Editora de olho clínico
Pedro
J. Bondaczuk
A atuação de Virgínia
Woolf no instável, posto que fascinante, “mundo da Literatura”, não se
restringiu à sua principal atividade, ou seja, a de escritora. Foi, também,
editora e integrante de um dos mais polêmicos grupos de intelectuais, das mais
diversas tendências e áreas da cultura:
o “Bloomsbury”. Destacou-se em ambos, a exemplo do que aconteceu nas letras,
revelando, no primeiro caso, competência, sobretudo administrativa e, no
segundo, rebeldia ativa contra o status vigente na sociedade inglesa do seu
tempo e não somente retórica. Em vez de
se limitar a criticar o que a desgostava, agiu para tentar modificar a
situação, São aspectos dignos de nota que provam que ela não foi, propriamente,
aquela figura desequilibrada e amalucada que a maioria dos seus biógrafos
enfatiza. Ou, para sermos mais exatos, não foi “só” isso. Seu desequilíbrio
emocional foi público e notório. Mas sua competência e talento foram
infinitamente maiores.
Analisemos por partes. A
editora, que Virgínia fundou, com o marido, Leonard Woolf, em 1917, tinha o
objetivo de ser, inicialmente, apenas um passatempo para o casal. Se pudesse
ter alguma utilidade, além disso, muito bem. Se não pudesse, provavelmente não
causaria nenhuma aflição ou constrangimento a nenhum dos dois. A Hogarth Press
nasceu simplezinha, com maquinário antiquado e praticamente sem nenhum
funcionário. Os livros eram impressos, todos, a mão, num processo artesanal e
lento, em tiragens limitadas, posto que com bom acabamento. Inicialmente, a
editora imprimia livros da própria Virgínia e de um ou outro escritor
conhecido, amigo do casal. O nome da empresa familiar era o da casa em que os
proprietários residiam em Richmond.
Não tardou, porém, para
que tudo mudasse. E para melhor, muito melhor, obviamente. O casal resolveu
investir no empreendimento. Adquiriu impressoras comerciais, relativamente
modernas, que permitiam imprimir mais livros e em tiragens bem maiores.
Contratou funcionários e, principalmente, organizou-se empresarialmente,
deixando de ser mera ação entre amigos. Passou a atrair tanto escritores já
consagrados, quanto jovens promissores, de grande talento e muita ambição, mas
de escassas oportunidades. O negócio começou a prosperar e não tardou a navegar
em mares tranqüilos, de vento em popa. Os livros publicados já não eram só de
membros do Grupo de Bloomsbury. A Hogarth Press, por exemplo, foi a pioneira na
publicação de trabalhos sobre psicanálise, principalmente da obra de Sigmund
Freud (mas não só dele). Outro passo à frente foi a publicação de livros de
escritores estrangeiros, traduzidos para o inglês, em especial dos clássicos,
notadamente dos russos.
Cinco anos após a morte
de Virgínia, em 1946, a editora passou a ser administrada por outra empresa, a
“Chatto and Windus”. E assim permaneceu até 1969, quando se fundiu à “Jonathan
Cape”. Esta, todavia, não durou muito tempo e encerrou suas atividades nos anos
70. Virgínia Woolf, ou, mais propriamente, sua editora, a Hogarth Press,
revelaram diversos escritores, alguns tidos e havidos hoje como clássicos. O
caso mais citado é o do poeta norte-americano, que se naturalizou britânico, T.
S. Eliot. Foi ali que seus primeiros livros de poesia foram impressos, entre os
quais o mais famoso foi “Terra estéril”.
Editora e escritor
foram grandes amigos, a despeito de algumas rusgas que tiveram. Foi o que
aconteceu, por exemplo, quando T. S. Eliot se tornou editor de uma empresa
rival, a “The Criterion”. Ela não entendeu essa decisão, pois havia tentado
tirar o poeta de seu emprego em um banco, oferecendo-lhe o mesmo cargo na
Hogarth Press. Este, porém, recusou. A rusga entre ambos, todavia, não durou
muito. Certamente Virgínia teria ficado sumamente orgulhosa caso pudesse
testemunhar sua “descoberta” literária ser agraciada, em 1948, com o Prêmio
Nobel de Literatura. Mas não pôde. Quando T. S. Eliot foi premiado, ela já
estava morta há sete anos.
Todavia, nem
sempre a escritora-empresária acertou em suas decisões empresariais. Por
exemplo, teve em mãos o manuscrito de “Ulysses”, de James Joyce, mas não pôde,
ou não quis (o que é o mais provável) publicá-lo. Foi, é claro, um erro sem
tamanho e nem preciso lembrar por que. Aliás, ela alimentava, por razões que só
ela poderia explicar, algumas picuinhas com o escritor irlandês (ao qual era
comparada por muitos). Quentin Bell, em seu livro “Virgínia Woolf – uma
biografia (1882-1941)”, escreve a respeito: “Era uma obra que Virginia não podia
rejeitar nem aceitar. O poder e a sutileza da obra eram evidentes o bastante
para despertar a admiração dela e, sem dúvida, inveja. Parecia-lhe ter uma
espécie de beleza, mas também um brilho rude, arguto, de sala de fumantes.
Joyce usava instrumentos parecidos com os dela, e isso era doloroso, pois era
como se a pena, sua própria pena, tivesse sido arrancada de suas mãos e alguém
rabiscasse com ela a palavra foda no assento de um vaso sanitário”.
Quentin acrescenta: “Virgínia também
sentia que Joyce escrevia para um pequeno grupo, e, quando se refere a ele, escreve
‘essa gente’ — como se o classificasse tal qual Ezra Pound e não sei que outras
figuras do ‘submundo’. A reação dela talvez seja significativa; a rudeza
gratuita e impudente de Joyce fazia-a sentir-se, súbito, desesperadamente ‘uma
dama’. Mesmo assim foi perspicaz o bastante para ver que era algo digno de ser
publicado; era claro, também, que estava absolutamente além da capacidade
técnica da Hogarth Press”. Prefiro crer que Virgínia perdeu a oportunidade de
revelar “Ulysses” ao mundo por incapacidade material de sua editora e não por
inveja, embora esse fator não possa ser descartado. Quanto ao Grupo Bloomsbury,
este merece capítulo a parte, que pretendo escrever na sequência.
Acompanhe-mer pelo twitter: @bondaczuk
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