Friday, July 18, 2014

O bem e o mal

Pedro J. Bondaczuk

A noção sobre o bem e o mal, pelo menos a primaríssima e elementar, é uma das primeiras lições que nos são transmitidas mesmo quando não temos sequer a capacidade de entender coisa alguma, quando recém começamos a engatinhar e tentar compreender o mundo em que estamos e tudo o que nos rodeia. Aprendemos que não podemos, por exemplo, nos apossar de algum brinquedo que pertença ao irmãozinho ou irmãzinha; que não devemos bater em outra pessoa quando estamos zangados e outras tantas coisas triviais, que nos são incutidas pelos pais, sem que as possamos apreender racionalmente.

O engraçado (se não trágico) é que alguns desses ensinamentos nos são transmitidos pelo oposto do que quem nos ensina desejaria. Por exemplo, para nos ensinar que não devemos “bater nos outros”, nos dão algumas palmadas. Ou seja, batem-nos. É uma enorme contradição. A mente infantil, ainda em formação, certamente fica confusa. Pudera. E seguimos a vida toda sendo ensinados a fazer essa distinção e, principalmente, a praticarmos o bem e evitarmos o mal. Tais ensinamentos, porém, raramente são acompanhados de exemplos.

Não há como não ficarmos chocados ao sabermos que determinado professor, ou sacerdote, que nos transmitiu lições de moral, sobre o certo e o errado, foi surpreendido abusando sexualmente de menores. E isso é, infelizmente, muito mais comum do que se pensa. Nesses casos, quem se propõe a nos transmitir noções do bem, não dá o devido exemplo e, pelo contrário, esmera-se na prática do mal. Este é um exemplo extremo, eu sei, mas há muitos e muitos outros./
  
Quase sempre, quem pretende nos incutir a idéia de que agredir quem quer que seja é condenável, o faz mediante agressão (física e/ou moral, não importa)  Concluo que pouquíssimas pessoas têm noção exata desses conceitos antagônicos. Têm remotas informações primárias, as óbvias, mas desconhecem sua profundidade e extensão. Confesso que também tenho lá minhas dúvidas a propósito, a despeito da experiência que os muitos anos vividos me conferem.

O bem e o mal, portanto, duelam, sem cessar, no fundo da nossa mente (quer no plano consciente, quer no sub e no inconsciente), desde o momento em que tomamos consciência de nós mesmos e do mundo que nos cerca, até o instante da absoluta inconsciência, que é a morte. Nem sempre, contudo, um e outro se manifestam em atos. Mas estão lá, adormecidos, esperando apenas uma oportunidade para se manifestar. E ambos, conforme as circunstâncias e ocasiões, manifestam-se de fato, e quando menos esperamos, surpreendendo não só quem acreditava nos conhecer, mas, principalmente, a nós próprios.

Todas nossas atividades intelectuais, ou seja, as artes, a filosofia e a religião, são diretamente determinadas por essa incessante competição. Não há romance, conto, novela, peça teatral e roteiro de cinema que não trate, de uma forma ou de outra, de bondade e de maldade. Não conheço um único enredo que não tenha o sujeito bonzinho tentando se livrar das maldades cometidas pelo vilão. Na ficção, salvo raríssimas exceções, o bem finda por prevalecer e o mal é derrotado. O herói, de conduta exemplar, depois de sofrer muito, conquista o que deseja – geralmente a mulher ideal que o faz feliz “para sempre” – e o sujeito mau termina preso, ou exilado ou, na maior parte dos casos, morto. Mas a vida não é assim. Não, pelo menos, na maior parte dos casos. Caso existam exceções, estas são ínfimas.

Ademais, pelo que aprendi pela experiência, ao longo da minha vida, não há pessoas completamente boas, que jamais tenham praticado atos condenáveis, ou pelo menos pensado neles, e nem as totalmente ruins, que nunca tenham sentido piedade por alguém e nem ajudado quem precisava em circunstâncias difíceis. O escritor John  Steinbeck, no livro “A Leste do Éden”, levanta uma pitoresca questão a propósito, na qual eu não havia cogitado. Sugere que, intrinsecamente, somos, até por instinto, bons e virtuosos. O mal, por seu turno, na visão do romancista, precisa, a todo o momento, ser ressuscitado, quando não reinventado. Já a virtude é, rigorosamente, a mesma desde que o homem aprendeu a pensar e a se relacionar com o próximo.

Não concordo (não, pelo menos, integralmente) com essas colocações, embora admita que possam ter algum fundo de verdade. O quanto é o que não consigo atinar. O desencanto e o ceticismo que se apossam da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez, egoísmo, exacerbado individualismo e, sobretudo, violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos.  Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são cercados de descrédito. Ou são envolvidos em suspeitas de serem motivados por algum interesse escuso. Ou, na melhor das hipóteses, logo são depreciados sob qualquer outro argumento que não os que citei.

Exagero meu? Observem o que se passa ao seu redor e concluirão, sem nenhum esforço, que é assim que as coisas são. Vários escritores trataram dessa questão e o consenso é raro, para não dizer inexistente. O filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, por exemplo, entende que o mal é necessário ao homem, para poder alcançar o bem. Será? Não digo que sim, nem que não. Reitero, não tenho opinião totalmente formada sobre esses dois conceitos antagônicos, a não ser aqueles princípios primários e óbvios. Nietzsche escreveu a propósito: “O homem precisa daquilo que em si há de pior se pretende alcançar o que nele existe de melhor”. Já o escritor português, Eugênio Andrade, segue mais ou menos a linhas de John Steinbeck e acentua: “O mal é a ausência do homem no homem”.

William Shakespeare, todavia, apresenta opinião no mínimo pitoresca. Nega, a priori, maldade e bondade. Afirma: “Não existe o bom ou o mau. É o pensamento que os faz assim”.  Se o genial dramaturgo pensou em termos absolutos, concordo com ele. Afinal, jamais conheci quem fosse absolutamente bom (não tive o privilégio de conviver com nenhum santo) e nem quem fosse, apenas, “poço sem fundo de maldade”. E olhem que conheci sujeitos perversos, cujo maior prazer na vida era prejudicar terceiros e lhes infligir os piores sofrimentos. Mas, mesmo nestes, havia “ligeiras” pitadinhas de bondade. Ademais, ninguém conhece ninguém de fato. Sequer nos conhecemos adequadamente, quanto mais aos outros.

De todas as opiniões que colhi – e que cito, aqui, a título de ilustração – a que considero mais lúcida e mais de acordo com minhas observações pessoais, é a de José Saramago. O escritor, único de língua portuguesa a conquistar um Prêmio Nobel de Literatura, escreveu: "O ser humano não é intrinsecamente bom nem mau. O que verifico é que a bondade é mais difícil de alcançar e de exercer. E bem e mal são conceitos demasiado amplos. É mais fácil ser mau, mau nas suas formas menores, mau em tudo aquilo que nos afasta do outro, do que ser bom". Como se vê, o tema é muito amplo e polêmico. Oportunamente, voltarei a abordá-lo.


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