Tuesday, July 01, 2014

Não se foge de um paraíso


 Pedro J. Bondaczuk


As reformas liberalizantes em andamento na União Soviética, Polônia e Hungria estão colocando os demais países do Leste europeu e, em especial, a Alemanha Oriental, contra a parede. Ou eles alteram o seu sistema repressor e altamente centralizado, ou vão perder gente preciosa – técnicos, engenheiros, professores e cientistas – na maioria jovens, para o Ocidente.

No atual incidente do êxodo que se verifica nesse país, chama a atenção do crítico a posição assumida pelo Cremlin, em especial pelo presidente Mikhail Gorbachev. É evidente que tal fuga em massa não é boa para a imagem do socialismo. Ocorresse em outros tempos, digamos durante a gestão de Leonid Brezhnev na URSS, e o leitor já pode intuir qual seria o resultado.

Certamente ocorreria mais uma traumática invasão militar. É mister que se frise que o “muro da vergonha” foi construído, em agosto de 1961, em decorrência de um êxodo como este, embora envolvendo menor número de pessoas.

A atual liderança soviética, no entanto, não somente deixou de transformar o episódio numa crise entre as superpotências, como advogou em favor dos fugitivos. O chanceler Eduard Shevardnadze convenceu seu colega alemão oriental, Oskar Fisher, a permitir que os cidadãos que estavam ocupando as embaixadas da Alemanha Oriental em Praga e em Varsóvia pudessem seguir para o Ocidente de trem. E cruzando, inclusive, seu território nacional.

O ministro justificou o apelo alegando “razões humanitárias”. Ou seja, a preocupação com as pessoas sobrepujou desta vez a atinente às “razões de Estado”. A bem da verdade, como assinalou, ontem, o jornal do sindicato polonês Solidariedade, o “Gazeta Wyborcza”, a teimosia de Berlim Oriental em manter seu sistema intacto está transformando a sua aliança com Moscou em algo incômodo para Gorbachev.

Os tempos, evidentemente, são outros no Leste europeu. Só o líder alemão oriental, Erich Honecker – que inclusive participou da construção do “muro da vergonha” – parece não ter percebido essa realidade. Ele segue preso, ainda, a conceitos ideológicos francamente ultrapassados.

Faz da ideologia não o que ela deveria na verdade ser, ou seja, um conjunto de princípios gerais passivo de alterações, de acordo com as circunstâncias, mas um autêntico dogma. Com isso, só consegue prestar, na verdade, um enorme desserviço ao país que prometeu servir. No mundo de hoje, com a instantaneidade das comunicações, os aparatos de propaganda, que costumam distorcer a realidade, já não funcionam.

As ondas de rádio e de televisão atravessam toda e qualquer “cortina”, de ferro ou do que quer que seja, permitindo que as pessoas confiram por si sós o que ocorre no mundo. E, convenhamos, o sistema vigente na Alemanha Oriental deixa muito ou quase tudo a desejar. Afinal, ninguém, por mais alienado que seja, foge de um paraíso...

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 3 de outubro de 1989).


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