A importância das
academias
Pedro
J. Bondaczuk
O assunto sobre o qual
venho sendo mais questionado, nos últimos dias, é o que se refere à importância
das academias de letras (e não somente da ABL, mas das estaduais e municipais)
na vida de um escritor. O segundo tema que me tem sido mais proposto – e do
qual tratei creio que na medida certa – é o da atribuição do Prêmio Nobel de
Literatura ao francês Patrick Modiano, conhecido em seu país como “A Voz de
Paris”, pela fidelidade e indisfarçável paixão que tributa á “Cidade Luz”.
Claro que, junto com a justiça ou não dessa premiação, pediram-me que opinasse
sobre os critérios (ou falta deles) adotados pela Academia Sueca na definição
dos premiados. Creio que, neste quesito, satisfiz aos meus queridos
questionadores. Pelo menos nenhum deles contestou os comentários que fiz a
propósito.
A questão da
importância das academias de letras veio à baila com a eleição, em 9 de outubro
de 2014, do poeta, dramaturgo, crítico de artes plásticas e ensaísta Ferreira
Gullar para a casa fundada por Machado de Assis, obtendo 36 dos 37 votos dos
acadêmicos aptos a votar. A principal indagação, na verdade especulação,
refere-se ao o que teria levado o ilustre intelectual a mudar de idéia, já que,
nos últimos vinte anos, vinha recusando, sistematicamente, a se candidatar a uma
cadeira na instituição. Todavia, para gáudio de seus pares (e de milhões de
seus leitores e admiradores entre os quais, claro, me incluo), agora, aos 84
anos (completados em 10 de setembro) decidiu atender aos apelos de amigos e até
de inimigos e competir por uma vaga. O resultado não me surpreende e muito
menos a quase unanimidade dos que dele foram informados. O único voto não
favorável a Ferreira Gullar foi... em branco. Desconfio que o acadêmico que o
deu, por alguma razão, “esqueceu de votar”. Ou seja, não escreveu na cédula o
nome do poeta, embora pensasse o tempo todo nele. Vá se saber, não é verdade?!
Bem, a chegada de
Ferreira Gullar à tão criticada Academia Brasileira de Letras – mas tão pouco
conhecida não somente do público, mas também (e principalmente) dos meios de
comunicação – é tão relevante, que pretendo comentá-la, com bastante vagar,
como, aliás é meu costume com temas que considero relevantes, nos próximos
dias. Hoje vou discorrer, posto que com brevidade, sobre por que considero
importante um escritor, de reconhecidos méritos, se tornar acadêmico.
Para tanto, peço
licença para reproduzir trecho de uma crônica que escrevi em 27 de maio de
2007, intitulada “Guardiões da tradição”. Nela, opinei: “As pessoas têm uma
visão equivocada dos membros das academias de letras, não apenas da Campinense,
mas de qualquer uma. Pensam que se trata de um clube de velhinhos, que se reúne
para permitir que seus componentes joguem conversa fora, acompanhando o
bate-papo com cházinhos e torradas. Não é nada disso, é claro! Outros,
deslumbrados com a importância social e especialmente cultural dos seus
integrantes, entendem que é um conjunto de ‘deuses’ que consomem ‘ambrósia’ em
profusão durante suas reuniões, sem outras preocupações que não sejam as belas
letras. ‘Afinal, não são imortais?!’, argumentam”.
Em seguida, ponderei:
“A Academia, é verdade, enche (e deve encher) de orgulho os que conseguem ser
guindados a ela por seus pares. Ninguém obtém ali alguma cadeira por mera
simpatia, por riqueza ou posição social que ocupe. Consegue apenas por mérito.
A eleição é conseqüência natural de muito e consistente trabalho intelectual e
até de certo consenso nos meios culturais da cidade (ou do Estado, ou do País)
quanto ao seu valor. Porém, mais do que honraria, é missão. Implica em
responsabilidade. Pressupõe continuidade de produção intelectual – poesia,
romance, conto, crônica, teatro, ensaio, ou seja que gênero for – por todos os
dias da vida, até o momento de ‘ficar encantado’, que é como Guimarães Rosa
qualifica o momento da morte de um escritor”.
Ao final da crônica,
concluí: “O acadêmico só se torna imortal na medida em que imortalize a cultura
de seu tempo e de sua comunidade. Porque a Academia é, acima de tudo e de
qualquer coisa, a guardiã das tradições da cidade (ou do Estado ou do País,
dependendo da sua natureza e abrangência)”. Admito, sem nenhum constrangimento,
que sou suspeito (na realidade, suspeitíssimo) para tratar desse tema. Afinal,
há já 22 longos e profícuos anos, tenho o privilégio e a honra de ser membro da
Academia Campinense de Letras. Contudo, os que me questionaram a propósito
sabiam (e sabem) dessa minha condição. Ela não é segredo para ninguém, até
porque consta de todos meus currículos literários. Daí, não me considerar
suspeito, e nem alimentar nenhum constrangimento ou dor de consciência, para
advogar em causa própria.
A importância ou não
dessa condição depende do próprio acadêmico. Muitos batalham por anos para
serem guindados a alguma academia apenas por questão de vaidade. Que mal há
nisso? Afinal, ninguém compra votos para se eleger e nem se elege por mera
simpatia ou condição social. Ao lançar sua candidatura, o postulante é instado
a apresentar meticuloso currículo e é indispensável que tenha obra literária
publicada. Se consegue se eleger, é porque seus pares veem méritos em sua
trajetória lítero-cultural. Todavia, a maioria dos que postulam uma cadeira
participa ativamente da vida da instituição. Uns, integram cargos de diretoria
ou até a presidência da casa. Outros tantos, dão cursos literários, fazem
palestras, conferências e participam de simpósios, nacionais e/ou
internacionais. E alguns redigem meticulosos dicionários, mantendo vivo nosso
dinâmico idioma. Justificam, portanto, mais e mais, a condição de acadêmicos.
Claro que eu, como a
maioria dos colegas (que chamamos, formalmente, de “confrades”), aspiramos
galgar outras academias – no meu caso, minha aspiração é a de chegar primeiro à
Paulista e, se Deus me der vida e lucidez, à casa de Machado de Assis. Alguns
conseguem, não raro após décadas de atividades. Outros tantos (entre os quais
me incluo), geralmente por causa de circunstâncias adversas, limitam-se a
sonhar. Vocês querem, todavia, algo mais precioso, delicioso e motivador do que
um sonho que acalentemos e do qual corramos atrás até nosso derradeiro suspiro?
Afinal, a vida é, ao final e ao cabo, constituída de motivações, porquanto, no
duro, no duro, ela não passa de imensa ilusão, dada nossa efemeridade...
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