Friday, July 18, 2014

Complexo caldeirão étnico


Pedro J. Bondaczuk


A Índia é um complexo caldeirão de etnias (mais de mil), línguas, costumes, religiões e comportamentos, de tal sorte que causa pasmo ao observador distante dos acontecimentos que um país tão complexo e heterogêneo se sustente unido. A ex-Iugoslávia, com cinco ou seis grupos étnicos desagregou-se dramaticamente, em um dantesco banho de sangue. A Rússia, com 10% da diversidade indiana em termos de povos, está submetida a constantes tensões e confrontos desde que a União Soviética se desfez. Na África, países que abrigam apenas duas ou três etnias diversas são verdadeiros caldeirões ferventes de violência.

A Índia, contudo, embora esteja longe de ser um mar de tranqüilidade (tem conflito aberto em Cachemira-Jammu e latente no Punjab, onde os sikhs sempre sonharam em criar um Estado independente), bem ou mal se sustenta. Pelo menos nunca se viu tentada a recorrer a ditaduras. Periodicamente promove (mesmo que muitas vezes fraudadas e sempre violentas) eleições para a renovação do seu Parlamento, de proporções inacreditáveis. Basta dizer que apenas o número de seus eleitores, cerca de 600 milhões, perfaz mais do que o dobro de toda a população dos Estados Unidos e quatro vezes a do Brasil.

Tudo ali é superlativo, em termos de problemas. Há desde riquíssimos marajás, com suntuosos palácios dignos das "Mil e Uma Noites", às castas mais miseráveis do Planeta. Em alguns aspectos o país já se encontra em pleno século XXI --- como na tecnologia de computadores, na exploração do átomo (para a paz e para a guerra) e até nas pesquisas espaciais --- e em outros, beira a barbárie da Idade da Pedra. Conta com homens dotados de extrema doçura e sabedoria e com guerreiros cruéis (os gurkas), exímios na arte de matar. Foi o berço de Mohandas Karamanchand Gandhi (o "Mahatma", ou Grande Alma), mas dois dos seus governantes (Indira e seu filho Rajiv) deixaram o poder em um caixão e o próprio "pai" da sua independência, "apóstolo" da não-violência, foi brutalmente assassinado em 20 de janeiro de 1948.

Apesar de tudo isso, ou por causa disso, é um país para ser levado a sério. Quase um sexto da humanidade (estima-se que sua população seja atualmente de um bilhão de habitantes) vive ali. Além disso, já testou com êxito uma bomba nuclear e estima-se que tenha entre 10 e 20 artefatos desse tipo em seu arsenal. Faz parte, portanto, do seleto "clube atômico", que reúne as cinco maiores potências militares do mundo. É essa Índia que acaba de cair em mãos de nacionalistas retrógrados. É esse país dos superlativos que abriu mão do passado conhecido (no caso o Partido do Congresso, de 111 anos de existência), mergulhando de cabeça no incógnito. O que virá dessa mudança? Quem pode prever? Tanto pode ser uma forma inovadora de governar quanto...o caos.

(Artigo publicado em 11 de maio de 1997 no Correio Popular).

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