Friday, October 17, 2014

Poder da propaganda enganosa


Pedro J. Bondaczuk


A atual repressão movida pelas autoridades chinesas contra os participantes do movimento pró-democracia, dissolvido a poder de balas e tanques no início do corrente mês, demonstra ser algo maquiavelicamente planejado. Utiliza, sobretudo, um dos instrumentos prediletos dos tiranos e das tiranias: a propaganda enganosa.

Cada passo, objetivando neutralizar a simpatia despertada pelos estudantes na população – numa das manifestações realizadas no mês passado na Praça da Paz Celestial houve o comparecimento de um milhão de pessoas – vem sendo metódica e cuidadosamente estudado. E cruelmente executado.

Por exemplo, as 27 execuções levadas a efeito até aqui no país não envolveram um único líder universitário. Dos que foram mortos com tiro na nuca – cujas famílias ainda receberam a conta a pagar da bala gasta para tirar a vida de seus entes queridos – nove eram operários, dos quais um estava desempregado.

Os outros 18 não passavam de criminosos comuns. Mas as autoridades apresentaram-nos perante a população como dirigentes das manifestações para justificar perante a opinião pública (senão externa, pelo menos interna), a selvajaria da repressão.

Desde o dia do massacre da Praça da Paz Celestial os dirigentes do PC chinês vêm insistindo que mataram somente os “rufiões, desordeiros e bandidos comuns” e não civis desarmados, como as imagens mostraram para o mundo todo que eles de fato fizeram.

Por outro lado, nenhum estudante até aqui foi condenado à morte. E isto não é uma manifestação de confiança dos repressores na sua “recuperação”. O que o cérebro diabólico que vem comandando a repressão não quis foi “fabricar” mártires. Afinal, estes sempre servem como bandeiras de luta às grandes causas.

Na maioria das vezes, são muito mais úteis para o sucesso de qualquer movimento mortos do que vivos. Peritas em propaganda, como são tais autoridades, elas não deixariam de levar este fato em conta. Como não estão deixando.

Com uma campanha propagandística em massa, aliada a uma repressão persistente e tenaz, os líderes de linha dura estão quebrando as resistências, solapando as esperanças de quem ainda acreditava ser possível a conquista de liberdade agora, ou mesmo a médio prazo.

Embora, como todo mundo, simpatizemos com os estudantes e principalmente com a sua causa, não podemos deixar de observar que eles cometeram erros estratégicos palmares. Aliás, em comentários feitos logo no início das manifestações, destacamos isso. Tais equívocos custaram (e vão custar ainda) muito caro. Talvez venham a tornar impossível o sonho de democracia na China para toda uma geração.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 23 de junho de 1989).


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