Não se foge de um paraíso
As
reformas liberalizantes em andamento na União Soviética, Polônia e Hungria
estão colocando os demais países do Leste europeu e, em especial, a Alemanha
Oriental, contra a parede. Ou eles alteram o seu sistema repressor e altamente
centralizado, ou vão perder gente preciosa – técnicos, engenheiros, professores
e cientistas – na maioria jovens, para o Ocidente.
No atual incidente do êxodo que se verifica nesse
país, chama a atenção do crítico a posição assumida pelo Cremlin, em especial
pelo presidente Mikhail Gorbachev. É evidente que tal fuga em massa não é boa
para a imagem do socialismo. Ocorresse em outros tempos, digamos durante a
gestão de Leonid Brezhnev na URSS, e o leitor já pode intuir qual seria o
resultado.
Certamente ocorreria mais uma traumática invasão
militar. É mister que se frise que o “muro da vergonha” foi construído, em
agosto de 1961, em decorrência de um êxodo como este, embora envolvendo menor
número de pessoas.
A atual liderança soviética, no entanto, não somente
deixou de transformar o episódio numa crise entre as superpotências, como
advogou em favor dos fugitivos. O chanceler Eduard Shevardnadze convenceu seu
colega alemão oriental, Oskar Fisher, a permitir que os cidadãos que estavam
ocupando as embaixadas da Alemanha Oriental em Praga e em Varsóvia pudessem
seguir para o Ocidente de trem. E cruzando, inclusive, seu território nacional.
O ministro justificou o apelo alegando “razões
humanitárias”. Ou seja, a preocupação com as pessoas sobrepujou desta vez a
atinente às “razões de Estado”. A bem da verdade, como assinalou, ontem, o
jornal do sindicato polonês Solidariedade, o “Gazeta Wyborcza”, a teimosia de
Berlim Oriental em manter seu sistema intacto está transformando a sua aliança
com Moscou em algo incômodo para Gorbachev.
Os tempos, evidentemente, são outros no Leste
europeu. Só o líder alemão oriental, Erich Honecker – que inclusive participou
da construção do “muro da vergonha” – parece não ter percebido essa realidade.
Ele segue preso, ainda, a conceitos ideológicos francamente ultrapassados.
Faz da ideologia não o que ela deveria na verdade
ser, ou seja, um conjunto de princípios gerais passivo de alterações, de acordo
com as circunstâncias, mas um autêntico dogma. Com isso, só consegue prestar,
na verdade, um enorme desserviço ao país que prometeu servir. No mundo de hoje,
com a instantaneidade das comunicações, os aparatos de propaganda, que costumam
distorcer a realidade, já não funcionam.
As ondas de rádio e de televisão atravessam toda e
qualquer “cortina”, de ferro ou do que quer que seja, permitindo que as pessoas
confiram por si sós o que ocorre no mundo. E, convenhamos, o sistema vigente na
Alemanha Oriental deixa muito ou quase tudo a desejar. Afinal, ninguém, por
mais alienado que seja, foge de um paraíso...
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 3 de outubro de 1989).
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