Sunday, July 20, 2014

Crer ou não crer em milagres

Pedro J. Bondaczuk

As leis da natureza são fixas e imutáveis. Ocorre que o homem, por mais que tenha avançado na compreensão do universo, está longe, sumamente distante, de saber de tudo. Desconfio que seu conhecimento, embora pareça enorme e assombroso, ainda seja ínfimo, incipiente, pífio diante do que há por conhecer. Boa parte do que “achamos” que sabemos, baseia-se, apenas, em hipóteses, que podem, ou não, ser confirmadas ou derrubadas, mediante comprovação (quando esta é possível), a qualquer momento. Um exemplo prático disso é o que se refere à existência ou não de buracos negros.

Tempos atrás, o físico inglês, Stephen Hawking, trouxe à baila a possibilidade de haver uma formação cósmica  com força de gravidade tão poderosa, que nada, nas suas proximidades, escaparia de sua atração: planetas, estrelas, galáxias e nem mesmo a luz. Daí o seu nome. Escreveu, se não me engano, dois livros a respeito, que se tornaram best-sellers. A teoria foi debatida por muito tempo, nas mais renomadas  esferas científicas, até que fosse aceita como algo mais do que mera hipótese. Tornou-se praticamente uma “verdade” para físicos do mundo todo.

Porém... o próprio criador dessa teoria, ou seja, Stephen Hawking, surpreendeu o mundo científico, ai9nda muito recentemente, em fins de janeiro de 2014, ao publicar, na revista “Nature” extenso artigo... negando exatamente a existência dos buracos negros, os mesmos que tempos atrás afirmou peremptoriamente existirem e que argumentou a respeito com tamanha convicção e credibilidade, que convenceu a gregos e troianos. Viram como hipóteses, mesmo as transformadas em dogmas, podem ser derrubadas num piscar de olhos?  

Da minha parte depreendo que o conhecimento humano a propósito das leis que regem a natureza ainda é, reitero, ínfimo, incipiente e pífio, embora muitos entendam que o homem já domine os mistérios da mecânica que rege o universo. Óbvio que não domina. Porém, todas as vezes em que determinada reação não condiz com a ação que a provocou, a tendência humana é a de “explicar” o supostamente inexplicável mediante um conceito que entendo vago e inconclusivo. Diz-se que, no caso, ocorreu um “milagre”. Essa palavra, a rigor, tem vários significados e sua aplicação depende da devida contextualização. Significa determinada coisa para uns e outra, não raro diametralmente oposta, para outros. Esse é outro tema que me fascina e me induz à constante reflexão, sem que até aqui tenha chegado a qualquer conclusão. Talvez ela não exista ou seja impossível, sabe-´se lá.

O Dicionário Michaelis de Língua Portuguesa (online) traz as seguintes conotações para “milagre”: “sm (lat miraculu) 1 Fato que se atribui a uma causa sobrenatural. 2 Teol Algo de difícil e insólito, que ultrapassa o poder da natureza e a previsão dos espectadores (Santo Tomás). 3 Coisa admirável pela sua grandeza ou perfeição; maravilha. 4 Fato que, pela raridade, causa grande admiração. 5 Intervenção sobrenatural. 6 Efeito cuja causa escapa à razão humana. 7 pop Figura em madeira ou cera, oferecida aos santos, em cumprimento de um voto”.

Como se vê, a existência ou não desse fenômeno, dessa “abolição” de alguma lei da natureza, depende do contexto que estivermos tratando. Para o genial escritor alemão, Johann Wolfgang Goethe, “o milagre é fruto predileto da fé”. Ou seja, existe, a despeito de explicações científicas, para quem crê que exista. Já para o cético... Mas o poeta germânico, em outro dos seus inspirados textos, contesta sua relevância ao escrever que “as pessoas felizes não acreditam em milagres”. Por que? Porque não precisam deles para viver da forma que lhes satisfaça e conserve seu estado de felicidade. O escritor austríaco, Erich-Marie Remarque, indiretamente justifica a opinião de Goethe ao escrever: “No desespero e no perigo, as pessoas aprendem a acreditar no milagre”. Ou seja, crêem, mas somente quando no auge da infelicidade.

Anatole France, por seu turno, atribui essa crença à falta de entendimento das leis que regem a natureza, com o que concordo. Escreve: “Definem-nos o milagre como abolição das leis da natureza. Não as conhecemos. Como saberíamos então que um fato as abole?" Sim, como saberíamos? Os que não creem em milagres, para mim, são céticos, apenas, porque não atentam para a natureza. A cada fração de segundo, a vida se renova, de forma fantástica e miraculosa, e se manifesta onde jamais supúnhamos fosse possível. Basta atentar para o que ocorre ao nosso redor. A própria existência da Terra, com a distância ideal do Sol – nem próxima demais para ser tórrida, como Mercúrio e Vênus, e nem distante em demasia, para ser gélida, como ocorre com Marte – é magnífico milagre. Ou não é? E mais ainda, a existência da Lua, rigorosamente onde ela está – nem mais próxima e nem mais distante – igualmente é milagrosa.

Entendo milagre, pois, não como algo sobrenatural, mas como a própria lei, inflexível e imutável, que rege a natureza. Para mim, isso é muito mais miraculoso do que a transformação de água em vinho ou do que a súbita cura de alguém julgado incurável. Nesses dois casos, existem explicações lógicas, basta que sejam devidamente procuradas. Mas as leis da natureza... são o milagre dos milagres. O poeta italiano, Salvatore Quasimodo, diz isso com graça e beleza, neste poema “Águas e terras”:

“E eis que do tronco
rompem-se os brotos:
um verde mais novo da relva
que o coração acalma:
o tronco parecia já morto,
vergado no barranco.
E tudo me sabe a milagres,
e eu sou aquela água de nuvens
que hoje reflete nas poças
mais azul seu pedaço de céu,
aquele verde que se racha da casca
e que tampouco ontem à noite existia”.


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