Líbios é que são as vítimas
Pedro J. Bondaczuk
A
Líbia, como não poderia deixar de ser, continuou, ontem, sendo o assunto do
dia, em todos os lugares do mundo e nos mais variados círculos. Tanto os
centros de decisão, no caso os governos, quanto pessoas ouvidas nas ruas de
várias cidades, não importa de que continente, comentavam os incidentes
envolvendo esse país do Norte da África e os Estados Unidos.
A
maioria das opiniões, detectadas das mais variadas formas por jornalistas e
institutos de pesquisa, era de condenação aos bombardeios feitos, anteontem,
pelos F-111 e pelos Entruders norte-americanos em Trípoli e Benghazi.
O
argumento usado para condenar os ataques era o de que a violência não é o
caminho mais adequado para a solução de controvérsias, sejam políticas,
econômicas ou militares, embora quase todos ressaltassem o aventureirismo do
irrequieto líder líbio, coronel Muammar Khaddafy.
Outro
ponto que mereceu condenação generalizada foi o fato de populações civis, ou
seja, pessoas inocentes e alheias às controvérsias políticas, ter pagado, mais
uma vez, com a própria vida pela irresponsabilidade e imprudência dos seus
líderes.
De
acordo com informações de diplomatas ocidentais em Trípoli, cerca de cem
cidadãos locais foram mortos nos bombardeios norte-americanos. Ou seja, por
causa de um ato destinado a ser mera demonstração de “fúria” contra Khaddafy
(como o próprio presidente dos EUA, Ronald Reagan, caracterizou a ação militar
a cargo da Sexta Frota), morreram mais pessoas do que em pelo menos dez
atentados terroristas atribuídos aos líbios. Está aí, portanto, um caso típico
em que alguém tenta cobrar responsabilidade por
um erro cometendo outro muitíssimo maior.
Dominou,
também, as conversas nas ruas, motivando, até, algumas chamadas telefônicas
para as redações de jornais, o boato de que Muammar Khaddafy teria sido deposto
por um golpe militar. Outros foram até mais longe e se aventuraram em especular
que o líder líbio teria sido morto nos bombardeios de segunda-feira. Embora não
haja, ainda, nenhuma informação oficial, provavelmente nada disso aconteceu.
O
fato do coronel líbio não haver aparecido em público desde o ataque
norte-americano, pode se prender a vários outros motivos, que não estes, tão
dramáticos. Um deles, por exemplo, é de caráter humanitário. Khaddafy perdeu
uma filha adotiva no bombardeio e teve outros dois filhos feridos. É provável,
portanto, que neste momento esteja dando assistência à família, pois antes de
ser o líder de três milhões de compatriotas, é um ser humano, como qualquer um
de nós.
Em
nível de opinião pública, o governante da Líbia, certamente, conquistou
simpatias, passando (e, em última análise, sendo) por vítima da situação. De
qualquer forma, todo esse caso é bastante lamentável. E, certamente, a Casa
Branca será cobrada para apresentar as provas que alega possuir (e que afirma
serem insofismáveis) da participação líbia em atentados terroristas, em
especial o ocorrido em 29 de março, na boate La Belle , em Berlim Ocidental.
Por
enquanto, mesmo os que apóiam a ação truculenta do presidente norte-americano,
só o fazem por acreditar na existência dessas alegadas provas. Mas um dia, ela
terá que ser trazida a público, até mesmo para que Reagan não perca
credibilidade na opinião pública. Isso, é claro, se ela existir, de fato, o que
tenho lá as minhas dúvidas.
Israel
vem adotando, há anos, a prática de bombardear países em que suspeite que
grupos terroristas se abriguem. Ataca primeiro, para tentar comprovar depois.
Contudo, até aqui, está muito longe de poder assegurar a eficácia dessa
dissuasão. Não tem e jamais terá a garantia que esses ataques preventivos irão
deixar seu território e seus cidadãos a salvo de ações terroristas.
Insisto
na tese que sempre defendi de que é inútil atacar as conseqüências de uma
doença. Para que ela seja extirpada, é preciso, isto sim, chegar às suas
causas. Ataques como os ocorridos na Líbia só conseguem tornar ridículas
iniciativas bem-intencionadas, mas fora da realidade, como a adotada pela
Organização das Nações Unidas, de consagrar 1986 como o “Ano Internacional da
Paz”. Chega a dar vontade de rir, se o caso não fosse para chorar. Só se for a
irônica “pax romana”. Ou seja, a paz dos cemitérios!
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de abril de
1986)
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