O arrastão social
Pedro J. Bondaczuk
O presidente Itamar Franco
confidenciou a amigos, no último fim de semana, em Juiz de Fora (vindo a
desmentir depois), seu temor de que um “arrastão social” possa comprometer as
eleições de 1994. A situação brasileira, nesse aspecto, é muito mais grave do
que as pessoas querem admitir.
Miséria,
violência e fome aumentam, a despeito das promessas de políticos e de isoladas
ações práticas (louváveis e dignas de imitação), de cidadãos e de entidades
particulares que, no entanto, tornam-se como minúsculas gotas de água de
solidariedade num imenso oceano de descaso e de egoísmo. A esta altura do
calendário, não se esperam mais grandes coisas deste governo.
As
expectativas mais equilibradas são as de que ele não deixe a inflação disparar
e descambar para a hiperinflação, na impossibilidade de ela vir a ser reduzida.
Prematura ou não, o fato é que a sucessão presidencial está nas ruas.
Ao
contrário do que alguns candidatos potenciais possam estar pensando, a atitude
mais sensata neste momento não é a de sabotar a atual administração, mas de
colaborar com ela, para que o País chegue em relativa tranqüilidade e ordem até
1º de janeiro de 1995, quando o sucessor de Itamar Franco tomar posse.
Quanto
mais erros o atual governo cometer, maiores serão as dificuldades do futuro
presidente para implantar seu programa (presume-se que, ao contrário de
Fernando Collor, ele terá um). Ninguém certamente vai querer, em sã
consciência, herdar uma massa falida.
Por
isso, com campanha ou sem ela, a união de forças é fundamental para essa
travessia que se afigura acidentada. É preciso conferir um mínimo de
governabilidade ao atual presidente. Afinal, estamos todos no mesmo barco e não
queremos e nem podemos deixar que ele afunde.
Itamar
não será concorrente de ninguém, por ser inelegível. E embora falar mal do
governo sempre tenha rendido dividendos, em termos de votos, no passado,
dificilmente esta estratégia dará resultado em 1994.
A
despeito da falta de politização do brasileiro, o eleitor, certamente, agora
estará mais atento. Em 1989, ele se deixou levar pela esperança. Não votava
para a Presidência desde 1960 e estava, portanto, desprevenido para os truques
demagógicos, que acabaram por fazer com que se enganasse tragicamente na escolha.
Agora,
certamente, estará mais precavido, mais crítico, mais exigente. Não será
nenhuma surpresa, inclusive, se os votos brancos e nulos rivalizarem com os do
candidato mais votado, tamanho é o desencanto da população com a atual geração
de políticos. Corre-se, portanto, o risco de um “excesso de cautela”.
Mas
os temores de Itamar Franco têm fundamento. O descontentamento é crescente e
nem mesmo o futebol, usado tantas vezes, até de forma exagerada, como válvula
de escape para as frustrações, vem dando alegrias aos brasileiros. Pelo
contrário, é vexame em cima de vexame.
Um
editorial do jornal “O Globo”, de 30 de outubro de 1988, acentuou que “muitos
brasileiros amam, ou dizem amar, a democracia, mas detestam a prática
democrática, querem um cenário democrático sem personagens e os incidentes que
dão realidade e vida a essa moldura”. Ou seja, defendem a inexistência de
crises.
Buscam
o chamado consenso. Pregam uma sociedade a salvo de tensões. Estes, de
democratas podem ter, quando muito, o rótulo. Pois, como conclui o mencionado
editorial, “o sonho de uma democracia sem crises só pode conduzir ao pesadelo
da noite institucional, de uma noite que costuma ser longa e fria”. E esta,
todos sabemos, de sobejo, as conseqüências que produz. Está aí o quadro de
pré-arrastão social para lembrar os esquecidos.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 12 de agosto de 1993).
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