Humildade
e coragem
Pedro J. Bondaczuk
As
pessoas (e eu também, claro) tendem a complicar conceitos simples, achando que
as coisas na vida não tendem nunca á simplicidade. Depende. Não raro são mais
simples do que prevê “nossa vã filosofia”, mesmo que não acreditemos. Nossa
tendência, espécie de vício, é complicar tudo. É tornar complexo o que é e o
que de fato não é complicado, por não entendermos corretamente o que é de fácil
compreensão e em cuja simplicidade... descremos. Há casos e mais casos em que
agimos assim. Cito, em particular, duas virtudes, indispensáveis (e até raras
na sociedade atual), geralmente mal-entendidas e que por isso desvirtuamos seu
real significado. Por causa dessa distorção, ambas ganham aos nossos olhos
aspecto de defeitos, que obviamente não são. Refiro-me à humildade e à coragem.
Tratei
desse tema em dezenas de reflexões anteriores, porém, alguns leitores
solicitaram-me que voltasse a abordar o assunto, com a ressalva de tratá-lo de
forma, digamos, mais didática. Tentarei fazê-lo. Afinal, para mim, esse tipo de
pedido é uma ordem (e destaco isso sem nenhuma demagogia). Vamos, pois, ao que
interessa. Há quem entenda que ser humilde é se apequenar diante do próximo,
considerando-o superior em todos os aspectos. Engano. Não é isso. Trata-se de
mau entendimento do conceito. Aliás, a humildade é uma das virtudes mais
desejáveis e, infelizmente, cada vez mais raras nestes tempos bicudos, tão
competitivos e caracterizados por feroz, ferocíssimo individualismo.
Ser
humilde é ter consciência não somente da própria força, mas também das
potencialidades. Mas é também conhecer, e admitir, limitações. É saber que, por
maiores que sejam nossos talentos e habilidades, eles são insuficientes para
suprir todas as necessidades que a vida nos impõe. Não somos auto-suficientes
(e ninguém é) e dependemos em muitas e muitas coisas dos outros, de terceiros,
sem os quais nossa vida tende até a ficar em risco. Ser humilde, por fim, é,
antes de tudo, contar com o indispensável senso de proporção, ou seja, saber
que não somos superiores, mas também não somos inferiores a ninguém.
"O
que o mundo precisa é de gênios com humildade", declarou, em certa
ocasião, em entrevista á imprensa, o comediante norte-americano Oscar Levant. E
como precisa! Precisa mesmo. E muito. E com urgência. Há, todavia, uma
distinção fundamental entre ser humilde e humilhar-se. Parece a mesma coisa,
não é? Aí é que as aparências enganam. São atitudes muitíssimo diferentes. No
primeiro caso, a pessoa “sabe” o quanto vale, embora não saia por aí ostentando
e nem alardeando suas virtudes, apesar de exercer plenamente suas aptidões.
Está aberta às críticas, mas as aceita somente quando são válidas e
construtivas. Muitas vezes elas não são. O humilde é maleável e não se aferra a
dogmas, apenas porque outros crêem neles ou, o que é o pior, para “não dar o
braço a torcer”.
Já
a pessoa que se humilha abre mão da dignidade. Submete-se docilmente a alguém,
que lhe seja superior em força ou na hierarquia profissional ou social. Age
assim com o objetivo ostensivo de colher meras migalhas da mesa desses
poderosos. É interesseira, embora dissimule isso com modos rastejantes e
dúbios. Portanto, é hipócrita. Bajula tendo em vista algum interesse que
pretenda satisfeito. No primeiro caso, no do humilde, trata-se de virtude. No
segundo, o do sujeito que se humilha, é deficiência de caráter, gravíssimo
defeito de personalidade. O povão tem palavra específica para designar
indivíduos que agem dessa maneira: "puxa sacos".
Outro
conceito (entre tantos) que as pessoas tendem a interpretar de maneira
equivocada e distorcida é o referente à
coragem, Esta não é, como muitos pensam, se atirar de cabeça contra quaisquer
perigos, desnecessariamente, sem atentar para as conseqüências, não raro
fatais, apenas por “esporte”, ou para mostrar aos outros que não tem medo de
nada. Deveria ter, Afinal, o medo é uma defesa contra o que possa representar
algum risco para a integridade (geralmente física, mas também moral). Esse
destemor insensato tem nome específico: é temeridade, senão irresponsabilidade.
Ser corajoso não é, pois, ser temerário, ser fanfarrão, ser uma espécie de
suicida potencial. É, isso sim, fazer, com determinação, cautela e método,
correndo o mínimo de risco possível, o que tem que ser feito, mesmo que
perigoso, mas sem bravatas ou ostentações.
Sempre
houve muita confusão sobre o que é heroísmo, por exemplo. Herói, no meu
entendimento, não é o sujeito que se arrisca além do que manda a prudência,
mesmo que na tentativa de salvar terceiros. É aquele pai que trabalha 49 horas
por semana em troca de mísera remuneração. É o que enfrenta terríveis condições
de vida; que se utiliza de um transporte caro e precário (quando não precisa ir
a pé para o trabalho por falta de dinheiro para a passagem); que sub-habita em
barracos de favela; que é subnutrido, subvalorizado, sub tudo; que não conta
com qualquer proteção social e ainda assim jamais sai da linha: não deve nada a
ninguém e tem orgulho disso.
Heroi
não é, muito menos, o valentão, o que encara qualquer pessoa, embora mais hábil
e mais forte do que ele, mesmo que para defender parente ou amigo. Essa, afinal
de contas, não é sua função. Sua atitude imprudente em vez de beneficiar quem
pretenda defender, tende a colocá-lo em risco ainda maior, além de se arriscar
inutilmente. Heroi é, pois, o pesquisador diligente, que gasta horas e mais
horas de esforço para descobrir remédios ou métodos cirúrgicos que salvem vidas
e devolvam a saúde a pessoas que sequer conhece. É o professor, o médico, o
jornalista e o policial honesto, entre tantos outros. Estes herois sim merecem
o respeito e a gratidão eterna de parentes, amigos, conhecidos, desconhecidos e
da sociedade. E nem sempre são reconhecidos (ou não devidamente, pela
importância que têm). Estes sim são os verdadeiros “corajosos”.
O
saudoso escritor e psicanalista Roberto Freire escreveu o seguinte, a
propósito, em sua coluna “Cidade Aflita”, publicada no jornal Última Hora de
São Paulo, em 17 de dezembro de 1964, sob o título “Mano aí, sim” que resume
tudo o que escrevi: “Viver integralmente o nosso mundo, sem preconceito algum,
aceitando suas contradições como forças naturais e sociais em choque, à procura
de uma síntese evolutiva, eis a posição do homem de humildade lúcida e de
coragem despretensiosa. Não se trata de uma posição passiva, absolutamente.
Condenar apenas esta ou aquela atitude, aplaudir outras, vivendo cômoda e
covardemente à margem da realidade atual, boa ou má, esta sim, seria a
passividade condenável”. E não é??!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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