Curdistão
autônomo ainda é sonho
Pedro J. Bondaczuk
A história do Curdistão não está ligada somente ao
Iraque, embora os curdos que residem nesse país estejam atualmente em evidência
em virtude do enorme êxodo que protagonizaram, em abril passado, quando mais de
dois milhões deles empreenderam uma desesperada fuga das tropas de Saddam
Hussein, temendo represálias por seu frustrado levante ocorrido ao cabo dos 42
dias de guerra no Golfo Pérsico.
Muitos dramas até maiores do que o atual envolveram
esse povo, sem que ninguém se desse conta. O interesse atual por seu destino
prende-se exclusivamente à sutil tentativa de jogar a opinião pública mundial
contra o regime iraquiano do Partido Baath. Tão logo a poeira venha a assentar,
teme-se que sua sorte volte a cair num cômodo esquecimento, como aconteceu em
tantas outras ocasiões.
Ao contrário do que os menos informados pensam, o
território do Curdistão não se restringe somente ao Norte do Iraque. Aliás, a
maioria de sua população vive, na verdade, na Turquia, secundada pela que
habita o Sul da União Soviética. A pátria que essa etnia reivindica, caso
viesse a ser criada, abrangeria uma extensão territorial bastante ampla. Bem
maior do que as inóspitas montanhas do Norte iraquiano.
Ela sonha restabelecer seu domínio sobre a mesma
área que controlava, por exemplo, em 1566, no apogeu do Império Otomano, quando
da morte do sultão Solimão. Nessa ocasião o Curdistão ocupava terras hoje
pertencentes à União Soviética, Irã, Síria, Iraque e Turquia.
Os curdos desejam, se não a independência nacional,
o que parece irreal até para o mais sonhador de seus líderes na atualidade,
pelo menos uma autonomia, mesmo que limitada. Ao longo dos últimos cinco
séculos a região mudou, freqüentemente, de mãos. E a cada mudança, lá estava
esse povo sendo perseguido, reprimido, massacrado e fugindo para onde fosse
possível.
Em 1725, por exemplo, o Curdistão estava sendo
administrado pelo Afeganistão. Nesse ano, o xá Ashraf, um afegão que reinava
também na Pérsia (atual Irã), foi derrotado ao tentar expulsar os turcos de
parte do seu território. Em conseqüência da derrota, teve de abrir mão dessa
província, que mais uma das tantas vezes foi reincorporada ao Império Otomano.
As rebeliões curdas foram tão numerosas que sua
descrição precisaria de todo um compêndio. Todas, evidentemente, terminaram da
mesma maneira, em sangrentas repressões militares. Seu drama, portanto, é muito
mais antigo e maior do que o dos palestinos, sem que o mundo prestasse muita
atenção a ele.
Em meados do século XVIII, por exemplo, o xá persa
Nadir agiu da mesma forma que Saddam Hussein em 1987. Ou seja, sufocou, a ferro
e fogo, mais um dos tantos levantes que se verificaram no Curdistão. É claro
que a ferocidade não foi a mesma de há quatro anos. Naquele tempo não havia as
armas químicas, como as que os soldados iraquianos utilizaram durante a guerra
Irã-Iraque, principalmente contra a aldeia de Halabja, que virtualmente
desapareceu do mapa com a morte de cinco mil de seus habitantes.
As referências históricas aos curdos, todavia, estão
dispersas. Não se conhece qualquer compêndio traduzido para o português que
traga um capítulo completo abordando a luta milenar desse povo por uma pátria.
Há citações esparsas, esporádicas que precisam ser cuidadosamente pinçadas nos
textos, como se o seu empenho não tivesse passado nunca de um conjunto de meros
atos tresloucados praticados por um bando de doidos.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 11 de maio de 1991)
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