Persistência
e teimosia
Pedro J. Bondaczuk
A observação atenta do
comportamento das pessoas é excelente exercício, útil, se não indispensável, ao
escritor, notadamente ao que se dedica a obras de ficção. É precioso subsídio
na elaboração de personagens autênticos, verossímeis, de carne e osso e não de
figuras caricatas e falsas, exageradas na prática do bem ou do mal, como muito
ficcionista preguiçoso, ou desatento, faz. Um colega, com o qual comentei isso,
disse que se sente constrangido em agir dessa maneira, com receio de ser
interpretado como “bisbilhoteiro”. Mas, afinal, o que somos nós, escritores, se
não mestres em bisbilhotices? Isso mesmo! Claro que nossas observações, por
questão até de prudência, não precisam ser escandalosas, ostensivas e escancaradas.
O melhor é que sejam discretas, até por razões práticas. Assim poderemos
flagrar as pessoas que estivermos observando em seu natural, sem que dissimulem
nada e não representem o que não são.
Confesso – e se isso for errado,
incorro nesse erro o tempo todo, embora não entenda que seja assim e até
recomende esse exercício a quem se propõe atuar nesse campo tão delicado e
complicado que é a literatura – que observo tudo e todos. E não me limito a
observar. Anoto o que me chama a atenção pelo inusitado e utilizo esse
conhecimento, não apenas em contos, gênero de minha predileção, mas em textos
de não ficção, notadamente em crônicas e ensaios. Afinal de contas, o que somos
nós, escritores? Não passamos de pessoas
que escrevem sobre pessoas para outras pessoas lerem. Ou não é assim?
Entre as características que
admiro, quando detecto em alguém, destaco a persistência. Há que se distinguir,
todavia, esse comportamento – que é uma virtude – de outro bastante similar,
mas que é um defeito até bastante comum: a teimosia. Muitos consideram essas
duas palavras como sinônimas. Discordo. Não são! Persistente é o sujeito que
trilha um caminho difícil, se propõe a alcançar um objetivo aparentemente
superior às suas forças, que ele tem certeza de ser o correto e positivo e, por
isso, nunca desiste, sejam quais forem os obstáculos que tem que superar,
principalmente face circunstâncias desfavoráveis. “Teimosia não é também
isso?!, perguntará, atônito, o leitor desavisado. Quase. Parece, mas não é. A
diferença está no fato do teimoso persistir em determinada prática que sabe ser
ruim para si ou para terceiros, mas que ainda assim não desiste. E teima sem
nenhuma razão racional e objetiva. Como se vê, a diferença é sumamente sutil,
mas os resultados tendem a ser gritantemente diferentes.
Já criei personagens dos dois
tipos, ou seja, persistentes e teimosos. E por mais que forçasse, foi
impossível criar para o segundo um desfecho positivo, alguma vitória marcante,
enfim, um “happy end”. Soaria ilógico se o fizesse. E seria. Victor Hugo
escreveu: "Todo o segredo dos grandes corações está nesta palavra:
'perseverar'. A constância diz que espécie de homem há dentro de nós, qual é a
nossa personalidade e a dimensão da nossa coragem. Os constantes são os
sublimes. Quem é apenas bravo tem só um assomo, quem é apenas valente tem só um
temperamento, quem é apenas corajoso tem só uma virtude; o tenaz, porém, tem a
grandeza".
Tenacidade, apresso-me a
esclarecer, é sinônimo de persistência. Só ela conduz ao verdadeiro heroísmo. E
este consiste em vencermos nossas deficiências (o que não ocorre com o teimoso)
e em conquistarmos os nossos sonhos... Persistir, persistir e persistir. Este é
o segredo dos vencedores. Nunca devemos desistir do que tenhamos plena
convicção que signifique evolução, notadamente a espiritual. Poucos,
pouquíssimos, ostentam essa virtude. Já a teimosia... Brota por aí como praga,
como tiririca em um gramado nobre. Bravura, valentia e coragem de nada valem
sem a tenacidade, sem a capacidade de nunca desistir enquanto houver remota
chance de sucesso em algum de nossos tantos empreendimentos. Já a teimosia...
O reverendo norte-americano
Norman Vincent Peale, de tantas e positivas mensagens em seus inúmeros livros e
sermões, observou: "Uma das coisas mais simples sobre a arte de viver é
que para chegar aonde desejamos é preciso persistir na persistência". Notem que não recomendou que persistamos na
teimosia. A poetisa norte-americana Ella Wheeler Wilcox, por seu turno,
acentua: "O homem é o que ele pensa. Não o que diz, lê ou ouve. Mediante
persistente pensar podemos desfazer qualquer condição que exista. Podemos
libertar-nos de quaisquer cadeias, quer da pobreza, quer do pecado, da doença,
da infelicidade ou do medo". E Michael Drury vai mais longe: "Podemos
não ter os dotes necessários para construir uma ponte, compor um poema, ou
descobrir uma nova estrela; mas se quisermos viver nossa vida com profundidade
e espírito criador, precisamos trabalhar incessantemente para expressar o nosso
próprio conceito do que significa estar vivo". Temos, em suma, que
"persistir na persistência".
Sempre que trago o tema à baila,
vem-me à lembrança a “Parábola do semeador”, que Jesus Cristo utilizou para
ilustrar o valor da persistência em espalhar mensagens sadias e construtivas.
De acordo com a alegoria do Bom Rabi, determinado lavrador lançou, primeiro,
sua semente por entre as pedras. Mesmo tendo germinado, a planta embrionária
não tinha como fixar raízes, dada a rigidez do solo. Não havia humus. Inexistia
a umidade. Faltavam, portanto, o alimento e a água. Dessa forma, ou os pássaros
devoraram o que foi semeado, ou o sol crestou a semente, a inutilizando. A
segunda foi lançada sobre a areia, em meio a urzes. Germinou, fixou raízes, mas
estas não tinham firmeza. Um simples vento arrancou a planta em formação,
matando-a ou as ervas daninhas sufocaram-na. A terceira semente, no entanto,
caiu em terra fértil. Germinou, radicou-se, desenvolveu-se, cresceu e
frutificou.
Assim são as mensagens espalhadas
pelos idealistas (e pelos escritores). Têm que ser múltiplas e semeadas
incansavelmente. Mesmo assim há riscos de nenhuma delas vingar. Compete ao
semeador tentar, tentar e tentar indefinidamente, enquanto viver. Ou seja,
persistir na persistência. É o que faço e que pretendo fazer enquanto tiver
força, lucidez e vida. Em alguma hora a semente haverá de cair em terra fértil
e propiciar generosa colheita. Isso é persistência. Sou interpretado, amiúde,
como teimoso, até mesmo como turrão. O que faço, no entanto, não se trata de
teimosia: é persistência. Mera questão semântica, simples sofisma ou filigrana
vocabular? Para alguns, sim. Para mim, não.
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