Mesma terapia de anestesiar a inflação
Pedro J.
Bondaczuk
A Argentina volta a insistir na
terapia do “choque heterodoxo” para curar uma das mais graves doenças que
costumam atacar as economias mal organizadas do Terceiro Mundo, ou seja, a
inflação, retomando a prática do congelamento de preços, salários e tarifas dos
serviços públicos para tentar deter um novo surto inflacionário que ameaça
levar as taxas acumuladas deste ano à incômoda latitude dos três dígitos
novamente.
Para remédio idêntico, a sociedade
local apresenta reação igual à experiência anterior, de 14 de junho de 1985,
quando entrou em vigor o chamado “Plano Austral”. Os atacadistas acusam o
governo de ter congelado seus produtos no patamar mínimo. Os varejistas
denunciam, por sua vez, seus fornecedores de cobrarem nos limites da tabela
(quando não bem acima dela, através da nefasta prática daquilo que ficou
conhecido entre nós como “ágio”) pulverizando sua margem de lucros e os
trabalhadores, para não ficarem de fora desse jogo de perde e ganha, na maior
parte das vezes simulado, juram que seus salários foram, mais uma vez,
penalizados.
As autoridades econômicas
argentinas, contudo, vêem essa medida como a única solução para evitar que o
país torne a cair numa hiperinflação. Se formos fazer uma comparação, iremos
constatar que o congelamento na Argentina deu mais certo, quando da sua
primeira tentativa, do que o efetuado entre nós. Pelo menos, eles não tiveram,
em tão grande escala, o espetáculo deprimente do desabastecimento, como o verificado
até poucos dias atrás no Brasil.
Acontece que os argentinos são tradicionais
exportadores de alimentos, pelo menos daqueles que tanto nos faltam e que
forçaram nossas autoridades a se desfazer de preciosas divisas para importar. A
pecuária deles é suficiente para dotar esse país de condições de consumo
invejáveis e ainda assim competir com grandes exportadores no mercado
internacional.
Trigo e soja eles têm em
abundância e em virtude de uma superprodução nas duas últimas safras, estão com
seus silos abarrotados de grãos. Em termos de frutas, nossos irmãos do Sul
também são auto-suficientes e eméritos vendedores.
Portanto, mesmo “forçando a
barra”, não é fácil tentar impingir às suas autoridades econômicas o
desabastecimento como forma de pressão para tentar derrubar tais medidas (de
congelamento), como se verificou, desgraçadamente, com a maior das facilidades,
entre nós.
O que se questiona é se este seria o método mais adequado
para se evitar uma hiperinflação; se não seria mais coerente o governo de
autolimitar, e moderar o seu apetite por dinheiro. Porque no Brasil, apesar de
todos terem uma parcela de culpa pelo fracasso do Plano Cruzado, o pecado maior
deve ser creditado àquele que deveria ter dado o exemplo de austeridade, mas
que, para não perder popularidade, continuou inchando a emperrada máquina do
funcionalismo (afinal, em ano de eleição, todas as armas são válidas), com os
malfadados “trens da alegria”, gastando mais do que tinha e com isso acordando,
com o ronco de sua insaciável fome por dinheiro, o adormecido monstro da
inflação.
Anestesiar, portanto, não
resolve. O que é preciso é manietar a fera de uma vez. E isto, plano algum
conseguiu fazer nesta pobre e atabalhoada América Latina.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 5
de março de 1987).
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