Tuesday, July 29, 2014

Versões e contradições sobre a origem

Pedro J. Bondaczuk

O aventureiro João Ramalho é, certamente, uma das figuras mais enigmáticas, misteriosas e controvertidas da História do Brasil, sobretudo da região que viria a se transformar no atual Estado de São Paulo. Certeza, mas certeza mesmo, sobre sua origem e sobre como veio parar nas terras recém-descobertas por Pedro Álvares Cabral, que viriam a se transformar no Brasil contemporâneo, creio que ninguém a tem. São várias as versões a propósito de quem foi, de onde veio e por que, entre tantas outras circunstâncias da sua vida. Num ponto, todos os historiadores concordam. É quanto ao local de nascimento. João Ramalho nasceu na cidadezinha portuguesa de Vouzela, na região do Viseu, em Beira Alta, filho de João Vieira Maldonado e de Catarina Alfonso de Balbode.

Quanto à data exata de nascimento, não se sabe com certeza. A maioria das fontes cita, apenas, o ano: 1493. Um ano, portanto, depois que o genovês Cristóvão Colombo pisou pela primeira vez em terras que viriam a ser conhecidas como América – em homenagem ao seu navegador Américo Vespúcio – o que, até hoje, causa estranheza. Por que não chamar os territórios do Novo Mundo de Columbia, ou Colômbia, ou Cristovia, ou algo que o valha, em homenagem ao verdadeiro descobridor? Há muitas teorias a respeito, mas nenhuma convincente. Mas, voltemos a João Ramalho, que é quem nos interessa.

Algumas fontes citam que ele foi casado em Portugal com uma tal de Catarina Fernandes. Informam que dessa esposa nunca mais ouviu falar, desde que Ramalho deixou a terra natal, em 1512. Não se mencionam filhos portugueses, o que conduz à dedução que não os teve em Portugal. Essas informações, todavia, suscitam muitas dúvidas, que se somam às referentes aos motivos que o levaram a deixar para sempre a terra natal. Se João Ramalho de fato desposou a citada mulher, deve tê-lo feito quando muito jovem, adolescente, quase menino. É fácil chegar a essa conclusão. Se ele partiu, embarcado como marinheiro, em um navio mercante, em 1512 e se nasceu em 1493, estaria na oportunidade da saída do país com 19 anos de idade. Supondo que tenha vivido algum tempo com a esposa, é possível que tenha se casado (se é que se casou mesmo) por volta dos dezesseis ou, no máximo, dezessete anos.

Tenho, todavia, minhas dúvidas sobre as citadas datas. É possível que os historiadores tenham chegado a essa conclusão face ao registro dos jesuítas referente à ocasião da morte de João Ramalho. O aventureiro teria morrido em 1580 (e novamente não se menciona dia e nem mês) aos 87 anos. Provavelmente, foi ele mesmo quem informou a idade que teria. Mas seria essa mesmo? Será que um sujeito bronco, inculto, selvagem, totalmente analfabeto tinha tirocínio para saber pelo menos quantos anos, de fato, tinha? Se preocupava com isso em plena selva? É plausível que um sujeito que levou vida tão rústica e primitiva, totalmente sem recursos sanitários e médicos, enfrentando tantas guerras e privações, tenha vivido tanto tempo? Não acredito! Para mim, é absolutamente inverossímil.

Mas quem, de fato, foi esse polêmico e misterioso João Ramalho? Raimundo de Menezes, em seu livro “Aconteceu na velha São Paulo” (Coleção Saraiva, 1964) especulou a respeito. E manifestou as mesmas dúvidas que vários historiadores antes e depois dele sempre tiveram e ainda têm e que são, igualmente, as minhas. Escreveu sobre nosso personagem: “Judeu degredado para uns, simples náufrago casual, para outros; precursor de Colombo na América, segundo  frei Gaspar da Madre de Deus; filho da Casa Real, no dizer de Pedro Taques (...) na opinião de Cândido Mendes, boçal e rude analfabeto; personagem pelo menos iniciado nos rudimentos da Cabala, para Horácio de Carvalho...” Afinal, quem foi esse João Ramalho?

Que seu navio naufragou na costa da futura Capitania de São Vicente, em meados de 1513, não há dúvidas. O que se questiona é a razão dele ter saído de Portugal. Foi expulso de lá por ser judeu que se recusava a se converter, ameaçado pela Inquisição? Ou foi mais um de centenas de jovens portugueses da época que resolveu deixar tudo para trás em busca de aventuras e de fortuna fácil? Isso nunca foi esclarecido. Os que especulam sobre sua suposta origem judia citam que na sua assinatura (depois de alfabetizado pelos jesuítas) João Ramalho teria passado a utilizar a letra hebraica “kaf”. Ora, ora, ora. O que isso prova (caso tenha usado mesmo)? Nada! Absolutamente nada.

Outra versão que me parece fantasiosa (ou, pelo menos, soa ilógica) é a afirmação do frei Gaspar da Madre de Deus de que ele seria “um dos primeiros europeus a pisar em terras da América”. Ora, se João Ramalho nasceu em 1493 (no que nenhuma fonte diverge) e naufragou nas costas de São Vicente em 1513, quando ele pisou em solo paulista já haviam se passado vinte e um anos depois que Colombo e seus tripulantes haviam desembarcado em solo do Caribe, um ano antes, inclusive, do aventureiro português ter sequer nascido. Outra especulação que me parece ridícula é a de que ele poderia ser membro da família real. Mesmo que se tratasse de filho bastardo de algum membro da realeza, dificilmente teria nascido na localidade obscura em que nasceu, mas sim em Lisboa ou arredores, para dizer o mínimo. Tudo o que comentei, porém, é apenas introdução sobre a vida e as peripécias desse personagem talhado para “estrelar” um bom e inesquecível romance, como pretendo detalhar na sequência.


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