Tuesday, July 22, 2014

Líbios é que são as vítimas


Pedro J. Bondaczuk


A Líbia, como não poderia deixar de ser, continuou, ontem, sendo o assunto do dia, em todos os lugares do mundo e nos mais variados círculos. Tanto os centros de decisão, no caso os governos, quanto pessoas ouvidas nas ruas de várias cidades, não importa de que continente, comentavam os incidentes envolvendo esse país do Norte da África e os Estados Unidos.

A maioria das opiniões, detectadas das mais variadas formas por jornalistas e institutos de pesquisa, era de condenação aos bombardeios feitos, anteontem, pelos F-111 e pelos Entruders norte-americanos em Trípoli e Benghazi.

O argumento usado para condenar os ataques era o de que a violência não é o caminho mais adequado para a solução de controvérsias, sejam políticas, econômicas ou militares, embora quase todos ressaltassem o aventureirismo do irrequieto líder líbio, coronel Muammar Khaddafy.

Outro ponto que mereceu condenação generalizada foi o fato de populações civis, ou seja, pessoas inocentes e alheias às controvérsias políticas, ter pagado, mais uma vez, com a própria vida pela irresponsabilidade e imprudência dos seus líderes.

De acordo com informações de diplomatas ocidentais em Trípoli, cerca de cem cidadãos locais foram mortos nos bombardeios norte-americanos. Ou seja, por causa de um ato destinado a ser mera demonstração de “fúria” contra Khaddafy (como o próprio presidente dos EUA, Ronald Reagan, caracterizou a ação militar a cargo da Sexta Frota), morreram mais pessoas do que em pelo menos dez atentados terroristas atribuídos aos líbios. Está aí, portanto, um caso típico em que alguém tenta cobrar responsabilidade por  um erro cometendo outro muitíssimo maior.

Dominou, também, as conversas nas ruas, motivando, até, algumas chamadas telefônicas para as redações de jornais, o boato de que Muammar Khaddafy teria sido deposto por um golpe militar. Outros foram até mais longe e se aventuraram em especular que o líder líbio teria sido morto nos bombardeios de segunda-feira. Embora não haja, ainda, nenhuma informação oficial, provavelmente nada disso aconteceu.

O fato do coronel líbio não haver aparecido em público desde o ataque norte-americano, pode se prender a vários outros motivos, que não estes, tão dramáticos. Um deles, por exemplo, é de caráter humanitário. Khaddafy perdeu uma filha adotiva no bombardeio e teve outros dois filhos feridos. É provável, portanto, que neste momento esteja dando assistência à família, pois antes de ser o líder de três milhões de compatriotas, é um ser humano, como qualquer um de nós.

Em nível de opinião pública, o governante da Líbia, certamente, conquistou simpatias, passando (e, em última análise, sendo) por vítima da situação. De qualquer forma, todo esse caso é bastante lamentável. E, certamente, a Casa Branca será cobrada para apresentar as provas que alega possuir (e que afirma serem insofismáveis) da participação líbia em atentados terroristas, em especial o ocorrido em 29 de março, na boate La Belle, em Berlim Ocidental.

Por enquanto, mesmo os que apóiam a ação truculenta do presidente norte-americano, só o fazem por acreditar na existência dessas alegadas provas. Mas um dia, ela terá que ser trazida a público, até mesmo para que Reagan não perca credibilidade na opinião pública. Isso, é claro, se ela existir, de fato, o que tenho lá as minhas dúvidas.

Israel vem adotando, há anos, a prática de bombardear países em que suspeite que grupos terroristas se abriguem. Ataca primeiro, para tentar comprovar depois. Contudo, até aqui, está muito longe de poder assegurar a eficácia dessa dissuasão. Não tem e jamais terá a garantia que esses ataques preventivos irão deixar seu território e seus cidadãos a salvo de ações terroristas.

Insisto na tese que sempre defendi de que é inútil atacar as conseqüências de uma doença. Para que ela seja extirpada, é preciso, isto sim, chegar às suas causas. Ataques como os ocorridos na Líbia só conseguem tornar ridículas iniciativas bem-intencionadas, mas fora da realidade, como a adotada pela Organização das Nações Unidas, de consagrar 1986 como o “Ano Internacional da Paz”. Chega a dar vontade de rir, se o caso não fosse para chorar. Só se for a irônica “pax romana”. Ou seja, a paz dos cemitérios!           

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de abril de 1986)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk      

No comments: