Saturday, October 04, 2014

Convite e resposta eram previsíveis


Pedro J. Bondaczuk


O convite encaminhado pelo presidente norte-americano Ronald Reagan ao líder soviético Mikhail Gorbachev, para a realização de uma reunião de cúpula em Washington ainda no corrente ano, do qual o secretário de Estado George Shultz foi ontem o portador, foi o mais previsível possível.

Desde o anúncio da viagem desse funcionário a Moscou já corriam esses rumores, nos círculos políticos os mais diversos. Não é novidade para ninguém que esse é um desejo antigo, de longa data, do atual ocupante da Casa Branca. E agora, diante do escândalo (apelidado pela imprensa de “Irangate”) da venda secreta de armas para o Irã, passou a constituir-se até numa necessidade para ele.

Por outro lado, a resposta do dirigente do Cremlin também não é nova. No ano passado, diante de um convite semelhante, Gorbachev havia dito a mesma coisa. Que não quer ir aos Estados Unidos para passear. A verdade á que ambos estão ansiosos, embora por motivos diferentes, por um encontro dessa espécie.

Apesar de um início turbulento (provavelmente mais um “show” para aplacar os respectivos “falcões”) das atuais conversações em Moscou entre as superpotências, as coisas, pelo visto, estão transcorrendo conforme o esperado.

Alguma espécie de acordo deverá ser “amarrada” nesta oportunidade, embora dificilmente ela venha a ser anunciada agora. Portanto, que ninguém espere resultados dramáticos das presentes negociações. Eles podem até ser obtidos, mas certamente por meses a mídia de ambos os países continuará veiculando novos detalhes do “affaire” de espionagem, como uma espécie de “cortina de fumaça”.

Nós, de nossa parte, não temos dúvida acerca da realização de uma terceira reunião de cúpula entre Reagan e Gorbachev no corrente ano. Pode ser que ela ainda não aconteça em Washington, como pretende o presidente norte-americano. Nem em Moscou, como o líder soviético tem insinuado desejar.

É provável que o local seja, mais uma vez, um terreno “neutro”. Quem sabe, a própria Suíça, país ideal para esse tipo de diálogo e que já tem tradição disso. Mas um acordo desarmamentista é a única coisa, hoje em dia, que ambos podem fazer para melhorar seu relacionamento e que é capaz de criar algum impacto na opinião pública.

Há dificuldades, evidentemente, para qualquer espécie de pacto nesse sentido. Como, por exemplo, os arsenais nucleares da França e da Grã-Bretanha, que os soviéticos pretendem incluir nas negociações, mas que no “frigir dos ovos”, pouco representam no cômputo de mísseis baseados na Europa, na sua maioria das duas superpotências.

Outro obstáculo é a supremacia russa em foguetes de pequena distância. Com eles, todo e qualquer país europeu poderia ser alvejado no caso de um conflito. Mesmo Gorbachev tendo anunciado, em Praga, na sexta-feira, estar disposto a negociar em torno desses projéteis, dificilmente ele irá aceitar a redução que os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte pretendem. Não, pelo menos, sem alguma espécie de vantagem em troca.

Outro empecilho permanente entre ambos é a Iniciativa de Defesa Estratégica, conhecida como “guerra nas estrelas”, que os ocidentais garantem que os russos estão desenvolvendo sistema similar. Moscou nega, é evidente, mas sem muita convicção. É difícil de se acreditar que nenhuma de suas pesquisas no espaço tenha caráter militar. Ou, mais especificamente, que não seja um programa antimísseis.

Além desses obstáculos óbvios, há, ainda, as questões tradicionais, como a dos direitos humanos na União Soviética e a sua presença armada no Afeganistão. O problema de espionagem, embora freqüentemente mencionado nos últimos dias, é coisa somente para “consumo interno”.

Como foi o caso Zakharov-Daniloff, nos dias que antecederam a reunião de cúpula de Reykjavik, em outubro do ano passado. Como novos casos similares certamente irão aparecer sempre que as superpotências estiverem prestes a se entender num tema tão delicado quanto o desarmamento.

Mas não será surpresa para ninguém se Gorbachev, cujas atitudes vêm espantando os ocidentais que ainda não entenderam bem onde ele deseja chegar, se dispor a ir a Washington. E se ele fizer isso, não haverá cabo eleitoral que o supere na campanha visando à sucessão de Reagan. As eleições de 1988 darão, com certeza, republicanos na cabeça.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 15 de abril de 1987).



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