Crer
ou não crer em milagres
Pedro J. Bondaczuk
As leis da natureza são fixas e
imutáveis. Ocorre que o homem, por mais que tenha avançado na compreensão do
universo, está longe, sumamente distante, de saber de tudo. Desconfio que seu
conhecimento, embora pareça enorme e assombroso, ainda seja ínfimo, incipiente,
pífio diante do que há por conhecer. Boa parte do que “achamos” que sabemos,
baseia-se, apenas, em hipóteses, que podem, ou não, ser confirmadas ou
derrubadas, mediante comprovação (quando esta é possível), a qualquer momento.
Um exemplo prático disso é o que se refere à existência ou não de buracos
negros.
Tempos atrás, o físico inglês,
Stephen Hawking, trouxe à baila a possibilidade de haver uma formação
cósmica com força de gravidade tão
poderosa, que nada, nas suas proximidades, escaparia de sua atração: planetas,
estrelas, galáxias e nem mesmo a luz. Daí o seu nome. Escreveu, se não me
engano, dois livros a respeito, que se tornaram best-sellers. A teoria foi
debatida por muito tempo, nas mais renomadas
esferas científicas, até que fosse aceita como algo mais do que mera
hipótese. Tornou-se praticamente uma “verdade” para físicos do mundo todo.
Porém... o próprio criador dessa
teoria, ou seja, Stephen Hawking, surpreendeu o mundo científico, ai9nda muito
recentemente, em fins de janeiro de 2014, ao publicar, na revista “Nature”
extenso artigo... negando exatamente a existência dos buracos negros, os mesmos
que tempos atrás afirmou peremptoriamente existirem e que argumentou a respeito
com tamanha convicção e credibilidade, que convenceu a gregos e troianos. Viram
como hipóteses, mesmo as transformadas em dogmas, podem ser derrubadas num
piscar de olhos?
Da minha parte depreendo que o
conhecimento humano a propósito das leis que regem a natureza ainda é, reitero,
ínfimo, incipiente e pífio, embora muitos entendam que o homem já domine os
mistérios da mecânica que rege o universo. Óbvio que não domina. Porém, todas
as vezes em que determinada reação não condiz com a ação que a provocou, a
tendência humana é a de “explicar” o supostamente inexplicável mediante um
conceito que entendo vago e inconclusivo. Diz-se que, no caso, ocorreu um
“milagre”. Essa palavra, a rigor, tem vários significados e sua aplicação
depende da devida contextualização. Significa determinada coisa para uns e
outra, não raro diametralmente oposta, para outros. Esse é outro tema que me
fascina e me induz à constante reflexão, sem que até aqui tenha chegado a
qualquer conclusão. Talvez ela não exista ou seja impossível, sabe-´se lá.
O Dicionário Michaelis de Língua
Portuguesa (online) traz as seguintes conotações para “milagre”: “sm (lat miraculu) 1 Fato que se
atribui a uma causa sobrenatural. 2 Teol Algo de difícil e insólito, que
ultrapassa o poder da natureza e a previsão dos espectadores (Santo Tomás). 3
Coisa admirável pela sua grandeza ou perfeição; maravilha. 4 Fato que, pela
raridade, causa grande admiração. 5 Intervenção sobrenatural. 6 Efeito cuja
causa escapa à razão humana. 7 pop Figura em madeira ou cera, oferecida aos
santos, em cumprimento de um voto”.
Como se vê, a existência ou não desse fenômeno, dessa
“abolição” de alguma lei da natureza, depende do contexto que estivermos
tratando. Para o genial escritor alemão, Johann Wolfgang Goethe, “o milagre é
fruto predileto da fé”. Ou seja, existe, a despeito de explicações científicas,
para quem crê que exista. Já para o cético... Mas o poeta germânico, em outro
dos seus inspirados textos, contesta sua relevância ao escrever que “as pessoas
felizes não acreditam em milagres”. Por que? Porque não precisam deles para
viver da forma que lhes satisfaça e conserve seu estado de felicidade. O
escritor austríaco, Erich-Marie Remarque, indiretamente justifica a opinião de
Goethe ao escrever: “No desespero e no perigo, as pessoas aprendem a acreditar
no milagre”. Ou seja, crêem, mas somente quando no auge da infelicidade.
Anatole France, por seu turno, atribui essa crença à falta
de entendimento das leis que regem a natureza, com o que concordo. Escreve:
“Definem-nos o milagre como abolição das leis da natureza. Não as conhecemos.
Como saberíamos então que um fato as abole?" Sim, como saberíamos? Os
que não creem em milagres, para mim, são céticos, apenas, porque não atentam
para a natureza. A cada fração de segundo, a vida se renova, de forma
fantástica e miraculosa, e se manifesta onde jamais supúnhamos fosse possível.
Basta atentar para o que ocorre ao nosso redor. A própria existência da Terra,
com a distância ideal do Sol – nem próxima demais para ser tórrida, como
Mercúrio e Vênus, e nem distante em demasia, para ser gélida, como ocorre com
Marte – é magnífico milagre. Ou não é? E mais ainda, a existência da Lua,
rigorosamente onde ela está – nem mais próxima e nem mais distante – igualmente
é milagrosa.
Entendo milagre, pois, não como
algo sobrenatural, mas como a própria lei, inflexível e imutável, que rege a
natureza. Para mim, isso é muito mais miraculoso do que a transformação de água
em vinho ou do que a súbita cura de alguém julgado incurável. Nesses dois casos,
existem explicações lógicas, basta que sejam devidamente procuradas. Mas as
leis da natureza... são o milagre dos milagres. O poeta italiano, Salvatore
Quasimodo, diz isso com graça e beleza, neste poema “Águas e terras”:
“E eis que do tronco
rompem-se os brotos:
um verde mais novo da relva
que o coração acalma:
o tronco parecia já morto,
vergado no barranco.
E tudo me sabe a milagres,
e eu sou aquela água de nuvens
que hoje reflete nas poças
mais azul seu pedaço de céu,
aquele verde que se racha da casca
e que tampouco ontem à noite existia”.
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