Brincando com a vida
Pedro J.
Bondaczuk
O comportamento das pessoas não acompanhou, em absoluto, o
incrível avanço das ciências físicas e biológicas, em especial após a segunda
metade do século XIX. Por esta razão, muitas das maravilhas criadas por mentes
privilegiadas, que poderiam significar a redenção da humanidade e a melhoria do
seu padrão de existência, acabaram transformadas em objetos de tortura, em
armas terríveis para que se cometam as mais abjetas ações e heresias que se
possa imaginar.
A todo o instante se ouve alguém
reivindicar um elenco de direitos, alguns legítimos e outros apenas imaginados.
Mas o que esses indivíduos parecem esquecer é que cada direito sempre tem que
vir, necessariamente, acompanhado da contrapartida do respectivo dever. Os dois
são indissociáveis.
Uma das principais obrigações das
pessoas, senão a principal, é a de viver e deixar viver. Ninguém tem, nem pode
ter, o poder de decidir sobre quem continuará existindo e quem deve ser
eliminado ainda no ventre materno. Qualquer coisa que ao menos lembre este tipo
de comportamento é ilegítima, imoral e ilegal. É uma arbitrariedade sem
tamanho. Contraria a lógica, a razão e o bom-senso.
O princípio básico de Justiça, o
alicerce que lhe dá sustentação e força, preceitua que “todos” são iguais
perante a lei. O fato dessa igualdade não passar, hoje em dia, de mera ficção,
é que impede que, no campo do comportamento, a humanidade acompanhe o
vertiginoso progresso da ciência.
O direito mais sagrado e
inalienável de qualquer ser é o da vida. E quando esta passa a existir de fato?
Em que instante mágico e miraculoso se corporifica e se reproduz milhões de
vezes por dia, embora cada uma dessas reproduções não deixe de ser um milagre?
No instante exato da fecundação!
É perda de tempo teorizar a
respeito ou sofismar dizendo que o feto disforme, de uma, duas, dez, doze ou
catorze semanas, não é um ser humano. É evidente que é! Afirmar, portanto, que
impedir que uma mulher grávida cometa o criminoso ato do aborto é tolher seus
direitos, não passa de irresponsabilidade e, mais do que isso, de cumplicidade
num covarde e frio assassinato (polêmicas a parte), contra um ser absolutamente
indefeso. Ninguém, mas ninguém mesmo, pode decidir sobre a vida e a morte do
próximo, sejam quais forem os motivos e circunstâncias. Pessoa alguma, por
outra parte, pode tomar decisões absurdas desse tipo, envolvendo outro ser
humano.
“O meu direito começa onde o do
próximo termina”. Por esta razão, é ilegítimo, imoral e ilegal apelar-se, no
outro extremo, para meios artificiais de concepção, somente para satisfazer a
uma vaidade, ou para arranjar companhia futura, ou por outro motivo qualquer,
não importa qual. Uma decisão desse porte é gravíssima. Se a natureza impediu
que certas pessoas tivessem o dom da paternidade ou da maternidade, deve ter
tido suas razões.
Nada acontece por acaso no
universo. Não são casuais as leis da física, da química, da biologia e da
astronomia. Muito menos as da genética. Tudo segue regras fixas, inexoráveis,
imutáveis. Todavia, os métodos artificiais de concepção tornaram-se, de uns
tempos para cá, não somente rotineiros e comuns, mas até banais.
Que direito, contudo, tem um
casal de se impor a um outro ser humano como seus pais, a menos que o gere
pelos meios impostos pela natureza? O homem e a mulher que tomam tão grave
decisão, de permitir a fertilização “in vitro”, estão conscientes do que estão
fazendo? Têm noção dos riscos e das responsabilidades que isso implica? Ou são
levados, apenas, pela emoção, quando não por mera vaidade? O casal que age
dessa forma tem qualquer condição, ou possibilidade, de prever o futuro desse
novo ser que, por meios tão antinaturais (no caso dos bebês de proveta) estarão
trazendo ao mundo? Certamente que não!
Sabem, por exemplo, se essa nova
pessoa será feliz? É óbvio que não sabem, e nem poderiam saber! E não seria
melhor que não tivesse existido? Serão capazes de suprir o amor que,
certamente, faltará a essa pessoa no ato inicial da sua concepção? Porque, a
menos que se trate de um imbecil, ninguém ama uma proveta, um tubo de ensaio,
um recipiente de nitrogênio líquido ou uma seringa. Mas será dessa maneira que
esse novo ser humano será gerado.
Mas, o mais incompreensível, é o
fato de alguém “alugar” uma mulher para gerar-lhe um filho! Isso é espezinhar
um ser humano, reduzi-lo à condição de fria máquina, que a troco de um metal (ou,
o que é pior, de um papel impresso chamado dinheiro), deve lhe entregar um
“pedaço” do seu ser. Em troca de um pagamento, e não importa qual seja a
importância, tem que assumir (certamente premida pelas circunstâncias, pela
necessidade material ou pela ganância, não importa) a obrigação de gerar em
suas entranhas, carregar por nove meses, dar à luz e depois se descartar de uma
vida!
Que direito, quem age assim, tem de
proceder dessa maneira? Quem lhe concedeu o poder de impor, àqueles que são
gerados de formas tão antinaturais, quais serão os seus pais? Quem lhe concedeu
a prerrogativa de realizar caprichos pessoais usando o corpo, a mente e a
afetividade alheios? Por que tais indivíduos não recorrem à adoção, já que têm (ou
alegam ter) necessidade de dar afeto a alguém? Pelo menos ajudariam a corrigir
uma distorção social já existente, o da
criança abandonada, sem criar uma nova.
Essas pessoas têm a mínima
garantia de que o ser que vão gerar, dessa forma antinatural, será pelo menos saudável? Será feliz? Têm,
elas próprias, felicidade? São capazes de livrar esse alguém, a quem darão
existência, das vicissitudes nefastas de um mundo tão cheio de aberrações?
Claro que não! A ciência, portanto, não tem o “direito” de invadir este campo,
enquanto estas questões (e tantas outras) não forem respondidas e sem deixar
dúvidas. Caso contrário, estará, apenas,
compactuando com taras, com horrores e com perversidades.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 11
de março de 1987).
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