Preâmbulo do que se
propõe a ser longa narrativa
Pedro J. Bondaczuk
A figura de João
Ramalho é das mais fascinantes e, simultaneamente, mais bizarras da História do
Brasil. Daquela remota, quinhentista, dos primórdios da colonização. Muito se
escreveu sobre ele, todavia é impossível distinguir fatos históricos de lendas
nas diversas narrativas. Ou seja, não dá para separar realidade de ficção (esta
fruto, claro, de pura imaginação). Aliás, bizarro e misterioso não é somente o
perfil desse aventureiro português, mas também os de personagens que orbitam ao
seu redor, com os quais esteve intimamente relacionado. Destes, claro, a
principal é a índia Bartira, que João Ramalho viria a desposar, após conviver
com ela, maritalmente, por cerca de 40 anos
Para que o casamento
cristão fosse celebrado pelos jesuítas, foi necessário que ela se convertesse à
fé católica. E ela converteu-se. Recebeu um novo nome – Isabel Dias – e os
registros de São Paulo de Piratininga assinalam que se tornou mulher pia, dada
a caridade, financiadora de igrejas e de capelas, que morreu aos 87 anos de
idade, respeitada e reverenciada. Apesar de casada oficialmente com João
Ramalho, fez vistas grossas ao insaciável apetite sexual do marido, que teria
gerado três centenas ou mais de filhos com outras índias. Com Bartira, gerou
nove..
Outra figura
intimamente ligada ao aventureiro português é o seu sogro, o cacique Tibiriçá,
importantíssimo na defesa da nova cidade surgida no Planalto de Piratininga,
que viria a se transformar nesta gigantesca e caótica metrópole mundial, que é
a atual São Paulo. Conforme registros da época, não fosse sua providencial
intervenção, à frente dos seus bem adestrados e leais guerreiros – muitos dos
quais netos, filhos de João Ramalho – a então incipiente e frágil vila teria
sido arrasada por tribos inimigas dos portugueses, notadamente dos bandeirantes
e não seria, óbvio, este colosso que é.
Não tenho a menor
condição de assegurar se os dados de que disponho sobre essas fascinantes
figuras, candidatas naturais e evidentes a personagens marcantes de novelas,
são verídicos ou não. Ou seja, é impossível determinar se são documentos
autênticos ou meras lendas, contos e mitos, posto que calcados em pessoas que
de fato existiram. O escritor Raimundo de Menezes optou pela prudência neste
caso. Tanto que denominou o capítulo dedicado ao aventureiro português e aos
personagens a ele relacionados, de seu livro “Aconteceu na velha São Paulo”
(Coleção Saraiva, 1954), de “A lenda de João Ramalho”. Eu não chegaria a tanto.
Todavia, não ponho minha mão no fogo pela autenticidade e veracidade dos
supostos documentos a propósito.
Embora se trate de algo
tão lógico que dispensa justificativas, apresso-me em declarar que, por maior
que seja meu poder de síntese, é rigorosamente impossível tratar de pessoas tão
complexas e controvertidas e que viveram em tempos tão remotos num único texto, ou mesmo em meia dúzia
deles. Farei, portanto, meu relato do jeito que mais gosto. Ou seja: meticulosa
e didaticamente, sem me importar com estilo, pirotecnias verbais ou extensão.
Só não decidi, ainda, se redigirei esses textos em sequência ou se alternados
com tantos outros assuntos que requeiram minha atenção. De qualquer forma, no
entanto, conto com sua benevolência (e paciência) nessa aventura literária
pelas primitivas trilhas, compreensivelmente misteriosas, da nossa História (ou
estória, já que boa parte do que será exposto pode não passar de ficção?).
Para esses relatos,
contarei com várias fontes, embora tome como “fio condutor” da narrativa, até
por questões de entendimento, das informações que colhi na enciclopédia
eletrônica Wikipédia. Embora não se trate do tal romance que me propus a
escrever tendo João Ramalho e suas peripécias como personagem central, pretendo
que estas narrativas tenham pelo menos dupla função: a de servir de base para a
obra ficcional que pretendo encarar e, simultaneamente, a de terem vida
autônoma, como uma espécie de ensaio mais extenso do que o usual. Essa
empreitada vai me exigir (já está exigindo) horas e mais horas de estudos, que
não considero, contudo, como tempo perdido, já que o esforço representa a
retomada de um ambicioso projeto, originalmente nascido há praticamente duas
décadas.
Este prolongado
preâmbulo, embora pareça “enrolação” do editor, (garanto) não a é. Tem dupla
função. A primeira é a de emprestar certa ordem à narrativa, com princípio,
meio e fim. A segunda, por seu turno, é a de determinar um conjunto de regras
que pretendo seguir nessa empreitada, necessário para disciplinar os textos, dar-lhes
coerência e assegurar sua simplicidade e clareza. E poderia citar, ainda, uma
terceira finalidade: esta seria a de criar
certo clima de suspense nos que se disponham a realmente ler (e não se
limitar, apenas, a ligeira passada de olhos) o que tenho e o que me proponho a
redigir. Mas por hoje... paciência...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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