Friday, July 04, 2014

Manifestação de brio

Pedro J. Bondaczuk

O suposto abalo emocional da Seleção Brasileira, no jogo contra o Chile, dominou, nos últimos dias, as manchetes dos meios de comunicação do País. Foi tema recorrente e constante de comentários nas várias mesas redondas sobre a Copa e esteve (ainda está) o tempo todo na boca do povo. Dominou e domina o que se convencionou chamar de “opinião pública”. Ouve-se todo tipo de observações a propósito, nos bares, nos pontos de ônibus, nas estações de metrô etc.etc.etc. e praticamente em todos os locais onde haja mais de uma pessoa. Em suma, o entendimento majoritário é que os jogadores “amarelaram”, sobretudo após a providencial (para nós) bola na trave, chutada pelo chileno Pinilla, justo no derradeiro minuto da prorrogação.

Pergunto, paciente leitor: você já se colocou no lugar dos nossos atletas? Como você reagiria naquele dramático momento, diante da perspectiva, concreta, de uma precoce desclassificação que, com toda a certeza, passaria para a história como o maior vexame da seleção pentacampeã mundial em seus cem anos de existência? Na condsição de torcedor, como reagiu? Manteve-se gelado, como se as coisas não fossem com você? A menos que você não seja brasileiro, ou não entenda e nem goste de futebol, ou seja mais insensível do que uma estátua de pedra, duvido que manteve a serenidade e a frieza. Duvido que não tenha sofrido taquicardia, que não tenha ficado trêmulo e com a boca seca, que não tenha saído de perto da televisão caso não estivesse presente no estádio e que não tenha se emocionado às lágrimas ou à beira delas. No entanto, caso a desclassificação se consumasse, o que você perderia em termos materiais? Nada!!! absolutamente nada!

Como também não ganhará coisa alguma caso a Seleção Brasileira siga adiante e conquiste o título mundial. No máximo, sentirá orgulho pela façanha de seus conterrâneos caso ela se consume. Mas ganhar, em caso de sucesso, ou perder, no de fracasso, você não ganhará e nem perderá rigorosamente nada, a não ser a confirmação ou o desmentido de uma sua “opinião”, ou de um seu “desejo”: que a equipe nacional se sagre campeã.

E os jogadores? Estão na mesma situação que você? Não, não é não! Claro que não! Nem poderiam! Uma desclassificação precoce, ou até mesmo um fracasso na conquista da Copa, pode afetar profundamente suas carreiras. Dependendo de algum eventual erro técnico, que resulte na derrota brasileira, este pode pôr fim, até, à sua trajetória no mundo do futebol, mesmo que esteja preso por contrato a algum clube de elite na esfera internacional. Pode marcar o atleta como “fracassado” para sempre, tenha ou não culpa. Vejam o que aconteceu com Barbosa, na Copa do Mundo de 1950, ao qual foi atribuída a culpa (injustamente, pois revi o lance dos dois gols uruguaios dezenas de vezes e não vi falha alguma do atleta em nenhum deles).

O jogador em questão foi, ao longo da carreira, antes e depois do Mundial, exemplar, em campo e fora dele. Não se tratava de nenhum “frangueiro”, desses que não sabem se colocar na meta e que rebatem todas as bolas que vão na sua direção, o chamado “mão de alface” na gíria futebolística. Os torcedores da velha guarda do Vasco da Gama sabem disso. Foram inúmeros os jogos do clube cruzmaltino, antes e depois da Copa, em que Moacir Barbosa (nascido em Campinas, mas que fez toda a carreira fora da cidade natal) livrou o time da derrota e garantiu vitórias consagradoras. Cheguei a testemunhar pelo menos uma dessas tantas brilhantes performances. Foi, sem favor algum, um dos melhores goleiros brasileiros de todos os tempos e até mesmo do mundo, naquela época. Todavia... tudo isso foi esquecido por causa de apenas dois lances (sobretudo o segundo, que assegurou a virada uruguaia), nos quais, insisto, Barbosa não falhou.

Vocês acham que isso não passou pela cabeça de pelo menos alguns dos jogadores da atual Seleção no jogo contra o Chile? Não passaria pela sua que, reitero, não teria nada a perder com a desclassificação brasileira, se estivesse no lugar dos nossos atletas? Na minha, passaria. Não considero que o choro de vários jogadores, antes, durante e depois da cobrança de pênaltis, tenha sido sinal de fraqueza. Foi manifestação de brio, de amor pelo que fazem. Ademais, não prejudicou os “chorões” no momento dos chutes decisivos. E muito menos Júlio César, que fez as duas providenciais defesas. Coincidência ou não, os dois que erraram os pênaltis não choraram. Neymar chorou. Todavia bateu com segurança e categoria a penalidade derradeira que lhe cabia, mesmo não estando nas melhores condições físicas, face à deslealdade de seus marcadores chilenos.

Você teria, caro leitor, a mesma eficiência que David Luís e Luís Gustavo tiveram nas suas cobranças? Isso sem falar de Neymar, menino de recém completados 22 anos, que em momento algum fugiu da megarresponsabilidade lançada sobre suas costas? Você teria a mesma concentração e técnica de Júlio César, para defender não um, mas dois pênaltis? Eu, sinceramente, não teria!

Então, no que o suposto desequilíbrio emocional prejudicou a Seleção Brasileira? No jogo normal, e na prorrogação, os erros não foram tantos, como foram apregoados. O goleiro chileno, por exemplo, teve que trabalhar o dobro do brasileiro E ademais não me convenci ainda de que o gol de Hulk foi irregular e anulado corretamente. Erro, erro mesmo, foi apenas o desastrado arremesso lateral, que resultou no gol chileno. Se o time houvesse “amarelado”, se acovardaria. Daria caneladas a torto e a direito, perderia gols impossíveis de perder, na pequena área e sem goleiro, ou coisas que o valham. Nada disso aconteceu.

Da minha parte, desconfio de quem não põe paixão no que faz. Gente assim, não tem brio. Para quem é ou age dessa forma, tanto faz que o rio siga seu curso normal ou que corra em sentido inverso ao da correnteza. Não tem coração, alma ou, como se diz, na gíria futebolística, não tem “raça”. O choro, ao contrário do que muitos pensam, não é (pelo menos não sempre), sintoma de fraqueza. É um recurso instintivo de que a natureza nos dotou para que possamos aliviar excessos de tensão, estes sim prejudiciais, sobretudo fisicamente. É prerrogativa humana. A menos que esteja enganado, não conheço nenhum outro animal que chore, a não ser o homem. Não vejo, pois, nenhum desequilíbrio emocional na Seleção Brasileira. Vejo, sim, muitas deficiências técnicas e táticas, que podem e devem ser corrigidas. Parem de ver fantasmas, portanto, onde estes não existem e apóiem, de fato, este grupo de atletas. Vocês não têm nada a perder com seu fracasso, mas eles... nem preciso acrescentar mais nada, não é mesmo?


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