Estupros
em guerras
Pedro J.
Bondaczuk
Se as mulheres são vítimas de tantos estupros, em
tempos de paz, conforme revelam as estatísticas, as coisas se tornam muito
piores, nesse aspecto, em períodos de guerra. Soldados de todos os países, ao
conquistarem, ou invadirem, território inimigo, consideram como uma espécie de
"prêmio", de "troféu", de "medalha" a que se
julgam merecedores, essas relações sexuais forçadas, sem se importar com a
idade, a posição social ou a condição civil das vítimas. Não são raros, até, os
casos de invasão de conventos, com o conseqüente estupro de todas freiras lá
confinadas.
Episódios desse tipo, ressalte-se, foram
registrados, recentemente, na ex-Iugoslávia, conforme denúncia de organizações
de defesa dos direitos humanos. Esses ataques sexuais, descabidos e covardes,
embora condenados pelas leis internacionais, continuam ocorrendo,
invariavelmente, em grande profusão, da mesma forma que ocorriam em passado
remoto, com as legiões gregas, romanas, persas, babilônias, etc. Repetiram-se
em profusão na Bósnia-Herzegovina, em Kosovo, na Chechênia e talvez estejam
ocorrendo, de novo, no Afeganistão. Nem sempre, no entanto, a opinião pública
toma conhecimento desses crimes.
Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, cerca de 200
mil mulheres, a maioria coreanas, chinesas e de outros países do Sudeste
asiático (então ocupados pelos japoneses), foram incorporadas à força pelo
exército imperial do Japão e depois obrigadas a se prostituir em bordéis
militares.
Hoje, as sobreviventes estão recorrendo à justiça
comum, e invariavelmente ganhando os processos, obtendo milionárias
indenizações. É certo que o dinheiro não apaga as humilhações a que foram
submetidas, nem a terrível afronta que sofreram.
Além disso, os condenados não são os verdadeiros
culpados, os estupradores de fato, quase
nunca identificados e a maioria, pelo menos neste caso, já morta. As
indenizações vêm sendo pagas pelo governo japonês. Ainda assim, essas punições
são válidas e têm o principal mérito de chamarem a atenção para os crimes de
estupro cometidos por soldados.
Apesar da aprovação da Convenção de Genebra, de 1949
--- a lei internacional básica, que pretendia proteger os civis em tempos de
guerra, mais especificamente contra o estupro --- esse conjunto de normas
continua, após tanto tempo, não passando de mera "letra morta".
Nenhuma acusação, por exemplo, envolvendo esse tipo
de delito, foi feita durante o julgamento de crimes de guerra, perante o
Tribunal de Nuremberg, na Alemanha, ou no Tribunal de Tóquio, depois da Segunda
Guerra Mundial.
Milhões de mulheres (e de crianças) pelo mundo
afora, tanto na Europa, quanto na Ásia; tanto dos países vencedores, quanto dos
perdedores, foram vítimas impotentes dessa covarde violência sexual. E milhões
de filhos ilegítimos e não desejados nasceram, dessas relações traumatizantes e não consentidas, sem que os
governos dos países a que pertenciam os soldados infratores contribuíssem com
um único centavo para o seu sustento.
Agora abre-se, no entanto, uma perspectiva favorável
--- graças ao eficiente trabalho de diversas organizações internacionais de
defesa dos direitos humanos, notadamente da Anistia Internacional --- para que
esse grave delito seja, doravante, exemplarmente punido. E para que seja
considerado aquilo que realmente é: crime hediondo. E principalmente para que
deixe de se constituir em prática comum, considerada, tacitamente, como
procedimento normal, ou pelo menos aceitável, em tempos de guerra.
Parte considerável das acusações de crimes de
guerra, cometidos na ex-Iugoslávia, em especial na Bósnia-Herzegovina, perante
o Tribunal Especial de Crimes de Guerra em Haia, refere-se exatamente a
estupros praticados por soldados sérvios.
Quem sabe agora seja, finalmente, feita justiça para
com milhares e milhares de mulheres, nos Bálcãs, no Cáucaso, na Ásia ou seja lá
onde for, gravemente injuriadas por bandidos, travestidos de militares. E que
as sentenças que forem dadas em Haia possam, sobretudo, firmar jurisprudência
para o futuro. É o mínimo que se pode esperar, a bem da civilização.
Do livro “Guerra dos Sexos”,
Pedro J. Bondaczuk, 1999, inédito.
No comments:
Post a Comment