Monday, July 07, 2014

Tentativa de distorcer a história


Pedro J. Bondaczuk


Os Estados policiais do nosso tempo, que procuram controlar até o pensamento mais secreto dos seus cidadãos, costumam ser, além de autoritários (logicamente) extremamente dogmáticos. Se alguma de suas “eminências pardas”, por exemplo, afirmar que um determinado objeto é de pedra, mesmo que todos vejam se tratar de algo feito de madeira (que possa até mesmo ser incinerado), a afirmação oficial é a que prevalece.

É o que está acontecendo agora na China, com relação ao bárbaro massacre que se verificou em Pequim, nos dias 3 e 4 passados, que redundou na morte de milhares de cidadãos desarmados. Os dirigentes de linha-dura do Partido Comunista chinês desta vez sequer deixaram passar sobre os fatos a pátina do tempo. Iniciaram, de imediato, um estúpido e desmoralizante processo de “revisionismo” histórico.

Apregoam, por toda a parte, que os civis é que começaram os incidentes de violência na Praça da Paz Celestial. Que os soldados foram vítimas, e não verdugos dos incautos, que acreditavam poder conquistar liberdade e democracia somente com a força de suas convicções.

Mesmo as redes de televisão ocidentais tendo mostrado ao mundo estarrecido cenas dantescas de selvajaria e insensibilidade – o Globo Repórter de sexta-feira passada mostrou um trabalho extraordinário da rede de TV britânica, British Broadcasting Corporation – líderes de Pequim teimam em falsear a verdade, como faziam há 25 ou 30 anos, como se isso ainda fosse possível nesta era das comunicações via satélite, quando o mundo se “encolhe” virtualmente, para se transformar naquela aldeia global apregoada por Marshall McLuhan.

O Planeta inteiro testemunhou, por exemplo, o gesto desassombrado de um líder estudantil solitário em Pequim, que com a pura convicção de que a morte é preferível a uma vida sem liberdade, desafiou uma coluna inteira de tanques, se postando à frente dela, de peito aberto, com as mãos limpas, sem demonstrar medo, rancor ou vingança.

Foi um gesto comovente e marcante. Em contrapartida, as imagens de TV mostraram, nitidamente, com toda a crueza possível, soldados brincando de “caça aos patos” contra civis que corriam espavoridos pelas ruas de Pequim.

Foram mandadas ao ar imagens dantescas do desespero de médicos e enfermeiros nos hospitais da cidade, impotentes para atender a todos que necessitavam de socorro tantos eram eles. Assim como cenas sublimes de solidariedade humana face ao perigo.

Os dramáticos acontecimentos recentes na China, portanto, além de uma preciosa aula de história contemporânea, deverão servir de lição aos insensatos que defendem Estados policiais, que acabam por “devorar” os próprios inocentes úteis que permitem a sua criação.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 13 de junho de 1989).


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