Friday, July 11, 2014

Decadência ignorada

Pedro J. Bondaczuk

A goleada sofrida pela seleção pentacampeã do mundo, diante da Alemanha, por incríveis 7 a 1, apenas escancarou uma realidade que teimamos em ignorar, movidos pela paixão e pela característica mais marcante do nosso povo, que é a esperança: o futebol brasileiro, por uma série de razões, que certamente serão dissecadas nos próximos meses ou até anos – que pretendo abordar, com mais vagar, oportunamente – está decadente. E a decadência não vem de agora. Vem de longa data e começa pelos clubes, administrados de forma amadorística dentro e fora de campo, o que se reflete, fatalmente, na Seleção.

E por que essa bola não foi levantada antes e só agora essa fragilidade é admitida (e não por todos)? Por uma série de razões. Uma delas é a de que a “profissão do brasileiro é a esperança”. Há, até, uma peça de teatro famosa, escrita em 1966 por Paulo Pontes, autor da consagrada série de TV da Rede Globo, “A grande família”, tratando disso. E o excelente escritor não está certo? Claro que sim! Para quem não soube nada desse memorável trabalho artístico, ou se esqueceu dele, lembro que, oito anos após escrita, a peça voltou ao cartaz, em setembro de 1974, tendo como protagonistas os saudosos Clara Nunes e Paulo Gracindo. Foi transformada, na sequência, em um LP de grande sucesso, da gravadora Odeon. O enredo foi baseado na história da cantora Dolores Duran e do compositor pernambucano Antonio Maria. Ela daria não apenas uma peça, mas uma novela ou até mesmo um filme digno de Oscar. No LP, Clara Nunes e Paulo Gracindo são acompanhados por uma Grande Orquestra e a direção coube à extraordinária Bibi Ferreira. Esse conjunto todo valorizou, sobremaneira, o super bem sacado texto de Paulo Pontes.

Bem, fechado esse parêntese, voltemos ao assunto de hoje. Não detectamos a fragilidade da Seleção Brasileira fundamentados, quase que exclusivamente, no que nos caracteriza: a esperança. Este sentimento, aliás, foi justificado e até potencializado por algumas razões. A primeira, a principal, é que o grupo que nos representou (e representa) é composto, quase todo, por atletas que atuam no Exterior. Todos eles têm destaque em seus respectivos clubes. Só quatro selecionados jogam no Brasil e apenas um único é titular: Fred (justo o jogador escolhido para “bode expiatório” pela imprensa e, consequentemente, pela torcida, pelo vexame nacional). Embora sua performance tenha sido, de fato, pífia, considero isso uma enorme sacanagem, como se o goleador do Fluminense fosse o único responsável pela fragilidade técnica desta geração. Claro que não é. Dos outros três integrantes da atual seleção que jogam no Brasil, dois são goleiros, Jefferson e Vítor, e o terceiro é um centroavante que em outras circunstâncias jamais seria convocado, mas desta vez foi, ou seja Jô.

Mesmo no Exterior, o Brasil não tem opções para a posição. A única que, “talvez”, desse certo é Diego Costa, campeão espanhol pelo Atlético de Madrid. Este, todavia, optou por defender a Seleção da Espanha, e se deu mal. Não mostrou nem 1% do seu potencial ofensivo e naufragou junto com toda a equipe da chamada “Fúria”, ou “La Roja”, como estão preferindo ser chamados. A segunda razão que potencializou nossas esperanças foi a ilusória conquista da Copa das Confederações no ano passado. A terceira, foi o fato da Copa ser disputada no Brasil. Supunha-se que isso seria considerável vantagem para nós e não o peso psicológico sobressalente que se revelou ser, pela obrigação de ganhar uma competição que estava muito acima da sua capacidade. Poderia citar outras, mas as que citei já bastam.         .       

A fragilidade técnica, tática e anímica do futebol brasileiro começou a dar fortes indicações de sua existência com a eliminação dos comandados de Dunga, diante da Holanda, em 2010, na África do Sul. O insucesso foi atribuído a inúmeros fatores, menos ao real. Continuamos iludidos quanto à nossa capacidade, cada vez menor na comparação com a de outros centros. Na sequência, nossos clubes de ponta, ganhadores da ilusória Copa Libertadores da América, deram mostras cabais da nossa não admitida fragilidade. Não nos tocamos. Continuamos achando que nosso futebol ainda era o melhor do mundo, quando já não era e já bom tempo.

Quando em 14 de dezembro de 2010, o Mazembe, do Congo (vejam só!!!), derrotou o Internacional de Porto Alegre, por 2 a 0, no Estádio Mohammed Bin Zayed, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, o vexame foi atribuído exclusivamente a erro tático do treinador Celso Roth, tido e havido como “retranqueiro”. Como é fácil, no Brasil, acabar com a carreira de excelentes profissionais! Bem, avancemos um pouco. Em 18 de dezembro de 2011, o Barcelona humilhou o Santos, com uma goleada de 4 a 0, em Yokohama, no Japão e ninguém se tocou. Neymar, a esperança santista, foi anulado e praticamente não pegou na bola. Muricy Ramalho confessou, na oportunidade, que o poderoso adversário deu uma “aula” de como jogar futebol à sua equipe. Mas o fracasso santista foi atribuído, exclusivamente, ao clube e não à fragilidade do futebol brasileiro.

Pior ainda foi o que aconteceu em 2 de agosto de 2013, no Camp Nou. Em jogo que marcou a estréia de Neymar com a camisa catalã, o Barcelona massacrou esse mesmo Santos, fazendo humilhantes 8 a 0. O clube da Vila Belmiro, que já foi o mais poderoso e temido do mundo, foi alvo de chacotas e de zombarias das torcidas adversárias, como se fosse o pior entre os piores. Ninguém se tocou que a falha não estava propriamente no alvinegro praiano (ou não somente nele), mas em toda a estrutura do futebol nacional. A ilusão da nossa supremacia se acentuou mais ainda quando, em 16 de dezembro de 2012, no estádio de Yokohama, no Japão, o Corinthians derrotou o Chelsea por 1 a 0 e conquistou o título. Ninguém relativizou o resultado. Não se levou, por exemplo, em consideração a forma como o clube inglês conquistou a Liga dos Campeões da Europa, mercê ferocíssima retranca e incrível sorte. Mas...

O que ocorreu em 18 de dezembro de 2013, em Marrakech, no Marrocos, poderia nos devolver à realidade, mas não devolveu. O Atlético Mineiro  imitou o Internacional de Porto Alegre de 2010 e foi derrotado pela frágil e desconhecida equipe marroquina do Raja Casablanca, por 3 a 1. A derrota, porém, foi atribuída a uma porção de motivos, menos ao principal e óbvio. Ou seja, à então já crescente fragilidade do futebol brasileiro. E se ainda havia dúvidas a esse respeito, estas poderiam ser dirimidas com o que ocorreu há somente poucas semanas antes do início da Copa. Todos os representantes do Brasil na pífia e reles Libertadores da América, TODOS os seis, sem exceção – Cruzeiro, Atlético Mineiro, Grêmio, Atlético Paranaense, Flamengo e Botafogo –  foram eliminados da competição. Nenhum, portanto, chegou nem mesmo às semifinais. Mas... ninguém se tocou. Agora fomos forçados, de forma das mais traumáticas, a cair na realidade. Cairemos? Não sei!!!  Voltarei, certamente, ao assunto, que tende a render muito, mas muito mesmo, estejam certos.


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