Trabalho
duro
Pedro J. Bondaczuk
As rápidas transformações, ditadas pela evolução
tecnológica – em especial a das comunicações – mudando o enfoque do trabalho,
fechando empregos e abrindo perspectivas promissoras em outros setores ainda a
serem explorados (como os da informação e das artes), exigem uma revisão
criteriosa no conceito e na maneira de tratar o ensino.
Os currículos, por exemplo, precisam ser adaptados,
a filosofia da educação tem que ser revista para se adequar às atuais
necessidades e o acesso ao conhecimento precisa ser o mais universal possível,
para que não se estabeleçam "castas", como ocorre agora.
Estas exigências contemporâneas impõem, acima de
tudo, um novo tipo de professor. O mestre não pode mais se limitar àquele papel
convencional que todos conhecemos, de mero transmissor de informações que
qualquer garoto obtém com facilidade através da Internet.
Sua tarefa passa a ser a de estimular o raciocínio
dos alunos. Ou seja, a de "ensiná-lo" a pensar, fornecendo-lhe
indicações de como fazer para disciplinar o pensamento, despertando a
criatividade latente que certamente traz dentro de si.
No entanto, embora crescentemente exigido, o
"novo professor" continua às voltas com velhos problemas, impedindo
que se recicle e se atualize para fazer frente aos desafios que os tempos
atuais lhe impõem. O maior deles, embora longe de ser o único, é o de como
prover a própria existência, diante dos salários irrisórios, para não dizer
indignos, que recebe.
Essa erosão salarial, ao contrário do que se supõe,
não é prerrogativa brasileira. Aliás, no Brasil, pelo menos se vislumbra uma
possibilidade de revalorização do magistério (embora muitos contestem) com o
plano recentemente anunciado pelo ministro de Educação, Paulo Renato de Souza,
que se não é ideal, não deixa de ser um primeiro e importante passo, que se
espera seja sucedido por muitos outros.
Por enquanto, porém, a coisa não saiu do papel. Há
no Brasil professor recebendo de R$ 25 a R$ 50 por mês, quando não menos. E os
anunciados R$ 300 a
longo prazo têm que ser um "piso", jamais o "teto".
No boletim mensal do Centro de Informação das Nações
Unidas, "ONU em Foco", referente a setembro, a situação dos
professores no mundo é enfatizada em um texto intitulado "Trabalho
Duro". O redator destaca que esta chegou a um ponto "intoleravelmente
baixo", com base em dados da Organização Internacional do Trabalho.
O informativo cita relatório da OIT onde são
enfatizados exemplos sobre um profundo achatamento salarial dos docentes. Um
dos casos mencionados é o da Argentina. No país vizinho, os salários dos
professores equivaliam, em 1993 (data do levantamento), à metade dos que eram
recebidos em 1981.
E nos últimos três anos a situação apenas piorou,
conforme a imprensa argentina noticia, em decorrência da política neoliberal do
presidente Carlos Menem. A remuneração média gira hoje ao redor dos US$ 200
mensais, menos do dobro do salário mínimo brasileiro.
A Organização Internacional do Trabalho enfatiza que
essa erosão salarial é a regra, não a exceção, em todo o chamado Terceiro
Mundo, justamente a região do Planeta mais carente de educação (e de saúde,
energia, emprego etc.) sem a qual é impossível a saída do subdesenvolvimento
econômico e, por conseqüência, social.
Outro exemplo mencionado é o do Quênia, na África,
onde o poder aquisitivo dos professores caiu 30% na última década. E os casos
poderiam ser repetidos, mudando-se apenas o nome do país ou da região, com
resultados bastante parecidos. Ou seja, a desvalorização do magistério.
A primeira conseqüência da baixa remuneração é a
evasão dos profissionais do ensino para outras atividades mais rentáveis. O
magistério tornou-se, em muitos lugares, mero "bico" de estudantes
universitários, que dão aulas apenas para suplementar o orçamento e garantir pequenas
despesas pessoais, enquanto cursam faculdade.
Se os salários são baixos e para piorar estão em
queda, no que se refere às condições de trabalho as coisas não estão muito
melhores. No Senegal, por exemplo, por falta de escolas, os professores são obrigados
a dar aulas para classes de até cem alunos, conforme o relatório da OIT. E
muitas vezes, o recinto é absolutamente inapropriado, representado por galpões
adaptados, ranchos e até "containners" adaptados, quando não em
praças públicas.
Para debater estes e outros problemas, a Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) promove, a partir
de hoje, em Genebra, a 45ª Conferência Internacional sobre Educação, que se
encerra no próximo sábado.
Ao contrário de outros anos, onde o assunto enfocado
era ou de caráter pedagógico ou econômico (no sentido de investimentos do Poder
Público em escolas), no presente encontro o enfoque vai ser o homem. Tanto que
o tema central será "Fortalecendo o papel do professor num mundo em transformação".
Representantes de governos de países do Terceiro Mundo
argumentam que fazem o possível para valorizar o profissional de ensino. A
consultora do Unicef, Rosa Maria Torres, constata que em muitos Estados em
vias de desenvolvimento, "os salários dos professores consomem até 95% do
orçamento público com educação”.
Qualquer elevação no nível de remuneração, portanto,
implicaria necessariamente em maiores investimentos. Só que tais países não
contam com recursos para investir. Muito pelo contrário. Vão tirar dinheiro de
onde? Do aumento de impostos? De empréstimos externos? De doações?
A maioria está às voltas com endividamentos internos
e no Exterior, muitas vezes intoleráveis. Enfrentam, quase sempre, acelerado
processo de pauperização. Forma-se, pois, um terrível círculo-vicioso, que
precisa ser rompido a todo o custo.
Mal-remunerados, os professores escasseiam, quando o
necessário é que seu número aumente (estimativas da Unesco dão conta de que o
Terceiro Mundo precisa de 21,5 milhões de novos docentes, em especial no ensino
básico, até o ano 2000, apenas para equilibrar o crescimento populacional).
Por falta de mestres, muitas crianças deixam de
freqüentar escolas. Com isso, aumenta a quantidade de analfabetos e
semi-analfabetos, portanto, de dependentes sociais. Tais países, em vez de
saírem do subdesenvolvimento, afundam mais e mais na miséria, na desesperança e
na violência.
A forma de superar esse impasse inclui-se entre os
grandes desafios da humanidade para o próximo milênio, ao lado do desemprego,
da preservação do meio-ambiente e das tensões étnicas, entre outros.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 27 de setembro de 1996)
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