.

Mesmo uma vida “perdida”, pelos critérios atuais de sucesso, não precisa, necessariamente, ser feia. Pode ser vazia, difícil e sofrida, mas, ainda assim, bela. Não é o que acontece. O filósofo Will Durant afirma, no seu clássico “Filosofia da Vida”: “A beleza é penosa de ser criada e fácil de ser destruída”. E como é! A fragilidade faz parte do seu encanto. Daí eu considerar crime hediondo e imperdoável não apenas a tentativa de destruí-la, mas a simples intenção de maculá-la.

O filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, identifica dois tipos de beleza: a que atrai  e a que apaixona. Raramente, no seu entender, ambas as formas coincidem e formam a unidade. Mas se (ou quando) isso acontece... é um delírio. É um êxtase, notadamente para os mais sensíveis, os que lidam com arte e procuram (em vão) a perfeição. E não precisa sequer explicar a causa de sua empolgação e embevecimento aos não iniciados. O diretor de cinema Stanley Kubrick afirmou, em entrevista que concedeu há quase meio século, em 1962:  “Um artista não dá explicações. Que diriam todos se Leonardo da Vinci escrevesse sob a Gioconda uma legenda do tipo – Ela está sorrindo porque recebeu excelentes notícias da família?” Pois é. O que diriam?


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