Saturday, July 05, 2014

Declínio do futebol arte

Pedro J. Bondaczuk

O futebol, como tudo na vida, mudou. Modernizou-se, incorporou o que há de melhor e mais avançado na tecnologia esportiva e adquiriu novas características, que agradam às novas gerações, mas despertam críticas e restrições nos saudosistas. Sou um deles. É impossível, mesmo, agradar a todos, ou como reza o clichê, a “gregos e troianos”. O futebol está melhor? Está pior? Essa seria uma avaliação subjetiva que jamais obteria consenso, como não obtém. Digamos que ele mudou. Que está diferente. E as, digamos, “modernizações” agradam a muitos e descontentam a outros tantos.

A principal mudança no futebol ocorreu no perfil dos praticantes. Não nos amadores, nos que jogam suas peladas semanais sem compromisso e nem obrigação, e que pouco, ou nada, se importam com técnica, com tática e com outras tantas coisas que caracterizam o profissionalismo. A modalidade, agora, prioriza não propriamente a habilidade (embora esta ainda seja bem vinda), mas a condição física dos jogadores. Óbvio que se for possível reunir ambas qualidades, ninguém irá reclamar. Todavia, isso parece ser um tanto (e cada vez mais) raro. Entre o sujeito habilidoso, mas de pouca resistência orgânica, que se machuca com facilidade e não suporta um encontrão um tanto mais forte, e o grandalhão musculoso, desengonçado, mas resistente, mais até do que um puro sangue, os clubes optam, hoje em dia, por contratar o segundo. O futebol depende cada vez menos de habilidade e cada vez mais da eficiência. Cada vez menos da improvisação e da fantasia e cada vez mais da objetividade e do condicionamento físico.

Até não faz muito, o que menos preocupava tanto clubes, quanto seleções nacionais, era a força. Não raro, em algum grupo (diria que na maioria deles), havia imensa quantidade de jogadores com diversos problemas orgânicos. Dentários, por exemplo. Vários eram banguelas. Havia muitos com doenças congênitas que os tornavam, obviamente, menos resistentes, ou, do ponto de vista físico, fracos. Porém, tinham habilidade técnica ímpar, tanto no domínio da bola quanto, e principalmente, na feitura de gols. Por isso, tinham não só espaço, como eram valorizados e “paparicados”. Hoje, isso mudou.

Quando em 1958, por exemplo, o odontólogo Mário Trigo foi incorporado ao staf da Seleção Brasileira, a decisão foi considerada “revolucionária”. Muitos, todavia, não a entenderam e até a criticaram. Consideraram mera “frescura” ou algo que o valha. Não era, claro. Mas foi encarada por críticos ferozes e mordazes como tal. No entanto... deu no que deu. O grupo, que tecnicamente era excepcional no melhor sentido da excepcionalidade, sem focos infecciosos dentários a lhe minar a resistência orgânica, pôde exibir todo seu admirável talento. E todos sabem no que isso resultou: no primeiro título mundial do Brasil, e com exibições memoráveis.

Hoje o jogador de futebol, pelo menos os que defendem os multimilionários clubes de elite internacionais e os selecionados de “ponta”, eternos favoritos a títulos de Copa,  são, todos, sem tirar e nem pôr, atletas de alto rendimento. Isso mesmo. No que diz respeito à força e à resistência, não ficam nada a dever aos notáveis de outras modalidades. Exames médicos cada vez mais sofisticados detectam com muita antecedência lesões que até não muito passavam despercebidas. Tomam eficazes suplementos alimentares e isotônicos individualizados que lhes asseguram saúde completa. São submetidos, até mesmo,. a meticulosas verificações de condições físicas, notadamente musculares e articulares, capazes de detectar e assim prevenir problemas mesmo quando não sintam o menor desconforto. Com isso, têm cargas de treinamento racionalmente programadas, individualizadas, adaptadas ao respectivo estado orgânico que disponham. Ou seja, a prevenção passou a ser tão importante, ou mais, que a terapia depois da lesões instaladas.

Pode-se dizer que o jogador de futebol profissional (e reitero que me refiro aos que defendem os multimilionários clubes de elite) são verdadeiros super-homens, na comparação com o cidadão comum, que pratique (quando pratica) a modalidade apenas como diversão ou a congêneres de equipes de menor ou sem nenhuma expressão, com parcos recursos materiais. Esses cuidados que citei (e outros tantos que deixei de mencionar), claro, refletem-se diretamente em campo.

Os jogos, hoje, salvo exceções, são muito mais dinâmicos, velozes, físicos, menos cadenciados, posto que mais faltosos. Os contatos são mais freqüentes e até mais violentos. Os critérios de arbitragem, para marcar ou não faltas, são mais flexíveis do que já foram. Na maioria das vezes, encontrões que há não muito eram considerados faltosos, hoje são aceitos como “normais”. Há quem goste desse “novo futebol”. Da minha parte, prefiro o meio termo. Nem tanto ao céu e nem tanto à terra. Ou seja, minha preferência recai em jogos que tenham, sim, a objetividade atual, mas com generosas pitadas de fantasia dos craques de um passado nem tão remoto assim.

Com todo o respeito aos gênios da bola da atualidade, como Lionel Messi, Neymar Junior, o recém-promovido a excepcional James Rodriguez, Cristiano Ronaldo e Aaren Robben, entre alguns outros, sinto falta, por exemplo, de um Zico, de um Sócrates, de um Rivelino, de um Tostão, de um Ronaldo e de um Ronaldinho Gaúcho (para citar apenas alguns), e isso sem falar de um Garrincha, de um Pelé, de um Maradona, de um Platini ou de um Beckenbauer. Aí já seria covardia. Estou entre aqueles brasileiros que não se contentam, só, com as vitórias da nossa Seleção, mas que desejam que estas venham não de lances acidentais ou de erros de adversários ou de arbitragem, mas de jogos bem jogados, com técnica e com fantasia. Quero ver, sempre, o futebol transformado em obra de arte, em delicioso balé, exibido pelos que sabem, como poucos, executar incríveis coreografias, não ensaiadas em treinos, mas improvisadas e por isso surpreendentes. É isso! Quero ser surpreendido, positivamente. Creio que essa magia esteja em vias de extinção. Entendo que a objetividade, pura e simples, sem toques de fantasia, tende a tornar o futebol bem mais chato do que um dia foi.


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