Saturday, July 05, 2014

Mesma terapia de anestesiar a inflação


Pedro J. Bondaczuk


A Argentina volta a insistir na terapia do “choque heterodoxo” para curar uma das mais graves doenças que costumam atacar as economias mal organizadas do Terceiro Mundo, ou seja, a inflação, retomando a prática do congelamento de preços, salários e tarifas dos serviços públicos para tentar deter um novo surto inflacionário que ameaça levar as taxas acumuladas deste ano à incômoda latitude dos três dígitos novamente.

Para remédio idêntico, a sociedade local apresenta reação igual à experiência anterior, de 14 de junho de 1985, quando entrou em vigor o chamado “Plano Austral”. Os atacadistas acusam o governo de ter congelado seus produtos no patamar mínimo. Os varejistas denunciam, por sua vez, seus fornecedores de cobrarem nos limites da tabela (quando não bem acima dela, através da nefasta prática daquilo que ficou conhecido entre nós como “ágio”) pulverizando sua margem de lucros e os trabalhadores, para não ficarem de fora desse jogo de perde e ganha, na maior parte das vezes simulado, juram que seus salários foram, mais uma vez, penalizados.

As autoridades econômicas argentinas, contudo, vêem essa medida como a única solução para evitar que o país torne a cair numa hiperinflação. Se formos fazer uma comparação, iremos constatar que o congelamento na Argentina deu mais certo, quando da sua primeira tentativa, do que o efetuado entre nós. Pelo menos, eles não tiveram, em tão grande escala, o espetáculo deprimente do desabastecimento, como o verificado até poucos dias atrás no Brasil.

Acontece  que os argentinos são tradicionais exportadores de alimentos, pelo menos daqueles que tanto nos faltam e que forçaram nossas autoridades a se desfazer de preciosas divisas para importar. A pecuária deles é suficiente para dotar esse país de condições de consumo invejáveis e ainda assim competir com grandes exportadores no mercado internacional.

Trigo e soja eles têm em abundância e em virtude de uma superprodução nas duas últimas safras, estão com seus silos abarrotados de grãos. Em termos de frutas, nossos irmãos do Sul também são auto-suficientes e eméritos vendedores.

Portanto, mesmo “forçando a barra”, não é fácil tentar impingir às suas autoridades econômicas o desabastecimento como forma de pressão para tentar derrubar tais medidas (de congelamento), como se verificou, desgraçadamente, com a maior das facilidades, entre nós.

O que se questiona é se este seria o método mais adequado para se evitar uma hiperinflação; se não seria mais coerente o governo de autolimitar, e moderar o seu apetite por dinheiro. Porque no Brasil, apesar de todos terem uma parcela de culpa pelo fracasso do Plano Cruzado, o pecado maior deve ser creditado àquele que deveria ter dado o exemplo de austeridade, mas que, para não perder popularidade, continuou inchando a emperrada máquina do funcionalismo (afinal, em ano de eleição, todas as armas são válidas), com os malfadados “trens da alegria”, gastando mais do que tinha e com isso acordando, com o ronco de sua insaciável fome por dinheiro, o adormecido monstro da inflação.

Anestesiar, portanto, não resolve. O que é preciso é manietar a fera de uma vez. E isto, plano algum conseguiu fazer nesta pobre e atabalhoada América Latina.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 5 de março de 1987).


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