Papa e a “via crucis” do povo chileno
Pedro J.
Bondaczuk
O papa João Paulo II, dentro de mais duas semanas, estará
visitando o Chile, que vive a sua “via crucis” de quase 14 anos de um regime
militar que não tem tempo certo para acabar e devolver o comando das decisões à
sociedade civil. A despeito de toda a censura que impera sobre as informações
procedentes de lá, denúncias sobre torturas, prisões arbitrárias e toda a sorte
de indignidades cometidas contra cidadãos comuns se sucedem de maneira apavorante.
No correr desses quase cinco
lustros de tormento, a população local, em várias oportunidades, até que chegou
a vislumbrar uma pálida luz de esperança bem no finalzinho do túnel. Mas em
geral, a decepção posterior invariavelmente foi maior, quando percebeu que tudo
não passou de miragem.
É verdade que as coisas, neste
início de 1987, pelo menos para quem está à distância, parecem ter ficado mais
amenas para os chilenos. Afinal, na semana passada, foi promulgada uma lei,
permitindo a reabertura dos partidos políticos que não tenham cunho marxista.
Para alguns setores
oposicionistas moderados, essa atitude do regime refletiu um avanço no rumo do
estabelecimento de uma sociedade que não apenas os habitantes do Chile, mas
toda a comunidade latino-americana, sonham que um dia irá se estabelecer ali.
Para outros segmentos mais
radicais, no entanto, tudo não passa de outro enorme engodo do atual regime.
Segundo tais lideranças, o general Pinochet simplesmente estaria amenizando um
pouco a situação do país para a visita do papa João Paulo II. Entendem, esses
políticos, que assim que o Pontífice virar as costas, tudo voltará a ser como
antes, como sempre foi nos últimos 13 anos e meio.
Para justificar a afirmação de
que uma pretensa abertura política é uma farsa, argumentam com o fato de que o
estado de emergência, em vigor desde 1973, continua a ser religiosamente
renovado a cada ciclo de noventa dias, fazendo com que o Direito no país seja
ditado pelo arbítrio e não de forma consensual pela sociedade, através de seus
órgãos apropriados.
Reforçam essa tese brandindo com
a realidade de uma igualmente periódica renovação de um outro instrumento de
exceção jurídico-institucional, tão odioso quanto o primeiro. Ou seja, o
“Estado de Perigo de Perturbação da Ordem Pública”. Este último vem sendo reforçado, também de
três em três meses, desde 1982.
Enquanto isso, denúncias em cima
de denúncias, feitas por autoridades sérias e reputadas de defesa dos direitos
humanos, se sucedem, acerca de arbitrariedades de toda a sorte, cometidas no
país, sob o pretexto de salvaguardar algo que à luz dos princípios de
organização dos Estados modernos e realmente democráticos (se é que isso ainda
é possível na autêntica acepção do termo), não existe.
Pessoas são encarceradas por causa
de suas convicções políticas, como se esse fosse um procedimento perfeitamente
normal e passivo de tranqüila aprovação da comunidade internacional, nos
estertores deste infeliz século da violência e do desencanto.
No mesmo dia em que um decreto,
estatuindo as normas para a reabertura dos partidos políticos, foi promulgado
pelo general Pinochet, o seu regime foi condenado mais uma vez, por
unanimidade, pela Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas, reunida em Genebra, por descumprir os princípios mais elementares da
convivência comunitária.
Como em todos os regimes
ditatoriais, verifica-se uma enorme inversão de valores. Assassinos paranóicos
e sádicos, que deveriam estar segregados do convívio social em virtude da sua
fúria sanguinária,. Estabelecem “leis”, a ferro e fogo, e as impõem a uma
maioria indefesa, torturando, pisoteando e dignidade alheia e espezinhando
pessoas pacatas, cuja única infração, muitas vezes, é não concordar com estes
desmandos. Será este o estado de coisas que o Papa irá ver dentro de mais duas
semanas, quando desembarcar no Chile, para tentar consolar multidões de
sofredores.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 17
de março de 1987).
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