Tentativa de distorcer a história
Pedro
J. Bondaczuk
Os Estados policiais do nosso tempo, que procuram
controlar até o pensamento mais secreto dos seus cidadãos, costumam ser, além
de autoritários (logicamente) extremamente dogmáticos. Se alguma de suas
“eminências pardas”, por exemplo, afirmar que um determinado objeto é de pedra,
mesmo que todos vejam se tratar de algo feito de madeira (que possa até mesmo
ser incinerado), a afirmação oficial é a que prevalece.
É o que está acontecendo agora na China, com relação ao
bárbaro massacre que se verificou em Pequim, nos dias 3 e 4 passados, que
redundou na morte de milhares de cidadãos desarmados. Os dirigentes de
linha-dura do Partido Comunista chinês desta vez sequer deixaram passar sobre
os fatos a pátina do tempo. Iniciaram, de imediato, um estúpido e
desmoralizante processo de “revisionismo” histórico.
Apregoam, por toda a parte, que os civis é que começaram
os incidentes de violência na Praça da Paz Celestial. Que os soldados foram
vítimas, e não verdugos dos incautos, que acreditavam poder conquistar
liberdade e democracia somente com a força de suas convicções.
Mesmo as redes de televisão ocidentais tendo mostrado ao
mundo estarrecido cenas dantescas de selvajaria e insensibilidade – o Globo
Repórter de sexta-feira passada mostrou um trabalho extraordinário da rede de
TV britânica, British Broadcasting Corporation – líderes de Pequim teimam em
falsear a verdade, como faziam há 25 ou 30 anos, como se isso ainda fosse
possível nesta era das comunicações via satélite, quando o mundo se “encolhe”
virtualmente, para se transformar naquela aldeia global apregoada por Marshall
McLuhan.
O Planeta inteiro testemunhou, por exemplo, o gesto
desassombrado de um líder estudantil solitário em Pequim, que com a pura
convicção de que a morte é preferível a uma vida sem liberdade, desafiou uma
coluna inteira de tanques, se postando à frente dela, de peito aberto, com as
mãos limpas, sem demonstrar medo, rancor ou vingança.
Foi um gesto comovente e marcante. Em contrapartida, as
imagens de TV mostraram, nitidamente, com toda a crueza possível, soldados
brincando de “caça aos patos” contra civis que corriam espavoridos pelas ruas
de Pequim.
Foram mandadas ao ar imagens dantescas do desespero de
médicos e enfermeiros nos hospitais da cidade, impotentes para atender a todos
que necessitavam de socorro tantos eram eles. Assim como cenas sublimes de
solidariedade humana face ao perigo.
Os dramáticos acontecimentos recentes na China, portanto,
além de uma preciosa aula de história contemporânea, deverão servir de lição
aos insensatos que defendem Estados policiais, que acabam por “devorar” os
próprios inocentes úteis que permitem a sua criação.
(Artigo publicado
na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 13 de junho de 1989).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment