Manifestação de brio
Pedro
J. Bondaczuk
O suposto abalo
emocional da Seleção Brasileira, no jogo contra o Chile, dominou, nos últimos
dias, as manchetes dos meios de comunicação do País. Foi tema recorrente e
constante de comentários nas várias mesas redondas sobre a Copa e esteve (ainda
está) o tempo todo na boca do povo. Dominou e domina o que se convencionou
chamar de “opinião pública”. Ouve-se todo tipo de observações a propósito, nos
bares, nos pontos de ônibus, nas estações de metrô etc.etc.etc. e praticamente
em todos os locais onde haja mais de uma pessoa. Em suma, o entendimento
majoritário é que os jogadores “amarelaram”, sobretudo após a providencial
(para nós) bola na trave, chutada pelo chileno Pinilla, justo no derradeiro
minuto da prorrogação.
Pergunto, paciente
leitor: você já se colocou no lugar dos nossos atletas? Como você reagiria
naquele dramático momento, diante da perspectiva, concreta, de uma precoce
desclassificação que, com toda a certeza, passaria para a história como o maior
vexame da seleção pentacampeã mundial em seus cem anos de existência? Na
condsição de torcedor, como reagiu? Manteve-se gelado, como se as coisas não
fossem com você? A menos que você não seja brasileiro, ou não entenda e nem
goste de futebol, ou seja mais insensível do que uma estátua de pedra, duvido
que manteve a serenidade e a frieza. Duvido que não tenha sofrido taquicardia,
que não tenha ficado trêmulo e com a boca seca, que não tenha saído de perto da
televisão caso não estivesse presente no estádio e que não tenha se emocionado
às lágrimas ou à beira delas. No entanto, caso a desclassificação se
consumasse, o que você perderia em termos materiais? Nada!!! absolutamente
nada!
Como também não ganhará
coisa alguma caso a Seleção Brasileira siga adiante e conquiste o título
mundial. No máximo, sentirá orgulho pela façanha de seus conterrâneos caso ela
se consume. Mas ganhar, em caso de sucesso, ou perder, no de fracasso, você não
ganhará e nem perderá rigorosamente nada, a não ser a confirmação ou o
desmentido de uma sua “opinião”, ou de um seu “desejo”: que a equipe nacional
se sagre campeã.
E os jogadores? Estão
na mesma situação que você? Não, não é não! Claro que não! Nem poderiam! Uma
desclassificação precoce, ou até mesmo um fracasso na conquista da Copa, pode
afetar profundamente suas carreiras. Dependendo de algum eventual erro técnico,
que resulte na derrota brasileira, este pode pôr fim, até, à sua trajetória no
mundo do futebol, mesmo que esteja preso por contrato a algum clube de elite na
esfera internacional. Pode marcar o atleta como “fracassado” para sempre, tenha
ou não culpa. Vejam o que aconteceu com Barbosa, na Copa do Mundo de 1950, ao
qual foi atribuída a culpa (injustamente, pois revi o lance dos dois gols
uruguaios dezenas de vezes e não vi falha alguma do atleta em nenhum deles).
O jogador em questão
foi, ao longo da carreira, antes e depois do Mundial, exemplar, em campo e fora
dele. Não se tratava de nenhum “frangueiro”, desses que não sabem se colocar na
meta e que rebatem todas as bolas que vão na sua direção, o chamado “mão de
alface” na gíria futebolística. Os torcedores da velha guarda do Vasco da Gama
sabem disso. Foram inúmeros os jogos do clube cruzmaltino, antes e depois da
Copa, em que Moacir Barbosa (nascido em Campinas, mas que fez toda a carreira
fora da cidade natal) livrou o time da derrota e garantiu vitórias
consagradoras. Cheguei a testemunhar pelo menos uma dessas tantas brilhantes
performances. Foi, sem favor algum, um dos melhores goleiros brasileiros de
todos os tempos e até mesmo do mundo, naquela época. Todavia... tudo isso foi
esquecido por causa de apenas dois lances (sobretudo o segundo, que assegurou a
virada uruguaia), nos quais, insisto, Barbosa não falhou.
Vocês acham que isso
não passou pela cabeça de pelo menos alguns dos jogadores da atual Seleção no
jogo contra o Chile? Não passaria pela sua que, reitero, não teria nada a
perder com a desclassificação brasileira, se estivesse no lugar dos nossos
atletas? Na minha, passaria. Não considero que o choro de vários jogadores,
antes, durante e depois da cobrança de pênaltis, tenha sido sinal de fraqueza.
Foi manifestação de brio, de amor pelo que fazem. Ademais, não prejudicou os
“chorões” no momento dos chutes decisivos. E muito menos Júlio César, que fez
as duas providenciais defesas. Coincidência ou não, os dois que erraram os
pênaltis não choraram. Neymar chorou. Todavia bateu com segurança e categoria a
penalidade derradeira que lhe cabia, mesmo não estando nas melhores condições
físicas, face à deslealdade de seus marcadores chilenos.
Você teria, caro
leitor, a mesma eficiência que David Luís e Luís Gustavo tiveram nas suas
cobranças? Isso sem falar de Neymar, menino de recém completados 22 anos, que
em momento algum fugiu da megarresponsabilidade lançada sobre suas costas? Você
teria a mesma concentração e técnica de Júlio César, para defender não um, mas
dois pênaltis? Eu, sinceramente, não teria!
Então, no que o suposto
desequilíbrio emocional prejudicou a Seleção Brasileira? No jogo normal, e na
prorrogação, os erros não foram tantos, como foram apregoados. O goleiro
chileno, por exemplo, teve que trabalhar o dobro do brasileiro E ademais não me
convenci ainda de que o gol de Hulk foi irregular e anulado corretamente. Erro,
erro mesmo, foi apenas o desastrado arremesso lateral, que resultou no gol
chileno. Se o time houvesse “amarelado”, se acovardaria. Daria caneladas a
torto e a direito, perderia gols impossíveis de perder, na pequena área e sem
goleiro, ou coisas que o valham. Nada disso aconteceu.
Da minha parte,
desconfio de quem não põe paixão no que faz. Gente assim, não tem brio. Para
quem é ou age dessa forma, tanto faz que o rio siga seu curso normal ou que
corra em sentido inverso ao da correnteza. Não tem coração, alma ou, como se
diz, na gíria futebolística, não tem “raça”. O choro, ao contrário do que
muitos pensam, não é (pelo menos não sempre), sintoma de fraqueza. É um recurso
instintivo de que a natureza nos dotou para que possamos aliviar excessos de
tensão, estes sim prejudiciais, sobretudo fisicamente. É prerrogativa humana. A
menos que esteja enganado, não conheço nenhum outro animal que chore, a não ser
o homem. Não vejo, pois, nenhum desequilíbrio emocional na Seleção Brasileira.
Vejo, sim, muitas deficiências técnicas e táticas, que podem e devem ser
corrigidas. Parem de ver fantasmas, portanto, onde estes não existem e apóiem,
de fato, este grupo de atletas. Vocês não têm nada a perder com seu fracasso,
mas eles... nem preciso acrescentar mais nada, não é mesmo?
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