Legitimação dos sandinistas
Pedro J. Bondaczuk
As recentes eleições,
realizadas no dia 4 passado, na Nicarágua, foram insistentemente classificadas
por vários setores do governo norte-americano como sendo “uma farsa”, uma
“pantomima” e com outras caracterizações mais, todas elas depreciativas a esse
processo. E a ira da Casa Branca, segundo seus porta-vozes deram a entender,
deveu-se à não participação da oposição nicaragüense, o que, no seu entender,
invalidaria, ou daria características ilegítimas a esse pleito.
Há
algumas considerações que se tornam forçosas de se fazer em torno dessas
denúncias. Em primeiro lugar, é preciso destacar que os ausentes das urnas
deixaram de competir exclusivamente por decisão própria e não por qualquer
impedimento legal partido do regime sandinista. Isso não foi contestado por
Washington.
Os
opositores, certamente saudosos das benesses que gozavam durante o regime do
clã dos Somozas, quiseram (se de forma deliberada ou não é caso para se
discutir) impor determinadas condições, algumas inviáveis, para a efetivação da
votação, quando obviamente eles não estavam em posição de fazer isso.
Em
segundo lugar, e os resultados oficiais das eleições confirmam (e estes,
também, em momento algum foram contestados pelos EUA), se Arturo Cruz e outros
postulantes à Presidência tivessem entrado na disputa, sofreriam uma derrota
fragorosa e vexatória.
Senão,
vejamos. Dos cerca de 1,2 milhão de nicaragüenses aptos para votar, 1,17 milhão
compareceram às urnas. A abstenção, portanto, foi ínfima. Desse total de
eleitores, apenas 71.209 anularam seus votos ou votaram em branco. Quantidade
simplesmente irrisória!
Não
se concebe, porém, que os partidários de Arturo Cruz (e de outros
oposicionistas) fossem tão volúveis, politicamente, que a simples ausência de
seu candidato, sem respeitarem programas ou plataformas de governo tão
distintos, votassem maciçamente na Frente Sandinista. O mais lógico seria que
eles anulassem seus votos ou votassem em branco, não é mesmo? Mas não o
fizeram.
Outro
mito que precisa ser derrubado é quanto ao caráter do regime nicaragüense,
pintado com cores fortes como preposto de Moscou e como uma cópia fiel do
instalado em Cuba desde 1959. Há algumas diferenças, contudo, forçosas de se
ressaltar.
Fidel
Castro, em 25 anos de poder, jamais convocou seu povo para manifestar-se
eleitoralmente, como fizeram os sandinistas. Mesmo que o pleito da Nicarágua
tenha sido “vicioso”, o que ninguém de bom senso acredita, seis partidos
disputaram a Presidência, e não apenas o que está no poder. E, o que é mais
notável, o Partido Comunista nicaragüense, abertamente pró-Moscou, foi
praticamente “fulminado” nas urnas, ao obter ridículo 1% de apoio, ou seja,
pouco mais de dez mil votos.
Nada
há, portanto, que impeça que os sandinistas sejam considerados, daqui por
diante, os donos legítimos do poder. Legitimidade essa, aliás, que lhes foi
conferida por 67% do povo da Nicarágua. Ou será que a voz das urnas vale apenas
para os EUA?
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de novembro de
1984).
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