Wednesday, July 16, 2014

Curdistão autônomo ainda é sonho


Pedro J. Bondaczuk


A história do Curdistão não está ligada somente ao Iraque, embora os curdos que residem nesse país estejam atualmente em evidência em virtude do enorme êxodo que protagonizaram, em abril passado, quando mais de dois milhões deles empreenderam uma desesperada fuga das tropas de Saddam Hussein, temendo represálias por seu frustrado levante ocorrido ao cabo dos 42 dias de guerra no Golfo Pérsico.

Muitos dramas até maiores do que o atual envolveram esse povo, sem que ninguém se desse conta. O interesse atual por seu destino prende-se exclusivamente à sutil tentativa de jogar a opinião pública mundial contra o regime iraquiano do Partido Baath. Tão logo a poeira venha a assentar, teme-se que sua sorte volte a cair num cômodo esquecimento, como aconteceu em tantas outras ocasiões.

Ao contrário do que os menos informados pensam, o território do Curdistão não se restringe somente ao Norte do Iraque. Aliás, a maioria de sua população vive, na verdade, na Turquia, secundada pela que habita o Sul da União Soviética. A pátria que essa etnia reivindica, caso viesse a ser criada, abrangeria uma extensão territorial bastante ampla. Bem maior do que as inóspitas montanhas do Norte iraquiano.

Ela sonha restabelecer seu domínio sobre a mesma área que controlava, por exemplo, em 1566, no apogeu do Império Otomano, quando da morte do sultão Solimão. Nessa ocasião o Curdistão ocupava terras hoje pertencentes à União Soviética, Irã, Síria, Iraque e Turquia.

Os curdos desejam, se não a independência nacional, o que parece irreal até para o mais sonhador de seus líderes na atualidade, pelo menos uma autonomia, mesmo que limitada. Ao longo dos últimos cinco séculos a região mudou, freqüentemente, de mãos. E a cada mudança, lá estava esse povo sendo perseguido, reprimido, massacrado e fugindo para onde fosse possível.

Em 1725, por exemplo, o Curdistão estava sendo administrado pelo Afeganistão. Nesse ano, o xá Ashraf, um afegão que reinava também na Pérsia (atual Irã), foi derrotado ao tentar expulsar os turcos de parte do seu território. Em conseqüência da derrota, teve de abrir mão dessa província, que mais uma das tantas vezes foi reincorporada ao Império Otomano.

As rebeliões curdas foram tão numerosas que sua descrição precisaria de todo um compêndio. Todas, evidentemente, terminaram da mesma maneira, em sangrentas repressões militares. Seu drama, portanto, é muito mais antigo e maior do que o dos palestinos, sem que o mundo prestasse muita atenção a ele.

Em meados do século XVIII, por exemplo, o xá persa Nadir agiu da mesma forma que Saddam Hussein em 1987. Ou seja, sufocou, a ferro e fogo, mais um dos tantos levantes que se verificaram no Curdistão. É claro que a ferocidade não foi a mesma de há quatro anos. Naquele tempo não havia as armas químicas, como as que os soldados iraquianos utilizaram durante a guerra Irã-Iraque, principalmente contra a aldeia de Halabja, que virtualmente desapareceu do mapa com a morte de cinco mil de seus habitantes.

As referências históricas aos curdos, todavia, estão dispersas. Não se conhece qualquer compêndio traduzido para o português que traga um capítulo completo abordando a luta milenar desse povo por uma pátria. Há citações esparsas, esporádicas que precisam ser cuidadosamente pinçadas nos textos, como se o seu empenho não tivesse passado nunca de um conjunto de meros atos tresloucados praticados por um bando de doidos.   

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 11 de maio de 1991)


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