Saturday, July 12, 2014

Câmbio legal e o ilegal

Pedro J. Bondaczuk

O Brasil tem, oficialmente, um único sistema cambial, desde a edição do malfadado Plano Collor I, em março de 1990: o flutuante, que determina a cotação da moeda estrangeira de acordo com o mercado. Ou seja, conforme a inflexível e natural lei econômica da oferta e da procura.

Na prática, porém, há três tipos de câmbio. A cada dia, o cidadão pode acompanhar, pelos jornais ou rádios e televisões, o quanto estão valendo os dólares comercial, paralelo e turismo. Para que o leigo entenda a razão disso, se faz necessária uma breve explicação. Para isso, um livro bastante acessível, à disposição dos interessados, nas livrarias, é “Os novos caminhos do mercado financeiro”, do comentarista econômico Alberto Tamer.

Antes do Plano Collor, o Brasil tinha o sistema de taxas fixas. Comprometia-se a comprar e a vender a sua moeda por um preço previamente fixado. Esse procedimento, porém, apresentava um grave inconveniente. Toda a vez que a inflação interna disparava – e nem é preciso dizer que isso era (e é) freqüente – os produtos brasileiros para exportação encareciam de tal sorte, que perdiam A competitividade.

Desde 1968, o ex-ministro, Delfim Netto, lançou mão de um artifício para corrigir o problema: as minidesvalorizações diárias. Ou seja, o câmbio era fixo apenas nominalmente. Variava todos os dias.

Hoje, o chamado dólar comercial é cotado de acordo com o mercado. O Banco Central não é mais obrigado a comprar e vender a moeda por preço que ele mesmo determina. As taxas passam a ser acertadas de comum acordo entre o comprador e o vendedor. Tamer, em seu mencionado livro, explica quais são esses agentes: “O BC, os bancos comerciais que atuam na área, os importadores e exportadores, empresas multinacionais que remetem lucros para suas matrizes e dividendos para o exterior e os turistas”.

Entra, aqui, a segunda espécie de dólar: o turismo. Sua existência e funcionamento foram regulamentados em 1989 e mantidos intactos pelo Plano Collor. Quem for sair do País, a passeio ou a negócios, pode adquirir certa quantia em moeda norte-americana por essa sistemática. A taxa, igualmente, é determinada pelo mercado. Seu preço é apenas ligeiramente inferior ao paralelo. Mas é absolutamente legal.

Entra, aqui, o terceiro personagem. O chamado câmbio negro já na própria designação passa uma idéia de ilegalidade. E, de fato, é ilegal. Mas quem se importa? Até mesmo o governo faz vistas grossas ao conhecidíssimo “black”. E por que ele é tolerado? Porque o Banco Central e as empresas autorizadas a atuarem com a compra e venda de moeda não têm capacidade de atender todos que precisam de dólares e na hora em que necessitam.

É Alberto Tamer que traça o perfil de quem é o principal comprador nesse mercado: “Aqueles que desejam ter o dólar como garantia contra bloqueios, intervenções, desvalorizações do cruzeiro, protegendo-se, assim, de novidades do governo e ainda ganhar alguma coisa (...)”. Ou seja, o cidadão comum, que às vezes nem sabe que está agindo contra a lei.

É o especulador, no sentido pior do termo, que vive às custas dos desacertos do governo e causa, na maioria das vezes, enormes prejuízos ao País. É um tanto surrealista esta sistemática, não é mesmo? E a lei, onde fica? A lei...ora a lei...

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de abril de 1993).


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