Friday, July 25, 2014

Legitimação dos sandinistas


Pedro J. Bondaczuk


As recentes eleições, realizadas no dia 4 passado, na Nicarágua, foram insistentemente classificadas por vários setores do governo norte-americano como sendo “uma farsa”, uma “pantomima” e com outras caracterizações mais, todas elas depreciativas a esse processo. E a ira da Casa Branca, segundo seus porta-vozes deram a entender, deveu-se à não participação da oposição nicaragüense, o que, no seu entender, invalidaria, ou daria características ilegítimas a esse pleito.

Há algumas considerações que se tornam forçosas de se fazer em torno dessas denúncias. Em primeiro lugar, é preciso destacar que os ausentes das urnas deixaram de competir exclusivamente por decisão própria e não por qualquer impedimento legal partido do regime sandinista. Isso não foi contestado por Washington.

Os opositores, certamente saudosos das benesses que gozavam durante o regime do clã dos Somozas, quiseram (se de forma deliberada ou não é caso para se discutir) impor determinadas condições, algumas inviáveis, para a efetivação da votação, quando obviamente eles não estavam em posição de fazer isso.

Em segundo lugar, e os resultados oficiais das eleições confirmam (e estes, também, em momento algum foram contestados pelos EUA), se Arturo Cruz e outros postulantes à Presidência tivessem entrado na disputa, sofreriam uma derrota fragorosa e vexatória.

Senão, vejamos. Dos cerca de 1,2 milhão de nicaragüenses aptos para votar, 1,17 milhão compareceram às urnas. A abstenção, portanto, foi ínfima. Desse total de eleitores, apenas 71.209 anularam seus votos ou votaram em branco. Quantidade simplesmente irrisória!

Não se concebe, porém, que os partidários de Arturo Cruz (e de outros oposicionistas) fossem tão volúveis, politicamente, que a simples ausência de seu candidato, sem respeitarem programas ou plataformas de governo tão distintos, votassem maciçamente na Frente Sandinista. O mais lógico seria que eles anulassem seus votos ou votassem em branco, não é mesmo? Mas não o fizeram.

Outro mito que precisa ser derrubado é quanto ao caráter do regime nicaragüense, pintado com cores fortes como preposto de Moscou e como uma cópia fiel do instalado em Cuba desde 1959. Há algumas diferenças, contudo, forçosas de se ressaltar.

Fidel Castro, em 25 anos de poder, jamais convocou seu povo para manifestar-se eleitoralmente, como fizeram os sandinistas. Mesmo que o pleito da Nicarágua tenha sido “vicioso”, o que ninguém de bom senso acredita, seis partidos disputaram a Presidência, e não apenas o que está no poder. E, o que é mais notável, o Partido Comunista nicaragüense, abertamente pró-Moscou, foi praticamente “fulminado” nas urnas, ao obter ridículo 1% de apoio, ou seja, pouco mais de dez mil votos.

Nada há, portanto, que impeça que os sandinistas sejam considerados, daqui por diante, os donos legítimos do poder. Legitimidade essa, aliás, que lhes foi conferida por 67% do povo da Nicarágua. Ou será que a voz das urnas vale apenas para os EUA?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de novembro de 1984).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: