Jogo
de azar
Pedro J. Bondaczuk
A sociedade brasileira está, de novo, naquela
situação do comandante de um navio que, na iminência de desabar uma tempestade
– que deseja enfrentar de peito aberto – ordena a seus tripulantes que o
amarrem no mastro para não ser arrastado para o mar.
Vem aí um novo choque, desta vez ortodoxo, para que
o governo possa cumprir as metas prometidas na nova carta de intenções
encaminhada ao Fundo Monetário Internacional. A receita escolhida, agora, é
aquela tão conhecida do receituário do FMI: recessão purgativa. O País terá,
portanto, nos primeiros meses de 1992, um agravamento do quadro recessivo que
já se verifica, com todas as suas seqüelas, como desemprego, achatamento
salarial e aprofundamento do fosso que separa ricos e pobres, ampliando a
dívida social que já é das maiores.
Se o sacrifício der certo, tudo bem. O governo,
todavia, atravessa grave crise de credibilidade. Amplos setores não acreditam
no cumprimento do que foi prometido ao Fundo e não é raro se ouvir pelas ruas:
“Já vi esse filme em algum lugar”. Teme-se por um acirramento do perverso
processo de estagflação, ou seja, inflação alta com paralisia na produção
econômica.
Que os ajustes prometidos ao FMI, na economia
brasileira, têm de ser feitos, isso está, há tempos, para lá de claro. O que se
contesta é a forma de execução e a duração do processo. Paul Samuelson,
ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1970, assinalou, há alguns anos, numa
entrevista que concedeu: “Os economistas cultivam uma análise sadomasoquista do
processo econômico. Segundo eles, a economia oscila permanentemente entre a
recessão profunda e a distensão prematura. Não se arriscam a fazer projeções
otimistas. Felizmente a economia é bem mais forte do que os economistas”.
Não é difícil de se perceber o quanto há de
verdadeiro nisso. Adam Smith, num manuscrito de 1775, já afirmava: “Os
planejadores atrapalham a natureza no curso das operações naturais sobre os
negócios humanos, quando seria suficiente deixá-la sozinha, deixá-la agir
livremente na efetivação de seus objetivos, a fim de que ela realizasse os
próprios planos”.
Mais adiante, o notável economista escocês
acrescenta: “Pouco se requer, para levar um Estado da barbárie mais baixa para
o mais alto grau de opulência, além da paz, impostos baixos e uma administração
aceitável da Justiça; todo o resto é feito pelo curso natural das coisas”. Ou
seja, exatamente o contrário do que se verifica, há décadas, no Brasil.
O País precisa achar o seu caminho. A imensa,
fantástica e crescente dívida social tem que começar a ser resgatada.
Parodiando o ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, numa declaração
que deu em 1987, se pode, ainda, dizer que “a socialização dos prejuízos e a
privatização dos lucros continuam”.
Nunca é demais reiterar que os políticos e os
tecnocratas têm que se conscientizar que não estão lidando apenas com frios
números, mas com pessoas, com vidas, com destinos. Suas decisões afetam milhões
de seres humanos, a maioria com ambições simples, comuns, baratas.
O que os brasileiros esperam é que lhes seja
permitido ao menos trabalhar. E trabalho é o que mais o País precisa. Por isso,
o mais sensato a fazer é não somente torcer, mas agir no sentido de que mais
este sacrifício que vai se impor à cidadania não seja vão e que o programa dê
certo.
O Brasil não pode ficar à mercê do acaso, num
maquiavélico jogo de azar. Anteontem, ao explicar a carta de intenções
encaminhada ao FMI, o secretário de Política Econômica, Roberto Macedo,
acentuou: “Com alguma sorte se terá o programa sem o agravamento da
desaceleração da economia”. A vida dos brasileiros não pode depender dessa
roleta-russa.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 8 de dez\embro de 1991)
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