Arte
como profissão
Pedro J. Bondaczuk
O escritor russo, Máximo Gorki
(pseudônimo que adotou para ludibriar as autoridades czaristas do seu país, que
o perseguiam, implacavelmente, dado seu ativismo ideológico como adepto do
comunismo e cujo nome verdadeiro era Alexei Maximovic Peshkov) colocou a
seguinte afirmação na boca de um de seus personagens, no conto “Konoválov”:
“Com a poesia dá-se o mesmo que acontece com todas as outras coisas: ela perde
a singeleza sagrada, tão logo se transforma em profissão”. Isso traz à baila a
velha questão sobre a finalidade e o destino da arte.
Há quem defenda uma espécie de
sacralidade no seu exercício e que descambe para o exagero de condenar quem
busque ganhar dinheiro com a produção artística. Claro que a Literatura e a
poesia (caso específico da constatação de Gorki), não são coisas que possam ser
“fabricadas” em série, como produto
industrial qualquer, numa rígida e planejada linha de montagem. Isso não
funciona com a arte. Não me refiro, claro, a intérpretes, como atores,
cantores, músicos ou bailarinos, mas aos criadores. Muitos artistas até
tentaram agir dessa maneira, como profissionais, que entendiam ser
“pragmática”, mas se deram mal. Principalmente porque seu objetivo específico
(e único) era o de ganhar dinheiro. E isso, claro, não funcionou. Mas daí a
condenar quem consiga a façanha de, sem perder criatividade e nem
originalidade, reunir o “útil ao agradável”, considero o exagero dos exageros,
senão enorme bobagem. Que mal há em vender minha produção artística, por
exemplo, caso haja que esteja disposto a pagar por ela? Entendo que nenhum.
O citado texto do polêmico
escritor russo (sobre o qual pretendo escrever um dia, pelos altos e baixos de
sua vida que, por si só, daria para compor um romance dos mais pitorescos e
originais), consta do livro “Os melhores contos de Máximo Gorki”, tradução de
Leonid Kipman, Boa Leitura Editora. Gosto de citar as fontes a que recorro, até
por questão de respeito a quem a produziu.. Entendo o sentido que o ilustre
ativista político quis dar à sua declaração. O poeta autêntico nunca é
“profissional” da poesia. Caso escrevesse com objetivo precípuo de ganhar
dinheiro, descaracterizaria sua arte. Seus versos, mesmo que tecnicamente
perfeitos, perderiam a espontaneidade, a sinceridade e, por extensão, a
credibilidade. A meu ver, nem seriam poesia, mas arremedo (mesmo que bem feito)
dela.
Ser poeta é condição de vida,
estado de espírito, jeito de ser e nunca profissão. É assim que entendo as
coisas. Tudo isso é válido “antes” dele compor sua obra e “durante” sua
composição. Mas se depois dela produzida e divulgada aparecer alguém disposto a
pagar por ela, não vejo mal algum em vendê-la. Afinal, ela não foi elaborada
com esse objetivo (supõe-se que não). Ademais, é enorme ilusão alguém achar que
conseguiria sobreviver como “profissional” da poesia (ou de qualquer outra arte
criativa, como pintura, música etc.). Drummond, Quintana, Bandeira, João Cabral
de Melo e Neto, entre tantos poetas consagrados e vencedores conseguiram essa
façanha. Jamais foram “profissionais” do verso. Não sei se algum deles tentou
ser. Se o fez, certamente deu com os burros n’água.
Claro que quando eu “ficar
encantado” (pois poeta não morre, se encanta, como Guimarães Rosa escreveu),
meus herdeiros poderão fazer o que bem entenderem com meus livros de poesia.
Podem, até, publicarem-nos, com intuito exclusivamente comercial, com o
objetivo de vender e, claro, de lucrar com eles. Se conseguirem essa façanha,
merecerão, no mínimo, bela medalha de ouro pelo feito. Obviamente, então, não
terei controle sobre o destino da minha produção poética. Ela tanto pode ser
totalmente destruída, sem deixar o mais leve vestígio (o que me parece, agora,
impossível, pois há poemas meus espalhados internet afora), como ser colocada
em leilão, à espera da melhor oferta. E render fortuna. Sabe-se lá! Mas...
duvido.
Quem dera que nós, escritores,
pudéssemos fazer da nossa atividade profissão!! Não podemos. Isso é impossível,
sobretudo em um país que detesta leitura (recordo que o brasileiro lê, em
média, pífios e irrisórios DOIS livros por ano). Caso houvesse essa
possibilidade, todavia, teríamos que separar muito bem as coisas. O processo de
criação teria que ser rigorosamente espontâneo, absolutamente livre, ou seja,
teríamos que produzir obras de qualidade brotadas de nossa inteligência e
sensibilidade e não o que fosse mais palatável ao mercado. Porquanto, caso nos
ativéssemos ao aspecto comercial, estaríamos produzindo subliteratura, e não
literatura. Contribuiríamos ainda mais para “emburrecer” um povo que já sente
comichões de alergia quando instado a pensar.
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