Sunday, July 27, 2014

O arrastão social


Pedro J. Bondaczuk


O presidente Itamar Franco confidenciou a amigos, no último fim de semana, em Juiz de Fora (vindo a desmentir depois), seu temor de que um “arrastão social” possa comprometer as eleições de 1994. A situação brasileira, nesse aspecto, é muito mais grave do que as pessoas querem admitir.

Miséria, violência e fome aumentam, a despeito das promessas de políticos e de isoladas ações práticas (louváveis e dignas de imitação), de cidadãos e de entidades particulares que, no entanto, tornam-se como minúsculas gotas de água de solidariedade num imenso oceano de descaso e de egoísmo. A esta altura do calendário, não se esperam mais grandes coisas deste governo.

As expectativas mais equilibradas são as de que ele não deixe a inflação disparar e descambar para a hiperinflação, na impossibilidade de ela vir a ser reduzida. Prematura ou não, o fato é que a sucessão presidencial está nas ruas.

Ao contrário do que alguns candidatos potenciais possam estar pensando, a atitude mais sensata neste momento não é a de sabotar a atual administração, mas de colaborar com ela, para que o País chegue em relativa tranqüilidade e ordem até 1º de janeiro de 1995, quando o sucessor de Itamar Franco tomar posse.

Quanto mais erros o atual governo cometer, maiores serão as dificuldades do futuro presidente para implantar seu programa (presume-se que, ao contrário de Fernando Collor, ele terá um). Ninguém certamente vai querer, em sã consciência, herdar uma massa falida.

Por isso, com campanha ou sem ela, a união de forças é fundamental para essa travessia que se afigura acidentada. É preciso conferir um mínimo de governabilidade ao atual presidente. Afinal, estamos todos no mesmo barco e não queremos e nem podemos deixar que ele afunde.

Itamar não será concorrente de ninguém, por ser inelegível. E embora falar mal do governo sempre tenha rendido dividendos, em termos de votos, no passado, dificilmente esta estratégia dará resultado em 1994.

A despeito da falta de politização do brasileiro, o eleitor, certamente, agora estará mais atento. Em 1989, ele se deixou levar pela esperança. Não votava para a Presidência desde 1960 e estava, portanto, desprevenido para os truques demagógicos, que acabaram por fazer com que se enganasse tragicamente na escolha.

Agora, certamente, estará mais precavido, mais crítico, mais exigente. Não será nenhuma surpresa, inclusive, se os votos brancos e nulos rivalizarem com os do candidato mais votado, tamanho é o desencanto da população com a atual geração de políticos. Corre-se, portanto, o risco de um “excesso de cautela”.

Mas os temores de Itamar Franco têm fundamento. O descontentamento é crescente e nem mesmo o futebol, usado tantas vezes, até de forma exagerada, como válvula de escape para as frustrações, vem dando alegrias aos brasileiros. Pelo contrário, é vexame em cima de vexame.

Um editorial do jornal “O Globo”, de 30 de outubro de 1988, acentuou que “muitos brasileiros amam, ou dizem amar, a democracia, mas detestam a prática democrática, querem um cenário democrático sem personagens e os incidentes que dão realidade e vida a essa moldura”. Ou seja, defendem a inexistência de crises.

Buscam o chamado consenso. Pregam uma sociedade a salvo de tensões. Estes, de democratas podem ter, quando muito, o rótulo. Pois, como conclui o mencionado editorial, “o sonho de uma democracia sem crises só pode conduzir ao pesadelo da noite institucional, de uma noite que costuma ser longa e fria”. E esta, todos sabemos, de sobejo, as conseqüências que produz. Está aí o quadro de pré-arrastão social para lembrar os esquecidos.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 12 de agosto de 1993).


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