Thursday, October 09, 2014

Na corda-bamba

Pedro J. Bondaczuk

A constatação de que a situação interna do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, não é das melhores, se torna mais nítida quando até a agência estatal de notícias do seu país, a "Novosti", critica sua gestão. Seu apoio junto à população está em nível baixíssimo e isto ficou fartamente demonstrado no dia 1 passado, durante a parada tradicional dos trabalhadores, na Praça Vermelha, em Moscou, quanto o mentor da "perestroika" sofreu uma estrepitosa vaia. Na ocasião em que ele convenceu o Soviete Supremo a lhe outorgar seus atuais superpoderes, nós destacamos que isto era uma "arma de dois gumes". Aumentando seu campo de ação, aumentariam, conseqüentemente, as cobranças que lhe seriam feitas por soluções rápidas de problemas que se arrastam por décadas, como são os desafios dos nacionalistas bálticos e transcaucasianos.

Não seria nenhum exagero afirmar que Gorbachev pode perder o seu cargo a qualquer momento. Ou mediante um "golpe branco", ou através do afastamento tradicional, por decisão dos seus partidários na importantíssima Conferência do Partido Comunista do próximo mês ou até mesmo por uma renúncia. Pressões o presidente está recebendo de todos os lados e por motivos opostos. De um lado, os reformistas radicais, achando que se pode mudar a mentalidade de um povo, desacostumado a pensar por quase 73 anos de falta de liberdade, da noite para o dia, querem mudanças rápidas e dramáticas. De outro, estão os burocratas empedernidos, os "falcões", os linhas-duras da Velha Guarda, que sonham com o retorno aos tempos de Leonid Brezhnev.

O líder do Cremlin está no meio dos dois, tendo que se equilibrar precariamente entre uma posição e outra, pelo menos para ganhar tempo, até que o processo de sua atuação externa melhore sua imagem internamente. Há líderes ocidentais que já estão temendo que isso não seja mais possível. Outros, no entanto, como o presidente norte-americano George Bush, acreditam que com uma "mãozinha", Gorbachev, tido e havido como uma espécie de "mágico", pode sair desta e modernizar o seu país, que é o seu principal desejo. Geralmente, em relação a qualquer problema, quem está de fora dele tem condições de vê-lo com maior clareza. Quanto aos enfrentados pelo líder do Cremlin, a melhor e mais clara definição do que ele terá que superar foi feita ontem, pelo ex-presidente Ronald Reagan, num discurso de formatura numa universidade de Louisiana, em Baton Rouge, quando constatou:

"Gorbachev está tendo de enfrentar históricas e amargas tensões étnicas. Ele está esmagado por uma economia tão derrotada que os alimentos apodrecem nos lados dos campos porque não há transporte para o mercado. Enfrenta uma burocracia que durante 70 anos abafou toda centelha de inovação ou iniciativa". Até ele, portanto, diante de tanta coisa ruim, precisará ser verdadeiramente um "mágico" para sair desta.


(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 19 de maio de 1990)

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: