Declínio do futebol
arte
Pedro
J. Bondaczuk
O futebol, como tudo na
vida, mudou. Modernizou-se, incorporou o que há de melhor e mais avançado na
tecnologia esportiva e adquiriu novas características, que agradam às novas
gerações, mas despertam críticas e restrições nos saudosistas. Sou um deles. É
impossível, mesmo, agradar a todos, ou como reza o clichê, a “gregos e
troianos”. O futebol está melhor? Está pior? Essa seria uma avaliação subjetiva
que jamais obteria consenso, como não obtém. Digamos que ele mudou. Que está
diferente. E as, digamos, “modernizações” agradam a muitos e descontentam a
outros tantos.
A principal mudança no
futebol ocorreu no perfil dos praticantes. Não nos amadores, nos que jogam suas
peladas semanais sem compromisso e nem obrigação, e que pouco, ou nada, se
importam com técnica, com tática e com outras tantas coisas que caracterizam o
profissionalismo. A modalidade, agora, prioriza não propriamente a habilidade
(embora esta ainda seja bem vinda), mas a condição física dos jogadores. Óbvio
que se for possível reunir ambas qualidades, ninguém irá reclamar. Todavia,
isso parece ser um tanto (e cada vez mais) raro. Entre o sujeito habilidoso,
mas de pouca resistência orgânica, que se machuca com facilidade e não suporta
um encontrão um tanto mais forte, e o grandalhão musculoso, desengonçado, mas
resistente, mais até do que um puro sangue, os clubes optam, hoje em dia, por
contratar o segundo. O futebol depende cada vez menos de habilidade e cada vez
mais da eficiência. Cada vez menos da improvisação e da fantasia e cada vez
mais da objetividade e do condicionamento físico.
Até não faz muito, o
que menos preocupava tanto clubes, quanto seleções nacionais, era a força. Não
raro, em algum grupo (diria que na maioria deles), havia imensa quantidade de
jogadores com diversos problemas orgânicos. Dentários, por exemplo. Vários eram
banguelas. Havia muitos com doenças congênitas que os tornavam, obviamente,
menos resistentes, ou, do ponto de vista físico, fracos. Porém, tinham
habilidade técnica ímpar, tanto no domínio da bola quanto, e principalmente, na
feitura de gols. Por isso, tinham não só espaço, como eram valorizados e
“paparicados”. Hoje, isso mudou.
Quando em 1958, por
exemplo, o odontólogo Mário Trigo foi incorporado ao staf da Seleção
Brasileira, a decisão foi considerada “revolucionária”. Muitos, todavia, não a
entenderam e até a criticaram. Consideraram mera “frescura” ou algo que o
valha. Não era, claro. Mas foi encarada por críticos ferozes e mordazes como
tal. No entanto... deu no que deu. O grupo, que tecnicamente era excepcional no
melhor sentido da excepcionalidade, sem focos infecciosos dentários a lhe minar
a resistência orgânica, pôde exibir todo seu admirável talento. E todos sabem
no que isso resultou: no primeiro título mundial do Brasil, e com exibições
memoráveis.
Hoje o jogador de
futebol, pelo menos os que defendem os multimilionários clubes de elite
internacionais e os selecionados de “ponta”, eternos favoritos a títulos de
Copa, são, todos, sem tirar e nem pôr,
atletas de alto rendimento. Isso mesmo. No que diz respeito à força e à
resistência, não ficam nada a dever aos notáveis de outras modalidades. Exames
médicos cada vez mais sofisticados detectam com muita antecedência lesões que
até não muito passavam despercebidas. Tomam eficazes suplementos alimentares e
isotônicos individualizados que lhes asseguram saúde completa. São submetidos,
até mesmo,. a meticulosas verificações de condições físicas, notadamente
musculares e articulares, capazes de detectar e assim prevenir problemas mesmo
quando não sintam o menor desconforto. Com isso, têm cargas de treinamento
racionalmente programadas, individualizadas, adaptadas ao respectivo estado
orgânico que disponham. Ou seja, a prevenção passou a ser tão importante, ou mais,
que a terapia depois da lesões instaladas.
Pode-se dizer que o
jogador de futebol profissional (e reitero que me refiro aos que defendem os
multimilionários clubes de elite) são verdadeiros super-homens, na comparação
com o cidadão comum, que pratique (quando pratica) a modalidade apenas como
diversão ou a congêneres de equipes de menor ou sem nenhuma expressão, com
parcos recursos materiais. Esses cuidados que citei (e outros tantos que deixei
de mencionar), claro, refletem-se diretamente em campo.
Os jogos, hoje, salvo
exceções, são muito mais dinâmicos, velozes, físicos, menos cadenciados, posto
que mais faltosos. Os contatos são mais freqüentes e até mais violentos. Os
critérios de arbitragem, para marcar ou não faltas, são mais flexíveis do que já
foram. Na maioria das vezes, encontrões que há não muito eram considerados
faltosos, hoje são aceitos como “normais”. Há quem goste desse “novo futebol”.
Da minha parte, prefiro o meio termo. Nem tanto ao céu e nem tanto à terra. Ou
seja, minha preferência recai em jogos que tenham, sim, a objetividade atual,
mas com generosas pitadas de fantasia dos craques de um passado nem tão remoto
assim.
Com todo o respeito aos
gênios da bola da atualidade, como Lionel Messi, Neymar Junior, o
recém-promovido a excepcional James Rodriguez, Cristiano Ronaldo e Aaren
Robben, entre alguns outros, sinto falta, por exemplo, de um Zico, de um
Sócrates, de um Rivelino, de um Tostão, de um Ronaldo e de um Ronaldinho Gaúcho
(para citar apenas alguns), e isso sem falar de um Garrincha, de um Pelé, de um
Maradona, de um Platini ou de um Beckenbauer. Aí já seria covardia. Estou entre
aqueles brasileiros que não se contentam, só, com as vitórias da nossa Seleção,
mas que desejam que estas venham não de lances acidentais ou de erros de
adversários ou de arbitragem, mas de jogos bem jogados, com técnica e com
fantasia. Quero ver, sempre, o futebol transformado em obra de arte, em
delicioso balé, exibido pelos que sabem, como poucos, executar incríveis
coreografias, não ensaiadas em treinos, mas improvisadas e por isso
surpreendentes. É isso! Quero ser surpreendido, positivamente. Creio que essa
magia esteja em vias de extinção. Entendo que a objetividade, pura e simples,
sem toques de fantasia, tende a tornar o futebol bem mais chato do que um dia
foi.
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