Complexo caldeirão étnico
Pedro J. Bondaczuk
A
Índia é um complexo caldeirão de etnias (mais de mil), línguas, costumes,
religiões e comportamentos, de tal sorte que causa pasmo ao observador distante
dos acontecimentos que um país tão complexo e heterogêneo se sustente unido. A
ex-Iugoslávia, com cinco ou seis grupos étnicos desagregou-se dramaticamente,
em um dantesco banho de sangue. A Rússia, com 10% da diversidade indiana em
termos de povos, está submetida a constantes tensões e confrontos desde que a
União Soviética se desfez. Na África, países que abrigam apenas duas ou três
etnias diversas são verdadeiros caldeirões ferventes de violência.
A
Índia, contudo, embora esteja longe de ser um mar de tranqüilidade (tem
conflito aberto em Cachemira-Jammu e latente no Punjab, onde os sikhs sempre
sonharam em criar um Estado independente), bem ou mal se sustenta. Pelo menos
nunca se viu tentada a recorrer a ditaduras. Periodicamente promove (mesmo que
muitas vezes fraudadas e sempre violentas) eleições para a renovação do seu
Parlamento, de proporções inacreditáveis. Basta dizer que apenas o número de
seus eleitores, cerca de 600 milhões, perfaz mais do que o dobro de toda a
população dos Estados Unidos e quatro vezes a do Brasil.
Tudo
ali é superlativo, em termos de problemas. Há desde riquíssimos marajás, com
suntuosos palácios dignos das "Mil e Uma Noites", às castas mais
miseráveis do Planeta. Em alguns aspectos o país já se encontra em pleno século
XXI --- como na tecnologia de computadores, na exploração do átomo (para a paz
e para a guerra) e até nas pesquisas espaciais --- e em outros, beira a
barbárie da Idade da Pedra. Conta com homens dotados de extrema doçura e
sabedoria e com guerreiros cruéis (os gurkas), exímios na arte de matar. Foi o
berço de Mohandas Karamanchand Gandhi (o "Mahatma", ou Grande Alma),
mas dois dos seus governantes (Indira e seu filho Rajiv) deixaram o poder em um
caixão e o próprio "pai" da sua independência, "apóstolo"
da não-violência, foi brutalmente assassinado em 20 de janeiro de 1948.
Apesar
de tudo isso, ou por causa disso, é um país para ser levado a sério. Quase um
sexto da humanidade (estima-se que sua população seja atualmente de um bilhão
de habitantes) vive ali. Além disso, já testou com êxito uma bomba nuclear e
estima-se que tenha entre 10 e 20 artefatos desse tipo em seu arsenal. Faz
parte, portanto, do seleto "clube atômico", que reúne as cinco
maiores potências militares do mundo. É essa Índia que acaba de cair em mãos de
nacionalistas retrógrados. É esse país dos superlativos que abriu mão do
passado conhecido (no caso o Partido do Congresso, de 111 anos de existência),
mergulhando de cabeça no incógnito. O que virá dessa mudança? Quem pode prever?
Tanto pode ser uma forma inovadora de governar quanto...o caos.
(Artigo publicado em 11 de maio de 1997
no Correio Popular).
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