Infanticídio
de meninas e abortos seletivos
Pedro J. Bondaczuk
Em países como a China (1,3 bilhão de habitantes),
Índia (1 bilhão), Taiwan, Paquistão e Coréia do Sul., entre outros, é comum uma
prática que extrapola todos os limites do horror: o infanticídio de meninas. A
ela, junta-se outro procedimento, não menos cruel e horrível, que é o aborto
seletivo de fetos do sexo feminino. Nessas regiões, o aparelho de
ultrassonografia é uma das máquinas mais disseminadas e populares.
Com a sua utilização, as mulheres grávidas
objetivam, somente, saber o sexo do bebê que se desenvolve em seu ventre. Se
for masculino, a gravidez segue normalmente o seu curso, com todos os cuidados
necessários para um parto seguro. Se, no entanto, tratar-se de menina,
imediatamente é feito um aborto.
Por envolver os países mais populosos do mundo,
pode-se dizer que quase metade da humanidade adota essas práticas hediondas,
que não passariam nem pela cabeça d um psicopata como o Marquês de Sade. Este
nobre francês, cujo nome era Donatien Alphonse François, celebrizou-se como
libertino, considerado monstruoso tarado e cujo nome foi utilizado por batizar uma
psicopatia muito famosa: o sadismo.
Seus livros são tão escabrosos que sua leitura causa
asco e horror nas pessoas normais. Pois nem ele, mestre na exploração do
sofrimento alheio, que lhe causava êxtase, seria capaz de engendrar práticas
tão terríveis e aterradoras como as que são coisas comuns notadamente na Índia
e na China.
O infanticídio das recém-nascidas e o aborto de
fetos femininos reduziram o número de mulheres, na Índia, para 927 em cada
grupo de 1.000 homens, provocando conseqüente desequilíbrio demográfico. E tudo
por causa de milenar preconceito, arraigado nos costumes desse povo.
As pessoas de sexo feminino, cujo nascimento é
"tolerado", têm uma vida marcada pelo sofrimento e pela humilhação,
em perpétua sujeição ao homem. Por exemplo, em média, na Índia, os bebês
mulheres são desmamados dois meses antes dos meninos. Além disso, recebem menos
alimentos do que seus irmãos e amiúde são obrigadas a permanecer em casa,
ajudando as mães, em vez de irem para a escola.
Na China, assim como na Coréia do Sul e no
Paquistão, as estatísticas mostram uma predominância de crianças do sexo
masculino, numa indicação da prática em larga escala do infanticídio feminino,
dos abortos por seleção de sexo e dos nascimentos não registrados de meninas
que ocorrem nesses países.
Os trechos abaixo, de matéria publicada no Correio
Popular em 24 de agosto de 1995, gerada pela agência de notícias Reuter, são
reveladores dessa prática escabrosa, que nem os governos dos respectivos países
conseguem acabar.
"Nasce uma criança na cabana de camponeses de
um vilarejo de Bihar, na Índia. A parteira verifica o seu sexo, constata que é
uma menina e, segurando a recém-nascida firmemente pela cintura, habilmente
quebra a sua espinha, torcendo o seu torso.
Em um orfanato chinês na fronteira com Hong Kong, um
bebê do sexo feminino abandonado, que recebe o apelido de Meiming (que
significa 'sem nome'), é colocado em um catre de um quarto escuro onde é
abandonado para morrer de fome imerso em seus próprios excrementos.
Em Seul, uma mulher de classe média obtém o
resultado da ultrassonografia para detectar o sexo do bebê, vê que vai ter uma
menina e decide fazer um aborto imediato.
Estas são pequenas mortes. Eventos obscuros. Lugar
comum nos países asiáticos. A rejeição maciça da população feminina da região
antecipa um alarmante problema social no início do novo século (...) O
equilíbrio entre o número de homens e de mulheres nos dois maiores países da
Ásia, Índia e China, que entre si respondem por 40% da população mundial, já
está muito abalado.
O mesmo está acontecendo em países menores como
Taiwan, Coréia do Sul e Paquistão. Segundo alguns cálculos, em toda a Ásia há
100 milhões de mulheres a menos do que teria sido produzido com taxas de
natalidade normais. Diferentemente de outras nações industrializadas, a maior
prosperidade não parece ter revertido o desequilíbrio entre os sexos.
A menos que este infanticídio seja interrompido,
argumentam alguns especialistas, haverá graves conseqüências sociais,
econômicas e demográficas. O roubo de esposas e a sua compra podem tornar-se
endêmicos e hordas de homens solteiros procurando uma noiva podem causar uma
onda desordenada de migração em massa".
E a matéria prossegue: "(...) Há vários motivos
para a Ásia tratar suas mulheres tão mal. Um é tão antigo quanto Confúcio, que
enfatizou a importância de filhos homens nos seus escritos há 2.000 anos. Outro
é tão moderno quanto o escaneamento da gravidez por ultrassom, que se
disseminou por toda a Ásia na década de 80, possibilitando determinar o sexo do
bebê antes do nascimento. A pobreza é outro fator, além das leis de
planejamento familiar. E há, também, o dote.
O padrão normal é que nasçam 95 meninas para cada
100 meninos; a preponderância de meninos sobre meninas é compensada pela taxa
de mortalidade mais alta do sexo masculino do decorrer da existência. Mas, na
China de hoje, estão nascendo 85 meninas para cada 100 meninos.
Na Índia e no Paquistão, a proporção é de 93 meninas
para 100 meninos. E na Coréia do Sul a proporção é de 86 bebês do sexo feminino
para 100 do sexo masculino, um número que levou a Federação do Planejamento de
Paternidade da Coréia a espalhar cartazes de advertência por todo o país...que
diziam: 'Você importaria noivas negras?'
A China tem o maior problema simplesmente porque tem
a maior população do Planeta (1,3 bilhão). A sua escassez de meninas está
relacionada com tentativas de limitar a natalidade. Uma lei de 1973 restringe
as famílias urbanas a um filho e as famílias rurais, a dois.
Esta lei significou uma sentença de morte para
milhões de crianças do sexo feminino recém-nascidas e vida como órfãs
abandonadas para milhões de outras. Na
China, a avalanche de meninas nos orfanatos teve uma decorrência feliz: trouxe
alegria à vida de um grande número de casais norte-americanos sem filhos.
Os candidatos a pais adotivos dos Estados Unidos
cada vez mais recorrem à China em busca de crianças. Todas as adoções
norte-americanas de bebês chineses (99% das quais são meninas) são feitas
através do consulado dos Estados Unidos em Guangzhou.
(...) Os procedimentos para adoção são simples: os
bebês têm que ter sido abandonados (o que impede a venda de crianças) e devem
vir de um orfanato. Os pais pagam US$ 3 mil por criança. É uma pequena, mas
lucrativa, fonte de divisas para a China. Com as taxas pagas e as despesas
feitas dentro do país, as crianças rendem cerca de US$ 15 milhões ao ano.
Na Índia, a vida é ainda mais difícil para as
meninas. Os meninos são preferidos pelas mesmas razões da China, com um ônus a
mais para as meninas: o dote. Oficialmente o dote é proibido por lei na Índia,
abolido após a independência em 1947. Mas continua fazendo parte da vida
indiana.
A lei é simplesmente ignorada. Mesmo as famílias
mais pobres têm que oferecer dotes para suas filhas e a maneira dos pobres
evitar essa obrigação informal (e ilegal) é simplesmente matando as meninas
recém-nascidas. Em Bihar, elas têm a espinha quebrada ao nascer; no deserto de
Rajasthan, são enterradas vivas e em Madhya Pradesh, são envenenadas com folhas
de tabaco enfiadas na garganta.
Nas cidades, a classe média depende da amiocentese
e, cada vez mais, do escaneamento, por ultrassom para detectar o sexo do feto
e, conseqüentemente, abortar as meninas. Uma das ironias da medicina moderna é
que a máquina projetada especificamente para tornar a gravidez e o parto mais
seguros, transformou-se na mais mortífera das armas --- uma eliminadora de
dezenas de milhares, talvez milhões de meninas em toda a Ásia.
As máquinas que custam menos de US$ 2 mil e são facilmente
transportáveis, cruzam a Ásia em pequenas peruas (só na China estima-se que
haja 100 mil delas) e são instaladas em clínicas de pequenas cidades e de
vilarejos.
'Pague 500 rúpias e economiza 50.000', é um popular
slogan de propaganda na populosa cidade indiana de Punjab, significando que,
pelo valor de US$ 16 de um escaneamento, o futuro pai de uma menina pode
economizar US$ 1.650 (o equivalente a um dote) se ela for abortada". A
matéria em questão dispensa todo e qualquer comentário.
(Do livro “Guerra dos Sexos”, Pedro J. Bondaczuk,
1999, inédito).
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