O
bem e o mal
Pedro J. Bondaczuk
A
noção sobre o bem e o mal, pelo menos a primaríssima e elementar, é uma das
primeiras lições que nos são transmitidas mesmo quando não temos sequer a
capacidade de entender coisa alguma, quando recém começamos a engatinhar e
tentar compreender o mundo em que estamos e tudo o que nos rodeia. Aprendemos
que não podemos, por exemplo, nos apossar de algum brinquedo que pertença ao
irmãozinho ou irmãzinha; que não devemos bater em outra pessoa quando estamos
zangados e outras tantas coisas triviais, que nos são incutidas pelos pais, sem
que as possamos apreender racionalmente.
O
engraçado (se não trágico) é que alguns desses ensinamentos nos são
transmitidos pelo oposto do que quem nos ensina desejaria. Por exemplo, para
nos ensinar que não devemos “bater nos outros”, nos dão algumas palmadas. Ou
seja, batem-nos. É uma enorme contradição. A mente infantil, ainda em formação,
certamente fica confusa. Pudera. E seguimos a vida toda sendo ensinados a fazer
essa distinção e, principalmente, a praticarmos o bem e evitarmos o mal. Tais
ensinamentos, porém, raramente são acompanhados de exemplos.
Não
há como não ficarmos chocados ao sabermos que determinado professor, ou
sacerdote, que nos transmitiu lições de moral, sobre o certo e o errado, foi
surpreendido abusando sexualmente de menores. E isso é, infelizmente, muito
mais comum do que se pensa. Nesses casos, quem se propõe a nos transmitir
noções do bem, não dá o devido exemplo e, pelo contrário, esmera-se na prática
do mal. Este é um exemplo extremo, eu sei, mas há muitos e muitos outros./
Quase
sempre, quem pretende nos incutir a idéia de que agredir quem quer que seja é
condenável, o faz mediante agressão (física e/ou moral, não importa) Concluo que pouquíssimas pessoas têm noção
exata desses conceitos antagônicos. Têm remotas informações primárias, as
óbvias, mas desconhecem sua profundidade e extensão. Confesso que também tenho
lá minhas dúvidas a propósito, a despeito da experiência que os muitos anos
vividos me conferem.
O
bem e o mal, portanto, duelam, sem cessar, no fundo da nossa mente (quer no
plano consciente, quer no sub e no inconsciente), desde o momento em que
tomamos consciência de nós mesmos e do mundo que nos cerca, até o instante da
absoluta inconsciência, que é a morte. Nem sempre, contudo, um e outro se
manifestam em atos. Mas
estão lá, adormecidos, esperando apenas uma oportunidade para se manifestar. E
ambos, conforme as circunstâncias e ocasiões, manifestam-se de fato, e quando
menos esperamos, surpreendendo não só quem acreditava nos conhecer, mas,
principalmente, a nós próprios.
Todas
nossas atividades intelectuais, ou seja, as artes, a filosofia e a religião,
são diretamente determinadas por essa incessante competição. Não há romance,
conto, novela, peça teatral e roteiro de cinema que não trate, de uma forma ou
de outra, de bondade e de maldade. Não conheço um único enredo que não tenha o
sujeito bonzinho tentando se livrar das maldades cometidas pelo vilão. Na
ficção, salvo raríssimas exceções, o bem finda por prevalecer e o mal é
derrotado. O herói, de conduta exemplar, depois de sofrer muito, conquista o
que deseja – geralmente a mulher ideal que o faz feliz “para sempre” – e o
sujeito mau termina preso, ou exilado ou, na maior parte dos casos, morto. Mas
a vida não é assim. Não, pelo menos, na maior parte dos casos. Caso existam
exceções, estas são ínfimas.
Ademais,
pelo que aprendi pela experiência, ao longo da minha vida, não há pessoas
completamente boas, que jamais tenham praticado atos condenáveis, ou pelo menos
pensado neles, e nem as totalmente ruins, que nunca tenham sentido piedade por
alguém e nem ajudado quem precisava em circunstâncias difíceis. O escritor
John Steinbeck, no livro “A Leste do
Éden”, levanta uma pitoresca questão a propósito, na qual eu não havia
cogitado. Sugere que, intrinsecamente, somos, até por instinto, bons e
virtuosos. O mal, por seu turno, na visão do romancista, precisa, a todo o
momento, ser ressuscitado, quando não reinventado. Já a virtude é,
rigorosamente, a mesma desde que o homem aprendeu a pensar e a se relacionar
com o próximo.
Não
concordo (não, pelo menos, integralmente) com essas colocações, embora admita
que possam ter algum fundo de verdade. O quanto é o que não consigo atinar. O
desencanto e o ceticismo que se apossam da maioria das pessoas, nestes tempos
loucos de insensatez, egoísmo, exacerbado individualismo e, sobretudo,
violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de
bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são
poucos), passam despercebidos. Ou são
ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são cercados de descrédito. Ou
são envolvidos em suspeitas de serem motivados por algum interesse escuso. Ou,
na melhor das hipóteses, logo são depreciados sob qualquer outro argumento que
não os que citei.
Exagero
meu? Observem o que se passa ao seu redor e concluirão, sem nenhum esforço, que
é assim que as coisas são. Vários escritores trataram dessa questão e o
consenso é raro, para não dizer inexistente. O filósofo alemão, Friedrich
Nietzsche, por exemplo, entende que o mal é necessário ao homem, para poder
alcançar o bem. Será? Não digo que sim, nem que não. Reitero, não tenho opinião
totalmente formada sobre esses dois conceitos antagônicos, a não ser aqueles
princípios primários e óbvios. Nietzsche escreveu a propósito: “O homem precisa
daquilo que em si há de pior se pretende alcançar o que nele existe de melhor”.
Já o escritor português, Eugênio Andrade, segue mais ou menos a linhas de John
Steinbeck e acentua: “O mal é a ausência do homem no homem”.
William
Shakespeare, todavia, apresenta opinião no mínimo pitoresca. Nega, a priori,
maldade e bondade. Afirma: “Não existe o bom ou o mau. É o pensamento que os
faz assim”. Se o genial dramaturgo
pensou em termos absolutos, concordo com ele. Afinal, jamais conheci quem fosse
absolutamente bom (não tive o privilégio de conviver com nenhum santo) e nem
quem fosse, apenas, “poço sem fundo de maldade”. E olhem que conheci sujeitos
perversos, cujo maior prazer na vida era prejudicar terceiros e lhes infligir
os piores sofrimentos. Mas, mesmo nestes, havia “ligeiras” pitadinhas de
bondade. Ademais, ninguém conhece ninguém de fato. Sequer nos conhecemos
adequadamente, quanto mais aos outros.
De
todas as opiniões que colhi – e que cito, aqui, a título de ilustração – a que
considero mais lúcida e mais de acordo com minhas observações pessoais, é a de
José Saramago. O escritor, único de língua portuguesa a conquistar um Prêmio
Nobel de Literatura, escreveu: "O
ser humano não é intrinsecamente bom nem mau. O que verifico é que a bondade é
mais difícil de alcançar e de exercer. E bem e mal são conceitos demasiado
amplos. É mais fácil ser mau, mau nas suas formas menores, mau em tudo aquilo
que nos afasta do outro, do que ser bom". Como se vê, o tema é muito amplo
e polêmico. Oportunamente, voltarei a abordá-lo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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